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SD9: “Queria que as pessoas vissem que em Bonsucesso também tem arte”

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SD9: "Queria que as pessoas vissem que em Bonsucesso também tem arte"

“Quando tem notícia sobre o meu bairro, é só assalto, operação, assassinato, covardia… Queria que as pessoas vissem que em Bonsucesso também tem arte, que também tem gente fazendo coisas boas ali”. Em 2020, com seu álbum “40°.40”, SD9 marcou não só a cena do Grime brasileiro, como a underground como um todo, e mostrou que no seu bairro também tinha arte. Com uma abordagem que divide o Rio de Janeiro em dois polos, a criminalidade e a beleza, vividas simultaneamente por SD, o disco rendeu ao músico uma crítica com nota 7.8 no portal estadunidense Pitchfork, duas indicações – Artista Revelação e Melhor Disco – ao Prêmio Genius Brasil de Música 2020 e o primeiro lugar na lista dos melhores discos brasileiros de 2020 do Música Instantânea. O artista também se apresentou na 13° temporada do programa Experimente, disponível no Globoplay.

Após o sucesso com “40°.40”, SD9 lançou a versão Deluxe do disco, que conta com algumas faixas remixadas e músicas inéditas. Atualmente, as obras do artista possuem mais de 3 milhões de visualizações no Youtube, o que contribuiu para que ele se tornasse um dos principais nomes do Grime brasileiro.

O Grime é uma vertente nascida da música eletrônica Londrina, que mescla dubstep, garage, jungle, ragga, entre outros. No Brasil, o gênero conquistou o seu espaço em 2019, devido ao Brasil Grime Show, programa que soma quase 12 milhões de visualizações no Youtube. Caracterizado por batidas metálicas graves e aceleradas, o Grime tem costume de ser mesclado com funk, devido aos fatores comuns na energia dos estilos musicais. 

Lançada em 2018, “BadBoy”, é o primeiro “grimefunk” do SD9. Na faixa, já é possível ver alguns traços da dualidade que, mais tarde, formaria a identidade de 40°.40, como nos versos:

Pela janela a audição é “plá, plá, plá”

Logo agora que eu ia gozar

Bota a roupa rápido enquanto o AK canta

É real tudo que o SD canta

Nascido em Vaz Lobo, Zona Norte do Rio de Janeiro, Max Campany se mudou para Bonsucesso aos 10 anos, e é de lá que se considera cria. “Até os meus 10 anos eu não vivi, quando me perguntam eu falo “Sou cria de Bonsucesso”, porque foi aqui que eu vivi de verdade”. Para ele, a vivência em meio à criminalidade foi o que contribuiu para que se tornasse o SD9, e afirma que sua mente e seu coração foram contaminados pela rua.

O nome artístico “SD” vem de soldado: “sempre acreditei que todo mundo é um soldado, todo mundo tá batalhando pela sua vida de alguma forma”. O “9” vem do craque Ronaldo Fenômeno. Duas vezes melhor do mundo, o jogador, que tem o mesmo nome do pai de SD9, representa um símbolo de superação para o artista, que muitas vezes até se denomina como “SD, o Fenômeno”. “SD9” também é a alcunha de uma pistola produzida pela Smith & Wesson. “Faz ali uma metáfora com a pistola, eu ser MC e estar cuspindo sempre umas barras, que às vezes valem um tiro.”

SD9: "Queria que as pessoas conhecessem Bonsucesso."

SD9 em foto feita por: @mariapaulafreire

SD9 tem uma forte participação na construção da relevância do Brasil Grime Show (BGS). Os episódios do programa são gravados no estúdio Casa do Meio, e contam com a presença de um DJ e dois MCs. Cada vídeo possui uma duração média de 25 minutos, e neles os MCs cantam seus versos em cima de beats de Grime. SD9 se apresentou no primeiro episódio do BGS, e já soma cerca de 10 participações no programa.

Em novembro de 2018, o então desconhecido MC carioca começou a ter o seu reconhecimento na cena underground. O primeiro a se apresentar no episódio, SD9 logo se tornou referência. É o que diz Rennan Guerra, criador do Brasil Grime Show e amigo do cantor: “Quando você tem um programa, você tem que ter uma garantia de entrega, e o SD virou o nosso trunfo. Toda vez que precisamos dar um tiro certo, ele é um dos primeiros nomes a ser pensado. Essa relação criou um vínculo de confiança”. 

