Reforma do Ensino Médio: por quem e para quem
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A Reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017 pelo ex-presidente Michel Temer (Lei nº 13.415/2017), começará a ser implantada a partir de 2022 nas escolas de todo o país. Dentre algumas mudanças previstas, destacam-se a possibilidade de escolher parte da grade curricular individualmente, além do aumento das horas anuais obrigatórias. Esta medida dividiu opiniões entre os profissionais da área, de estudantes e de empresas, alterando os moldes de ensino e parte de uma lógica empresarial para a educação.
A reforma altera, adiciona ou substitui artigos da lei de diretrizes em pontos cruciais, que impactam na agenda política educacional de todo o país. A LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional) direciona todas as políticas voltadas para a educação. Criada em 1996, ela serviu para o conjunto educacional da legislação brasileira e abriu espaço para consolidar medidas que expandiram o acesso e melhoraram o financiamento do ensino no Brasil. Além disso, ampliou os direitos educacionais, a autonomia de ação das redes públicas, das escolas e dos professores, e deixou mais clara as atribuições do trabalho docente.
Nesse sentido, o “inédito” formato se baseia na BNCC (Base Nacional comum curricular), que apresenta um novo currículo para as escolas, de modo que todas as instituições educacionais devem oferecer as temáticas presentes na base. Uma das grandes críticas à reforma é a uniformização da matriz curricular, antes com autonomia de desenvolver as matérias baseadas nas necessidades de cada região. Outro ponto importante que a reforma muda na LDB é a eliminação das disciplinas formais e a implementação de áreas de conhecimento. Essa alteração abre diversas brechas a respeito das novas visões para o ensino público no país e de que formas elas serão implementadas nas escolas.
Diante deste cenário, o mercado de trabalho para jovens pode vir a ter mudanças, algumas delas destacadas pelo doutor em educação pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Roberto Marques. “Agora, é possível dizer que essa Reforma prepara o estudante para o desemprego e a precarização do trabalho”, afirmou. Além disso, ele demonstra preocupação com relação a qualidade de ensino na rede pública, que poderá se tornar ainda mais limitada com a retirada de disciplinas básicas.
Edgar Ramos, mestre em geografia humana pela Universidade de Coimbra, em Portugal, complementa sobre o assunto: “o problema maior dessa relação dos estudantes com o mercado de trabalho é a falsa sensação de que um novo sistema vai ajudá-lo a escalar posições sociais, quando, na verdade, atribuirá mais desafios porque ele não vai ter conhecimento suficiente em outras áreas”.
A principal propaganda abordada pelo Governo federal sobre o novo ensino médio fala a respeito da possibilidade de escolha da área de conhecimento por parte do aluno. Entretanto, com base na própria BNCC, todas as mudanças estão submetidas às possibilidades dos sistemas de ensino, o que significa que se tornarão obrigatórias, mesmo não existindo expectativa de uma política de auxílio de verba para que as escolas consigam implementar as novas normas.
Os especialistas no tema debatem que a reforma pode criar uma desigualdade ainda maior entre as instituições de ensino, visto que as com menos recursos serão obrigadas a oferecer apenas as áreas de linguagem e matemática e não todas as disciplinas, como previa a LDB. O assunto traz o questionamento de como ficariam os alunos mais vulneráveis no novo sistema. O Doutor em educação pela UFF Roberto Marques comenta: “A história dos itinerários formativos, a organização por “áreas de conhecimento”, a centralidade em habilidades e competências e a desresponsabilização dos estados pela oferta de currículos completos cria um limitaçao de formação para os jovens”.
A participação do setor empresarial na formulação da nova reforma do ensino médio, através de políticas neoliberais na educação, institui a lógica de mercado na grade escolar, valorizando assim atributos chamados hoje de “Soft Skills”: empreendedorismo, liderança, comunicação, entre outros. Edgar Ramos explica porque essa mudança pode não ser positiva: “eu vejo com péssimos olhos trabalhar na escola de uma forma voltada para a lógica empresarial de gestão, e não da lógica do processo do ensino-aprendizagem e tudo que a gente conhece por educação”.
Joyce Ajuz, Consultora de RH na empresa Planning RH, explica que outras características passaram a ser importantes na hora da contratação, “o que diferencia as pessoas é a sua capacidade de aprendizagem constante e adaptação. Além disso, é necessário ter equilíbrio emocional diante do contexto que vivemos hoje, em conjunto com empatia e bom relacionamento interpessoal”, diz. Sendo assim, o mercado passa a valorizar mais as competências consideradas “Soft Skills” quando as empresas mudam o modelo de gestão de pessoas para um que enaltece atitudes, além de apenas o currículo. O que dialoga diretamente com a proposta da reforma e a BNCC, voltada para uma pedagogia de habilidades e competências.
Reportagem: Fabiano Cruz | Felipe Rinaldi | Gabriel Mota | Guilherme Dias | Henrique Fontes | Isys Bueno | João Pedro Abdo | Lucas Moll | Thais Soares |
Supervisão: Brenda Barros | Felipe Roza | Juliana Ribeiro