Falta de diversidade no Oscar: 4 em cada 5 indicados ao prêmio são brancos
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A edição de 2023 do Oscar, maior premiação do mundo cinematográfico, ficou marcada na história: a malaia-chinesa Michelle Yeoh ganhou o prêmio de Melhor Atriz pelo seu papel em “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, que também levou a estatueta de Melhor Filme. Até esse ano, nenhuma mulher de origem asiática havia recebido essa honra. O Oscar não é uma premiação diversa: nos últimos 10 anos, 82,9% dos ganhadores nas categorias principais foram pessoas brancas; a quantidade é quase cinco vezes maior do que a de pessoas pretas e asiáticas juntas.
Além de Michelle Yeoh em Melhor Atriz, a edição desse ano também trouxe um marco na categoria de Melhor Ator Coadjuvante: o ator Ke Huy Quan se tornou o primeiro homem asiático a ganhar o prêmio em 38 anos. A publicitária Raphaella Condeixa, espectadora ávida da cerimônia, descreveu a vitória como um momento marcante: “Mesmo ele sendo um ótimo ator, ele ficou tantos anos sem ser chamado para papéis justamente por esse preconceito da indústria, e ele conseguiu voltar e fazer algo tão incrível. Dá pra ver a felicidade dele em poder trabalhar de novo”, comenta.
Nesses 96 anos de Oscar, foram poucas as vezes que pessoas racializadas (não-brancas) ganharam prêmios de destaque nas maiores categorias da premiação (Melhor Filme, Melhor Direção, Melhor Ator, Melhor Ator Coadjuvante, Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante). Em 1939, Hattie McDaniel se tornou a primeira mulher negra a ganhar o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante, fato que só se repetiu em 1990, quando Whoopi Goldberg levou a premiação pela atuação em “Ghost – Do Outro Lado da Vida”. A primeira e única vez que uma mulher negra venceu a categoria de Melhor Atriz foi em 2002, quando Halle Berry levou para casa a estatueta pela atuação em “A Última Ceia”.
O lado masculino da disputa demorou ainda mais para levar prêmios da Academia, Sidney Poitier foi o primeiro homem negro a ganhar o Oscar de Melhor Ator, em 1963. Dezenove anos depois, Louis Gosset Jr. foi o segundo homem negro a ganhar um prêmio de destaque no Oscar, quando interpretou o Sargento Emil Foley em “A Força do Destino” e levou para casa a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante; ou seja, apenas 53 anos após a criação do prêmio, um homem negro foi premiado na categoria.
Em 2020, a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas, que promove o Oscar, anunciou diretrizes a serem adotadas a partir daquele ano, e que serão obrigatórias a partir de 2024, para que os trabalhos elegíveis tenham maior inclusão e diversidade. Dentre elas, a obrigatoriedade de que pelo menos um dos protagonistas da obra seja de um grupo racial ou étnico sub-representado na mídia. A mudança é mais que necessária: em 2020, apenas uma pessoa negra foi indicada nas categorias de atuação: Cynthia Erivo, indicada para Melhor Atriz pelo papel em “Harriet – O Caminho para a Liberdade”. No mesmo ano, não houve nenhuma indicação para pessoas asiáticas nas categorias de atuação, mesmo com a vitória do longa sul-coreano “Parasita” em Melhor Filme.
Em 2023, já sob as novas diretrizes adotadas em 2020, o número de indicados nas categorias de atuação aumentou; neste ano, foram 6 pessoas não brancas. Este número também reflete o sucesso de “Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo”, que conta com metade das indicações de pessoas não brancas da edição. Duas pessoas negras foram indicadas nas categorias de atuação: Angela Bassett, por “Pantera Negra: Wakanda Para Sempre” e Bryan Tyree Henry, por “Passagem”. No entanto, 70% dos indicados nessas categorias são brancos, o que prova que a representatividade e inclusão ainda não são os pontos fortes do Oscar.
Para Rosa Miranda, educadora de arte com especialização em cinema e audiovisual, as novas diretrizes do Oscar podem trazer mudanças efetivas, caso sejam realizadas da forma correta: “Eu acho fundamental que essas regras estejam acontecendo. Demorou muito para eles perceberem que se precisava fazer dessa forma, já que contar com o bom senso das produtoras, dos estúdios, não adiantava.” comenta. Porém, também é importante sinalizar como a necessidade de regras para que haja maior diversidade é alarmante: “Se a gente precisa fazer regra para que não se exclua pessoas, é porque essa sociedade é excludente”, completa Rosa.
- Reflexos do Oscar no cinema brasileiro
No Brasil, a maioria das pessoas vão ao cinema assistir filmes estrangeiros. Segundo dados do Observatório Brasileiro de Cinema e do Audiovisual (OCA) da Ancine, 95,8% dos brasileiros que foram ao cinema em 2022 assistiram filmes estrangeiros; dos 95,1 milhões, apenas 4 milhões se dirigiram às salas com filmes nacionais. Ou seja, aumentar a diversidade nas produções estadunidenses impactam o público de todos os países que as consomem. Para Márcio Paixão, sociólogo e cineasta, “pensar em diversidade no Oscar é consequentemente oferecer ao público o direito de consumir histórias com potencialidades e protagonismos de outros, como por exemplo pessoas negras, amarelas, mulheres e LGBTQIA +” afirma.
Márcio ainda acredita que se essas práticas forem absorvidas e praticadas pelas grandes empresas do setor, elas podem ter reflexos e impactar o público. Porém, ele também entende que é necessário levar em contas as diversidades de cada sociedade: “Temos que pensar prioritariamente sobre quais são as nossas demandas, como sanar as desigualdades de gênero e raça no cinema brasileiro.” completa.
Reportagem: Anna Julia Paixão, Maria Eduarda Martinez e Pedro Mello
Supervisão: Maria Eduarda Martinez e Pedro Zandonadi