Para SD9, o Brasil Grime Show foi um pé na porta de entrada do gênero. O músico demonstra um sentimento de dever cumprido por ter deixado um legado no que amava. “Quase 5 anos depois do primeiro episódio, você ver o que que você colheu do Grime… Ninguém tá rico, ninguém tá milionário, porque o gênero é underground. Mas, por mais que seja difícil, é maneiro ver o reconhecimento tanto nacional quanto internacional”.

SD9: "Queria que as pessoas vissem que em Bonsucesso também tem arte"

SD9 se apresentando em evento. Foto feita por: @shourico

SD9 começou a rabiscar seus primeiros versos em 2010, quando o Rio de Janeiro governado por Sérgio Cabral passou a tomar ações mais drásticas em combate ao tráfico, com a construção das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) em inúmers favelas do estado. Nove anos depois, eles viriam a ser utilizados em seu primeiro EP: “AMPM”, que possui três músicas, e foi onde o artista firmou sua identidade musical variando entre suas vivências, criminalidade e putaria. O EP também foi onde surgiu a expressão “40°.40”, que viria a ser o nome dos seus dois futuros álbuns. 

Ao som da guitarra de José Roberto em Lotus 72D, SD9 desfere seus primeiros versos, que introduzem o álbum que mudaria a sua vida. “Amarelo do sol, azul do mar, cinza asfalto quente, vermelho do sangue…” Jukebox, primeira faixa do “40°.40”, introduz com um ritmo tranquilo um disco que logo na segunda música já mostra a sua identidade.

SD9: "Queria que as pessoas vissem que em Bonsucesso também tem arte"

Capa do álbum “40°.40”

A faixa “40°.40 Pt.1” conta com quase 2 milhões de reproduções no Spotify, e é a mais famosa de SD9. Durante os três minutos e dezesseis segundos, o ouvinte é atingido por letras que destacam a linha tênue entre a criminalidade e a beleza do Rio de Janeiro, como nos versos: “papo de opera(ção) rolando no Jaca, e eu pensando mais tarde é baile que hoje é cachorrada”. Por conta do peso dos temas abordados, o artista destaca um esforço para não causar sustos com seu disco. “Eu não podia vir igual um Racionais com “Sobrevivendo no inferno”, ou tipo Facção Central. Eu tinha que impactar sem assustar, para as pessoas terem vontade de me ouvir”.

VND, músico e amigo de SD, que teve participação na “40°.40 Pt.1”, relembra os momentos de produção da música, e ressalta o seu reconhecimento no Grime nacional. “A gente matou a faixa, quando o SD me mandou o resultado final eu falei “c****** irmão, isso aí vai bater muito”. Eu tenho um carinho gigantesco por aquela música. É um clássico do Grime brasileiro, uma das melhores músicas do gênero que já ouvi”. Recentemente, VND chegou a marca de 10 milhões de reproduções no Spotify com seu álbum “Eu Também Sou um Anjo”.

SD9: "Queria que as pessoas vissem que em Bonsucesso também tem arte"

VND e SD9, respectivamente, em foto feita por: @wanscheeffer

“40°.40 Pt.1”, carrega a sample do beat de “Vida Loka Pt.2”, dos Racionais. A relação entre os versos de SD9 e do grupo paulista se mantém por toda a música. SD9 conta que teve acesso ao beat por acaso. “Eu precisava achar um beat f*** pra 40°.40, que seria a carro-chefe do disco. Aí o VHOOR postou uma prévia desse beat no Twitter, e eu rimei os versos que eu tinha em cima dele”.

Quantos não passou dos 16
Lembrei do Sassá mais uma vez
Oh, lili pros amigo do 33
E pros mano que se foi, Deus tenha a todos vocês
40 graus, ponto 40
Olha o AR Baby, olha a marquinha da morena
40 graus, ponto 40
Sol quente, sangue frio, goiabada pra sustentar

SD9 em “40°.40 Pt.1”

Durante o processo de gravação do disco, SD dormiu em um colchonete dentro do estúdio Casa do Meio por duas semanas, que foi o tempo em que o artista gravou os seus versos. O encarregado de todo o processo de captação do cantor foi Rennan Guerra, que desde o primeiro episódio do BGS, já acreditava no trabalho de SD9. “Quando você encontra um cara esforçado, comprometido, responsável com o trabalho, você acredita no trabalho dele. Eu sempre acreditei porque no nosso primeiro contato eu já vi o resultado do trabalho do SD”.

