Lava Jato: o desafio de manter o assunto no ar
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A Lava Jato completa 7 anos hoje, dia 17 de março. A primeira fase da operação, que ocorreu em 2014, contou com prisões temporárias e preventivas de 17 pessoas e apreensões de bens dos investigados, como dinheiro, carros de luxo e jóias. Desde o início até o anúncio oficial do encerramento da força tarefa, em fevereiro deste ano, foram 278 condenados e 4,3 bilhões de reais devolvidos aos cofres públicos, segundo o Ministério Público Federal do Paraná.
As investigações revelaram grandes esquemas de corrupção em contratos de empresas estatais, que resultaram na prisão de figuras importantes da política nacional, como os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Michel Temer. Mesmo com avanços no combate à corrupção, a operação contou com medidas até então inusitadas para a condução de processos penais no Judiciário brasileiro, como o grande número de prisões preventivas e temporárias, delações premiadas e a relação próxima com a mídia.
O historiador André Sampaio, mestre pela UFF, afirma que não há na história política do país um evento que se compare à Lava Jato em relação ao apelo midiático, às prisões deflagradas e às consequências políticas. Contudo, ressalta: “Obviamente, tudo isso pode ser discutido em termos de legalidade ou ilegalidade, formas de condução, mas não no quesito magnitude.”
A relação de Sérgio Moro, ex-juiz da 13ª Vara Federal de Curitiba, que atuou na maioria dos processos da operação com a mídia, foi um ponto muito levantado pelos opositores da Lava Jato. Antes de se tornar figura pública, em 2004, Moro havia exposto em um artigo acadêmico pontos importantes da operação italiana Mãos Limpas, que viriam a nortear sua atuação na Lava Jato. Entre elas: a ampla divulgação à imprensa de provas processuais para garantia de apoio da opinião pública.
A necessidade de ter uma maioria popular apoiando e legitimando o processo nada tem de genuíno e sincero, explica Gisele Ricobom, professora do curso de direito da UFRJ. Ela ainda completou: “A exposição teve dois objetivos principais: por um lado, legitimar as práticas abusivas de um direito penal do espetáculo que tem grande apelo popular; por outro, interferir no processo eleitoral brasileiro.” Além disso, afirma que houve uma tentativa de silenciar o ex-presidente Lula, principal concorrente do então candidato e atual presidente, Jair Bolsonaro, de quem Sergio Moro se tornaria Ministro da Justiça.
Para André Sampaio, a Lava Jato passou a representar, aos olhos da população, uma chance de renovação das práticas políticas, visto que o país se encontrava em uma onda de frustrações manifestadas pelos cidadãos . Sendo assim, os atores jurídicos passaram a ser enxergados como heróis, e a demanda pelo consumo de notícias relacionadas aos personagens envolvidos aumentou. “Desse modo, me parece natural que se tenha um volume maior de notícias sobre a operação, ainda mais dada a relevância positiva ou negativa para a política do país”, menciona o historiador. Ele ainda adiciona que nada disso dispensa as críticas que podem ser feitas à forma como certos veículos da mídia conduziram a cobertura.
Além da relação escusa com a mídia, um dos problemas do andamento da Lava-Jato foi a politização de seu processo, na opinião de Karla Gobo, Mestre em Ciência Política pela USP. Isso porque a operação levou em conta a máxima “maquiaveliana” de que os fins justificam os meios, algo que é comum dentro da política, mas um problema para a justiça, já que a constituição brasileira nos garante o devido processo legal. Sobre isso, ela completa: “Quem quer ser julgado por um juiz que conversa com o advogado de uma parte e não conversa com o advogado da outra? A natureza da justiça é atuar por meio do processo legal, se o processo está mostrando que o réu, por meio de provas e evidências claras, tem envolvimento em determinados crimes, o fim vai ser uma punição. Mas não se pode partir da premissa que eu quero punir e daí ajustar os meios.”
A declaração de incompetência do foro de Curitiba nos processos envolvendo o ex-presidente Lula pelo ministro do Supremo, Edson Fachin, e a iminente votação, ainda incerta, acerca da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro pela Segunda Turma da mesma corte podem também indicar essa politização. Conforme explica Gisele: “ A anulação só ocorreu por uma estratégia política que visou [mas não conseguiu] impedir o julgamento da suspeição do ex-juiz Sérgio Moro. A decisão tecnicamente é correta, mas os motivos não confessados da decisão revelam o lado sombrio da nossa corte constitucional.”
Reportagem: Felipe Rinaldi, João Pedro Abdo e Juliana Ribeiro
Texto: Amanda Domicioli, Felipe Rinaldi, João Pedro Abdo, Júlia Araujo e Juliana Ribeiro
Supervisão: Ana Júlia Oliveira e Carolina Mie