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Maternidade no cárcere: violação de direitos

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Entre as questões complexas que envolvem as mulheres encarceradas, a violação de direitos das gestantes chama a atenção por atingir mais da metade do público que vive nessa situação. Das 42 mil presas que fazem do Brasil o terceiro país com mais mulheres sob reclusão no mundo, 74% são mães e 56% têm dois ou mais filhos, segundo dados do Ministério da Justiça e Segurança Pública de 2018. As encarceradas se encontram em situação de vulnerabilidade, ao considerar que o sistema penal brasileiro não foi construído visando atender determinadas necessidades femininas.

Apesar do alto número de presidiárias, segundo os dados do Infopen –  sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro – 74% das unidades prisionais brasileiras têm o foco de atender o público masculino, e apenas 7% dos estabelecimentos penitenciários são destinados ao público feminino. A assistente social e ex-presidiária Camila Felizardo conta que além do preconceito maior que as mulheres encarceradas sofrem, as que são mães carregam a dor da distância familiar, que se destaca em suas histórias. São muitas vivências de abandono em relação aos filhos sem que elas possam ter controle, e se questionam sobre o futuro das crianças que acabam sendo vítimas desse sistema.

A fotógrafa e jornalista Nana Moraes mergulhou na rotina do presídio feminino Nelson Hungria, no Complexo de Gericinó, no Rio de Janeiro, e escreveu o livro chamado “Ausência”, pelo qual ela restabeleceu conexões entre mulheres encarceradas e seus familiares. A escritora relata que as carcerárias não são informadas sobre o paradeiro de seus parentes e como suas decisões em relação à família não são acatadas: “Uma das mães não tinha noção que seu filho tinha sido colocado para adoção. Quando ela descobriu, pareceu que o mundo dela caiu. Ela não tinha dado autorização, ela sequer tinha ciência do que estava acontecendo” – contou Nana.

Batia Jello, ex-presidiária e co-fundadora da ONG Por Nós, rede independente formada por mulheres egressas voltada para reinserção na sociedade, afirma que a realidade dos presídios masculinos e femininos são muito diferentes e que muitas vezes as mulheres acabam sendo abandonadas. “O sistema carcerário feminino vive abandonado. Você é jogada, é desprezada, então, a ansiedade de tudo isso é muito complicada. A realidade do sistema carcerário feminino é totalmente diferente da realidade masculina”. 

A problemática não se dá apenas pelo alto número de mulheres que vivem essa realidade, mas sim, pela crueldade que as envolve dentro desse sistema, muitas vezes ferindo o lugar maternal das presas. Maria, ex-presidiária com nome fictício, se sentiu violada enquanto mãe quando estava na prisão: “Eu perdi dois filhos enquanto eu estava presa e não tive nem como me despedir deles. Mataram meu filho mais velho, e a outra foi de hipotermia na rua. Na sociedade, até na hora da morte de sua família você é abandonado, eles não te dão nenhum apoio. Pelo menos para você dar um adeus”.

Nana se deparou com diversas histórias de injustiça ao entrar em contato com as presidiárias, como uma mulher que havia parido algemada: “Eu estava conversando com uma detenta e ela me falou que foi presa grávida de 7 meses e deu a luz a seu bebê algemada. Isso não é justificativa, isso é uma crueldade. Depois fui pesquisar e vi que é algo super comum, e tem uma lei que proíbe a atitude, quer dizer, para ter uma lei que proíbe, é porque foi feito muitas vezes.”

Segundo o artigo “Amamentação no cárcere por uma aproximação ao olhar jurídico” (Almeida, Willian Carvalho de, 2022), apenas 35% das grávidas privadas de liberdade realizam o pré-natal no Brasil. Dentro desse número, 66% delas o consideram inadequado ou parcialmente inadequado e, quando perguntadas sobre o trabalho de parto, 35,7% relataram que na ocasião foram utilizadas algemas, mesmo existindo o Projeto de Lei 3622/20 que proíbe o uso de algemas em mulheres grávidas durante as consultas preparatórias para o parto e o pós-parto.

A ex presidiária e co fundadora da Ong, Mary Jello, confirma a falta de recursos relacionados à saúde dentro dos presídios femininos: “É uma falta de respeito humano, porque independente de termos perdido, privado da liberdade, não justifica a forma que nos tratam, porque tá na lei, nós temos direitos. Você está na responsabilidade do estado, então eles têm que cuidar de você, é nosso direito. Infelizmente a nossa luta maior é em relação a isso, é sempre cobrar nossos direitos, na qual não é visto de jeito nenhum. É sistema feminino, tem a questão da saúde da mulher, a gente tá privado da liberdade, mas temos direitos do cuidado da mulher também, os exames necessários que a gente faça.” 

Com a criação da Lei nº 11.942/2009, que alterou a Lei de Execução Penal de 1984, foi garantido o direito à saúde e assistência médica por tempo integral das egressas, além de oferecer cuidados para os bebês após o nascimento. O cenário prisional nacional possui condições muito precárias, que agravam ainda mais a saúde dos encarcerados. Por causa desses problemas, as gestantes possuem uma necessidade maior de assistência médica e de um apoio psíquico, pois muitas se sentem angustiadas por ser um futuro incerto. 

 

Reportagem: Julia Bento, Júlia Vianna e Luciana Campos

Supervisão: Júlia Vianna e Lorenna Medeiros

Imagem/reprodução: Portal Bueno

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