SD9: "Queria que as pessoas vissem que em Bonsucesso também tem arte"

SD9 e Rennan Guerra, respectivamente

Para a produção do seu primeiro disco, SD9 se inspirou em dois renomados álbuns de rap: “Ready To Die” de Notorious Big, e “Good Kid M.A.A.D City”, de Kendrick Lamar. De acordo com o músico, essas duas obras abordam a vivência nos seus respectivos bairros e ele fez o mesmo, com objetivo de mostrar Bonsucesso para o público. O cantor afirma que o “40°.40” foi um divisor de águas na sua vida.

Um ano e cinco meses depois, SD9 lança o “40°.40 Deluxe”, com sete faixas inéditas e cinco remixadas. Já para a gravação desse disco, foi alugada uma mansão em Santa Teresa – RJ, onde o músico e sua equipe trabalharam durante uma semana. SD afirma que o principal motivo desse segundo lançamento foi por conta da suavizada no seu primeiro álbum, que fez com que ele deixasse de lançar alguns versos. Ele sentia não ter terminado o seu disco, e desejava abordar temas mais explícitos no Deluxe. SD9 destaca as músicas “Hediondo” e “Traficante“, onde exerce essa liberdade de escrita.

Para a faixa “40°.40 Pt 2“, SD9 manteve o mesmo estilo que compõe a parte um, só que com uma diferença: dessa vez o feat foi com o renomado MC Smith. Relíquia do funk proibidão do Rio de Janeiro, o cantor ficou conhecido por produções como “Vida Bandida” e “Família PH”, além de ter feito parte do Furacão 2000. SD9 sempre admirou Smith como artista, e além do feat, eles também participaram de um episódio do Brasil Grime Show, que conta com aproximadamente 300 mil visualizações.

O segundo disco de SD9 tem beats feitos a partir de samples conhecidos, como é o caso de “Kenner” e “40°.40 Pt. 2”. A obra de onde foi tirada a batida da primeira música é “Árvore Seca”, clássica dos bailes de comunidade do Rio de Janeiro, que possui sample original de “Latest Trick”, da banda britânica Dire Straits. Korsain, beatmaker do disco, afirma que a estratégia foi deixar o som original rolar um pouco, antes de entrar com o próprio beat, para prender o ouvinte. “Na hora que toca o som, você não consegue reconhecer a sample, por isso, nós deixamos a música rolar no começo pra dar esse impacto, que resgata a memória de lá de trás e faz você continuar no som esperando algo.” Korsain também afirmou que “Kenner” é uma das suas faixas favoritas do álbum.

Além disso, “40°.40 Pt 2” possui a sample de “Vida Loka Pt.1”, e dessa vez, SD9 decidiu seguir o mesmo caminho da primeira faixa por conta do seu sucesso. A produção do beat foi passada para Korsain, que afirma ter sido um processo trabalhoso. “A parte um ficou f***, era pra ser dali pra cima. Caçamos elemento por elemento, para achar as caixas certas demorou, pra achar o timbre certo demorou. Eu picotei, mudei alguns andamentos, fiz alguns reverses, mas sempre com a ideia de manter o sample original. Diferente da Kenner, na 40°.40 Pt.2 nós não podíamos mudar tanto o drop, justamente por essa questão da sample clássica”.

SD9: "Queria que as pessoas vissem que em Bonsucesso também tem arte"

Korsain em foto feita por: @wanscheeffer

Ela me disse que quer conforto
Vida tranquila, vida de rica
Comprar uns ouro
Como que eu vou proporcionar isso?
Se tá faltando, até o pão com ovo
Dói na alma, não tem incentivo

SD9 em “40°.40 Pt.2”

Em 2023, o músico participou de seis singles: “Casa Assombrada – BADZILLA Remix”, com a banda Fresno, “She Wanna”, “Oakley Music”, “Maggie & Wray”, “Volvo Sem Placa” e “Terrorista”. O artista afirma vir totalmente repaginado nos seus futuros lançamentos, mas sem perder a conhecida essência do SD9, e anuncia o lançamento da “Pervertida” para esse ano. 

“Eu não só enxergo meus álbuns como influentes no cenário, eu acredito que eu tenha total responsabilidade das pessoas darem continuidade ao grime, e principalmente à mistura do grime com funk. Sou um dos principais responsáveis pelo que o gênero é no Brasil. Se eu morresse hoje, deixaria um legado. Acho que muitos iriam se inspirar, e isso é maneiro”.

Reportagem: Gabriel Rechenioti

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