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Come to Brazil: A sexualização das mulheres brasileiras pela mídia

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Entre os anos 1960 e 1980, as campanhas publicitárias da Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur), estampavam mulheres de biquíni e a frase “See You There Brazil” em capas de revista e folhetos oficiais. Nas bancas de jornal, os cartões-postais reduziam a cultura brasileira, sobretudo o cenário carioca, aos corpos femininos bronzeados a partir de fotos de mulheres na praia ou sambando seminuas no Carnaval. Anos depois, a influência da propaganda midiática é identificada na criação de um estereótipo acerca das mulheres brasileiras, que, vistas como sensuais, fáceis e disponíveis, tornam-se vítimas em uma relação conturbada com estrangeiros. 

Bruna Giacomeli Maia Santicioli, mestre em Língua Portuguesa pela PUC-SP e autora do livro “Mulher na publicidade: a linguagem dos anúncios”, reconhece o papel mercadológico da publicidade, mas destaca os impactos da sua função ideológica. Para Bruna, a publicidade almeja, em primeira instância, vender produtos ou serviços, mas, junto a isso, vendem-se ideias e transmitem-se informações, mesmo que de modo camuflado, indireto ou sutil. “Por meio das marcas não linguísticas, como as imagens e cores, associar o turismo ao corpo esbelto e bronzeado feminino é uma forma de apelo sexual que descaracteriza o que há no Brasil em termos de beleza natural, pontos turísticos, atrativos gastronômicos e culturais, reduzindo o país a mulheres bonitas e sexualmente ‘acessíveis’” afirma a autora. 

A construção de um estereótipo hipersexualizado pelas mídias tradicionais ao longo das décadas determinou, além de generalizações reducionistas e equivocadas acerca das mulheres brasileiras, o estabelecimento do Brasil como uma rota do turismo sexual. Nessa questão, a Copa do Mundo de 2014 foi a grande responsável por revelar a situação alarmante. Com o intuito de reunir dados sobre a exploração sexual no Brasil durante esse período, o site “O preço de uma Copa” concluiu que 6.4 milhões de pessoas visitaram o país em 2014. A cidade mais visitada foi o Rio de Janeiro e o perfil dos turistas era, quase em totalidade, homens entre 25 e 40 anos que fizeram a viagem em um grupo de amigos. 

No debate quanto à segurança das mulheres dentro do próprio país, a utilização de brasileiras como ‘cobaias’ para alunos de um curso de conquista organizado por ‘coaches’ estrangeiros em São Paulo, no final de fevereiro, levantou a discussão novamente e mobilizou ações de conscientização por parte do Ministério do Turismo. Nos anúncios da viagem do curso ao Brasil, lia-se “Venha explorar com David e Mike e conheça as mulheres brasileiras ao redor do mundo, que são conhecidas por serem divertidas, curvilíneas e apaixonadas”. 

No entanto, as consequências da hipersexualização ainda ultrapassam a fronteira do país. Mariana Braz, fundadora do projeto e da rede de apoio Brasileiras Não Se Calam, compartilha que recebe denúncias diárias de assédio sofrido por brasileiras imigrantes. Segundo ela, no primeiro ano do projeto, os relatos variavam entre Portugal, Espanha, Itália, França, Alemanha, Argentina, Estados Unidos e Canadá, porém, nos últimos dois anos, as denúncias vêm predominantemente de Portugal. 

Ao ser questionada sobre a maior incidência dos casos em Portugal, Mariana relembrou o impacto das “Mães de Bragança”. Em 2003, o movimento reuniu mulheres da cidade de 30 mil habitantes no norte de Portugal em um abaixo-assinado que exigia a expulsão das brasileiras que trabalhavam com prostituição em casas noturnas. Apesar de haver prostitutas de outras nacionalidades, a ira das bragantinas se direcionava unicamente às brasileiras, que eram acusadas de enfeitiçar e roubar os homens das mulheres portuguesas. “Elas vieram aliciar os nossos maridos com falinhas meigas, canas-de-açúcar e droga à mistura!” – declarava o manifesto das Mães de Bragança. 

A divulgação do movimento em peças midiáticas diversas, inclusive na revista norte-americana Time, contribuiu para a consolidação do estereótipo em Portugal. Entretanto, Mariana reconhece que este é construído desde a época colonial: Somos vistas como ‘mulheres exóticas’, ‘tropicais’, que ‘enfeitiçam’ os homens portugueses, como mais disponíveis sexualmente para o homem europeu e como se nossos corpos fossem mais públicos do que os corpos de mulheres de outras nacionalidades”. 

Para Bruna Santicioli, a desconstrução do entendimento do corpo feminino brasileiro como um ‘corpo público’ deve ser feita da mesma forma como foi sua construção: através da mídia. “Quando vemos, por exemplo, turismo associado ao corpo feminino, eletrodomésticos destinados exclusivamente às mulheres, bebidas alcóolicas ou automóveis, demonstrando liberdade, prazer e poder ao homem e sempre associados à figura feminina por perto, mantemos concepções arcaicas, machistas e que precisam, com urgência, serem rompidas também pelos anúncios e pela forma como são disseminados” – defende.

Reportagem: Maria Eduarda Reis

Supervisão: Júlia Vianna

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