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Novo Ensino Médio: o que é o modelo e quais críticas levaram à sua suspensão

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No início de abril, o Ministério da Educação anunciou a suspensão do Novo Ensino Médio, que começou a ser implementado em escolas de todo o país desde o ano passado. O modelo foi originalmente a Medida Provisória 746/2016, sendo convertida na lei 13.415/2017, durante o governo do presidente Michel Temer. A base da lei previa um aumento da carga horária dos estudantes, passando de 2.400 horas/aula em todo ensino médio para 3.0000 horas. Disciplinas individuais como Biologia, Filosofia e Língua Portuguesa, também passaram por mudanças e foram agrupadas como áreas do conhecimento.

Como no Enem, essas áreas foram divididas em quatro grupos: Linguagem e suas Tecnologias (Língua Portuguesa, Língua Inglesa, Artes e Educação Física), Matemática e suas Tecnologias (Matemática), Ciências Humanas e Sociais Aplicadas (Filosofia, Geografia, História e Sociologia) e Ciências da Natureza e suas Tecnologias (Biologia, Física e Química). Além disso, também foi criado um conjunto de disciplinas em que o aluno pode escolher um percurso curricular a partir das suas afinidades e da profissão que deseja seguir, chamado de itinerários formativos. Cada escola tem autonomia para decidir o que irá ofertar nesses itinerários. 

No entanto, todas essas mudanças vêm sofrendo fortes críticas da comunidade estudantil, iniciadas ainda em 2016. Naquela época, mais de mil escolas de 22 estados do país foram ocupadas por estudantes secundaristas. O movimento iniciou em São Paulo contra a reestruturação do sistema educacional estadual e um esquema de corrupção de superfaturamento na merenda escolar, conhecido como “Máfia das Merendas”. Conforme o clima de tensão política no país foi escalonando, culminando no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, as ocupações foram tomando mais força e chegaram ao ápice em outubro de 2016, um mês após Michel Temer assumir a presidência. Nesse momento, foi assinada a MPV 746/2016 sobre a Reforma do Ensino Médio. 

Uma das principais justificativas para a mudança de ensino foi a grande taxa de evasão escolar, que era de 5% na época em que foi assinada a MP. Na visão de pessoas envolvidas no modelo, o antigo ensino médio afugentava os estudantes, pois estava muito distante dos interesses acadêmicos e profissionais. A professora de Inglês da unidade de Niterói do Colégio Pedro II, Patrícia Martins, concorda que a evasão escolar é um problema e a necessidade de se fazer reforma, mas chama a atual proposta de “crueldade”.

“O que está causando a evasão? Não é só a matéria chata. Claro que tem matéria que é chata, professor que é chato, mas o cara precisa trabalhar. A reforma foi baseada em pressupostos, conceitos e princípios equivocados. Então, o ideal seria se pensar numa reforma, mas se esquecendo dessa. Não tem como melhorar (a atual reforma), senão vai ficar igual Frankenstein”, diz Patrícia. “A ideia de você fazer um itinerário e os projetos que estão sendo vendidos, é como para botar na cabeça do estudante que ele tem que ser empreendedor dele mesmo. Isso cai como uma luva para o mercado de trabalho que quer cabeças não-pensantes e mão-de-obra barata” – complementa a professora.

Como informa Patrícia, o Pedro II não adotou o Novo Ensino Médio. Mesmo sendo uma lei, o colégio seguiu com o modelo tradicional devido à posição contrária da comunidade escolar em relação à mudança. Cláudia Almada também já lecionou na escola, em que hoje estuda sua filha. Ela afirma que acompanha a apreensão de outros pais dos quais os filhos estudam em instituições que adotaram o modelo, e vê com bons olhos a decisão do colégio da filha. Ela diz: “A maior parte da preocupação das pessoas recai sobre essa responsabilidade que elas veem num jovem de quatorze, quinze anos, de ter que decidir sobre o itinerário informativo para seguir”. 

Patrícia faz coro e diz que o itinerário formativo limita o futuro profissional do estudante: “Se você oferecer Matemática e Português por três anos, botar um semestre com Educação Física ou Artes, e apenas oferecer o itinerário formativo profissionalizante, por exemplo, de eletrônica para o cara ser eletricista, está de acordo com a lei. Se o aluno quiser fazer depois medicina, qualquer coisa, ele não vai poder porque a escola dele de um determinado município, de uma determinada ideologia mais enviesada, não ofereceu essas outras disciplinas”.

A filha de Karina Nascimento começou o ensino médio no colégio Miraflores e hoje estuda no PH, os dois em Niterói. A mãe afirma que o Novo Ensino Médio significa um grande retrocesso. “A proposta tem por objetivo limitar o currículo do Ensino Médio, minimizando o contato do estudante com disciplinas fundamentais para sua formação crítica e política como cidadão. Além disso, o Novo Ensino Médio acirrou as diferenças entre a educação pública e privada. Enquanto, na esfera privada, os estudantes optam por aulas de cinema, na pública, os estudantes não encontram opção diante da precarização de suas escola” – diz Karina.

A decisão da suspensão do Novo Ensino Médio será mantida até que a consulta pública iniciada em março seja encerrada, e então, até que seja publicado um veredito do Ministério da Educação em relação ao futuro da medida. Esse cenário não altera o panorama das escolas que já seguem o novo itinerário, apenas torna facultativa a decisão dos colégios que ainda não o implementaram. Além disso, o ENEM de 2024 continuará seguindo o modelo atual, o que gerou uma discussão em torno do fato de que os alunos que ingressaram no Ensino Médio em 2022 não estudaram com base no molde habitual do exame. De tal forma, os colégios terão que se desdobrar para complementar o que ainda não foi lecionado, para que os alunos tenham o repertório necessário para realizar o vestibular. 

Enquanto isso pode não ser um empecilho para as escolas privadas, as instituições públicas, que de modo geral possuem menos infraestrutura, terão maiores dificuldades. Segundo dados de pesquisa divulgada pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic), em 2021, 93% das escolas públicas sofreram com falta de tecnologia na pandemia. Já uma outra pesquisa divulgada pelo Instituto Todos Pela Educação, mostra que 46% dos alunos da rede de ensino pública no Brasil sofrem por conta da falta de professores.

Reportagem: Bernardo Erthal e Pedro Zandonadi

Supervisão: Júlia Vianna

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