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Caso Ágatha Felix: absolvição de PM é novo exemplo de impunidade em caso de violência do Estado

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Nesta sexta-feira (8), o Policial Militar Rodrigo José de Matos Soares, acusado de disparar os tiros que mataram a menina Ágatha Félix, foi a júri popular cinco anos após o crime. Em 2019, o policial emitiu o disparo que matou a criança de oito anos, ao atingi-la nas costas. Ela estava com sua mãe e dentro de uma kombi no Morro da Fazendinha, parte do Complexo do Alemão, onde  morava. O julgamento, marcado para às 11 horas, começou por volta de 12h15 e durou mais de 12 horas, sendo finalizado na madrugada deste sábado (9). O PM foi absolvido pelo júri, que concluiu que “foi sem intenção de matar”. 

Segundo o réu, dois homens armados em uma motocicleta passaram atirando nele e em um colega da corporação. Ele reagiu ao ataque com tiros. No entanto, a partir do processo de investigação, a Polícia Civil afirmou que não houve nenhuma troca de tiros naquele momento, e que os homens que supostamente armados na verdade passavam com uma esquadria de alumínio. Um dos tiros disparados por Soares ricocheteou em um poste e atingiu a kombi, matando Ágatha.

Faixas de protesto são exibidas na frente da entrada principal do Fórum. Foto: Carolina Dofman

Faixas de protesto são exibidas na frente da entrada principal do Fórum. Foto: Carolina Dofman

Os policiais que estiveram com o cabo Soares no local alegaram que ele estava sob estado de tensão, após a morte de um outro policial militar que havia ocorrido ainda três dias antes, também no Complexo do Alemão. De acordo com estes depoimentos, seu estado psicológico teria levado a disparar contra os supostos bandidos.  Após o episódio, o cabo passou três meses afastado, em licença para tratamento psiquiátrico .

Em dezembro de 2019, o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (GAESP) do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro denunciou o policial por homicídio duplamente qualificado. Segundo o GAESP, Soares deixou de prestar socorro à menina que estava acompanhada da mãe, coagido os familiares, além de ter prestado falso testemunho na delegacia.

Ao retornar para o trabalho, em março de 2020, por decisão da juíza Viviane Ramos de Faria, da 1ª Vara Criminal, ele foi suspenso da função de Policial Militar. Nesta nova função, o policial esteve somente autorizado a realizar trabalhos internos, além de ter seu porte de arma cassado. A primeira audiência de instrução do caso estava marcada para novembro de 2020. No entanto, o processo foi interrompido com a chegada da pandemia do Covid 19, de modo que o primeiro depoimento do réu só ocorreu em 2022. 

Nesta sexta, o réu foi julgado pela primeira vez sob júri popular, de forma similar ao julgamento dos assassinatos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. O júri foi composto por 5 homens e 2 mulheres e iniciou com o depoimento de Vanessa Sales, mãe de Ágatha. Vanessa se emocionou ao descrever os últimos momentos que teve com a filha, “Ela adorava lanchar no Mc Donald’s. Mal saberíamos que aquele seria o último lanche. Tudo que eu fazia eu incluía a Ágatha, tudo era voltado para ela. Ágatha falava muito e hoje eu não a ouço mais”. 

A decisão por absolver o PM causou revolta e indignação dos familiares presentes. O advogado Rodrigo Mondego expressou seu descontentamento e afirmou que irá recorrer da decisão judicial. 

De acordo com dados do Instituto Fogo Cruzado, 95 menores de 12 anos de idade ou menos foram baleados na região metropolitana do Rio, e 28 morreram entre os anos de 2019 e 2024. Apesar dos números, a coordenadora de pesquisa do Instituto Fogo Cruzado, Terine Coelho, afirma que é difícil saber quantos crimes contra crianças ocorreram de fato nestes cinco anos. Ela ainda reafirma que uma investigação aprofundada deve ser feita para garantir a plena proteção de crianças e adolescentes que moram no grande Rio.

Faixas de protesto são exibidas na frente da entrada principal do Fórum. Foto: Carolina Dofman

Faixas de protesto são exibidas na frente da entrada principal do Fórum. Foto: Carolina Dofman

A coordenadora da ONG Justiça Global, pesquisadora e professora de comunicação social Gláucia Marinho explica que, no Rio de Janeiro, é exercido o conceito de necropolítica – termo cunhado pelo filósofo camaronês Achille Mbembe. A teoria consiste na “licença para matar” visando o estabelecimento da ordem de alguns Estados que fazem uso da força em suas políticas de segurança pública, e que contribuem para o extermínio de determinados grupos dentro do corpo social. Em suma, é o poder de ditar quem deve viver ou morrer.

“Isso é uma autorização de um agente do estado. Um policial militar achar que pode atirar com o seu fuzil em um final de semana, à noite, em um lugar cheio, significa que há essa naturalização e autorização. Se ele achasse que seria punido e responderia com seriedade a esse crime, ele não teria feito isso”, ela afirma.

Papel da mídia na visibilidade do caso 

Em entrevista para o Portal, Vanessa Sales, mãe de Ágatha Félix, afirma que a mídia sempre foi, e continua sendo um grande contribuinte para garantir a visibilidade de episódios como o de sua filha. Ela ainda complementa que sentia que o caso estava andando para trás com a demora para o julgamento:

“Enquanto não havia uma data estipulada, para nós  sempre era demorado. Conforme iam se passando os anos e nada da data do júri isso ia me angustiando. Mas ainda posso afirmar que estamos à frente de muitos processos que se encontram parados.” A manutenção da visibilidade do caso, no entanto, não influenciou na condenação do autor dos disparos.

Após a repercussão do caso da Ágatha, foi criada a lei 9.180/2021, que define que todos os crimes contra crianças e adolescentes no Estado do Rio de Janeiro serão prioridade nas investigações. A lei sancionada em janeiro de 2021. Dessa forma, todos os crimes que tenham resultado na morte de menores de idade devem ser identificados como prioridade durante suas investigações. 

Ainda ao prestar depoimento, Vanessa comenta que se sente diferente por ter perdido a filha, ela ressalta “Eu sou mãe, sempre serei mãe da Agatha, mas hoje eu não estou mãe”.

 

Reportagem: Davi Magalhães e Julia Novaes

Supervisao: Carolina Dorfman e Vinicius Nunes

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