Crítica: Ainda Estou Aqui (2024)
Compartilhar
Foi lançado na última quinta-feira (7), o filme brasileiro mais aguardado do ano: Ainda Estou Aqui. Dirigido por Walter Salles e estrelado por Fernanda Torres, Selton Mello e Fernanda Montenegro, a obra trata da história de Eunice Paiva, esposa do então deputado federal, Rubens Paiva, desaparecido durante a ditadura militar (1964-1985).
A narrativa acompanha a família Paiva, transformada pelo desaparecimento de Rubens, que, na comemoração do seu aniversário de 41 anos, havia sido chamado para prestar um depoimento aos agentes do Destacamento de Operações de Informações (DOI-CODI), e nunca mais foi visto. Dividido em três partes, com a principal ambientada em 1971 – ano em que foi sequestrado – o filme leva o espectador ao drama de Eunice, que precisa se reerguer e lutar pelo reconhecimento da prisão e morte de seu marido pelo aparato repressivo do Estado brasileiro à época.
As cenas em que Eunice está presa chocam e revelam, sem filtros, os abusos sofridos por aqueles que se opunham ao regime militar. O contraste entre os momentos iniciais de alegria, quando a família está unida e cheia de expectativas para o futuro, e a transformação de Eunice em uma mãe destruída e perdida evidencia o impacto deixado naqueles que sobreviveram ao autoritarismo no Brasil. Sempre que Fernanda Torres aparece na tela, o espectador é fisgado por sua atuação, revelando de forma delicada o que se passava no âmago de Eunice e as difíceis decisões que ela precisou tomar para o bem de sua família.
Rumo ao final do filme, há um salto para 1996, mostrando os Paiva agora em São Paulo, com as crianças crescidas. Eunice, formada em direito aos 48 anos, atuava como defensora dos direitos indígenas. Ela finalmente recebe o certificado de óbito de Rubens e consegue, enfim, uma confirmação oficial sobre o destino de seu marido. O desfecho é uma melancólica cena com Fernanda Montenegro interpretando Eunice já em 2014, idosa e com Alzheimer, cercada por familiares. Sentada em frente à TV, ela vive um breve momento de lucidez ao ouvir, no jornal, sobre seu marido, que se tornou símbolo dos cruéis anos de ditadura e da luta pela democracia.
Os créditos servem para lembrar que aqueles que cometeram crimes contra a família Paiva nunca foram responsabilizados. Para aqueles que, assim como eu, não viveram diretamente a ditadura, o filme é um lembrete poderoso de que, apenas 50 anos atrás, o Brasil era um lar de opressão e tirania, desestruturando vidas e famílias comuns, mesmo que nem todos pudessem enxergar.
É um filme lindo, com bonita ambientação. As cores e o cenário do Rio de Janeiro, assim como a arquitetura da casa, tornam o início da história aconchegante e feliz, na mesma medida em que deixa o espectador inquieto. Afinal, sabe que algo ruim está para acontecer. O medo paira no ar, seja pelas imagens de militares passando pela praia, ou pelas notícias e conversas sobre o desaparecimento de presos políticos, o que gera clima de ansiedade e incerteza para o público, que fica à espera da próxima cena.
Apesar dos pontos de destaque, a crítica central fica a falta de mais momentos de tela para Fernanda Torres e de um monólogo apenas sobre os sentimentos da personagem. Todas as suas emoções são passadas sutilmente, apenas por olhares e pequenas falas, mas ela nunca chega a estrelar um momento só seu. É um filme muito bom, mas também seguro, não chega a experimentar com o novo. Se prende ao que dá certo, mas não inova. Ainda assim, é o melhor filme que o Brasil produziu nos últimos anos e possivelmente o melhor, ou um dos melhores, sobre a ditadura militar.
Crítica: Julia Novaes
Supervisão: Joana Braga e Vinicius Nunes