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Universitários brasileiros em Portugal: imigrantes enfrentam dificuldades para se inserir na sociedade e mercado de trabalho do país

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Os brasileiros lideram a lista de estrangeiros matriculados nas faculdades de Portugal. A Direção-Geral de Estatísticas da Educação e Ciência (DGEEC) destaca que, entre os quase 70 mil universitários imigrantes que o país recebeu em 2022 e 2023, 18.859 vêm do Brasil. Em busca de melhores oportunidades de estudo e trabalho, os estudantes são bem recebidos pela faculdade, mas sofrem com a xenofobia e o racismo presente na sociedade e no mercado de trabalho português. 

Em 2014, com a aprovação da  Lei nº 23/2007, o governo português facilitou a entrada de estudantes estrangeiros no país. Junto ao regulamento, as instituições passaram a aceitar candidaturas com a nota do ENEM, e o número de universitários brasileiros em Portugal alavancou. Dados da DGEEC mostram que em 2016-2017 quase 5 mil brasileiros estavam matriculados nas universidades do país, 13 mil a menos do que o número divulgado neste ano.   

Rafaela Barbosa (32) é advogada especialista em imigração de brasileiros para Portugal e tem seu escritório em Lisboa desde 2018. Ela explica que existem oito opções de visto de residência para imigrantes em Portugal, e atribui a facilidade do processo imigratório como um dos principais motivos para o aumento no número de brasileiros no país. 

O visto português é necessário para quem ainda não tem nacionalidade europeia. No caso de estudantes, estagiários e voluntários, o documento na modalidade D4 pode chegar ao valor de R$662,39. Para as pessoas que irão permanecer no país para estudar pelo período de um ano ou mais, é aplicado o pedido de visto de residência. A partir do quinto ano no país, a Lei da Nacionalidade garante a cidadania portuguesa para esses estrangeiros.

Barbosa destaca a necessidade de estudar o país antes de decidir imigrar, e explica que a falta de planejamento pode causar uma impressão distorcida da realidade. “Portugal não é um país que você vai fazer dinheiro fácil. Quem vem pra cá precisa estar bem estruturado, tanto no financeiro quanto no emocional. Tendo noção do que o país oferece e do que vai fazer profissionalmente, a pessoa não passa por surpresas.”

Amanda Lopes, Andreia Bragança, Davi Gomes, Guilherme Bernardes e Igor Marinho foram para Portugal pelo mesmo motivo: estudar e trabalhar. Marinho, que cursou dois semestres de Jornalismo na Universidade de Coimbra, destaca um interesse dos portugueses pelos brasileiros. 

– Os portugueses foram receptivos comigo. Genuinamente interessados em saber de onde eu vinha, o que eu fazia, como era a vida no Brasil. Não me trataram como se eu fosse um animal exótico – afirmou o estudante.

Bragança, formada em sociologia pela Universidade de Coimbra, conta que também foi bem recebida em Portugal, mas não achou a população acessível. “Eles ficam mais fechados na bolha deles, e os estrangeiros também ficam mais entre si”. 

Ao contrário do Brasil, onde as instituições federais e estaduais são gratuitas, todos os universitários pagam uma mensalidade em Portugal. O blog Intercâmbio & Viagem mostra que, para os estrangeiros, a quantia varia de 250 a 700 por mês, chegando a quase R$4.000,00 na cotação de outubro de 2023.   Por isso, são os alunos de classes sociais mais altas no Brasil que apresentam condições de se manter no país. 

Guilherme Bernardes, que concluiu o mestrado em Direito e Ciência Jurídica em Outubro de 2018 na Universidade de Lisboa, conta que percebeu uma elitização e preconceito no seu processo de mudança.

“Eu fui bem recebido”, afirmou o advogado. “Mas sou homem, branco e de classe média no Brasil. Não sou preto, não sou pardo e não sou de classe baixa. A adaptação lá é bem diferente no outro sentido. Presenciei amigas sendo assediadas, xingadas e humilhadas. Era questão de estarmos no metrô e vir uma portuguesa falando ‘brasileiras são todas putas, não têm respeito’, e era só para as meninas.”

Uma brasileira especialista fiscal e mestre em Direito Público, que preferiu não se identificar, chegou em Portugal em 2017 e não foi bem recebida no país. Para ela, os estudantes portugueses não faziam questão de se enturmar com os estudantes estrangeiros. 

– Os funcionários da faculdade não foram rudes, mas também não eram solícitos considerando que sabiam que não éramos locais. É um conservadorismo que me lembra o Brasil na década de 90.  Vi casos de agressões a mulheres na rua, em briga de casal, e ouvi dizer que isso é normal – declarou.

A especialista fiscal comenta que muitos homens em Portugal acham que as mulheres brasileiras se relacionam com o objetivo de garantir sua cidadania, e explica que os nativos parecem viver de glórias passadas – Grandes navegações e descobrimentos. “Alguns não entendiam o porquê das críticas à colonização e questionavam a falta de monumentos no Brasil enaltecendo os grandes portugueses da época”.

Amanda Lopes (23), engenheira civil formada pela Universidade de Coimbra, também destaca o atraso da sociedade portuguesa. “Antes de ir para Portugal, pensei que, por ser um país de primeiro mundo, não presenciaria casos de racismo, xenofobia, machismo… Quando cheguei, parecia que tinha voltado algumas décadas no tempo.” 

A engenheira conta que, mesmo em sala de aula, a xenofobia era frequente. “Ouvi de um professor que, no Brasil, se coloca flúor na água, porque nós, supostamente, não escovamos o dente”. Lopes continua: “em uma aula sobre dimensionamento de lajes, o professor e alguns alunos debatiam sobre mão de obra, e afirmaram que no Brasil ‘ninguém gosta de trabalhar’.”

No período em que passou em Portugal, Guilherme Bernardes contou com o apoio da estrutura que atendia os estudantes e os arredores da faculdade. “Todos os serviços eram muito baratos. Tinham várias linhas de ônibus e metrô, que te permitem chegar cedo e sair tarde. Lá tinha academia, piscina, campo de futebol e ginásio”. O brasileiro ainda explica que as refeições no restaurante universitário custavam €1, equivalente a R$5,34, e que a biblioteca da universidade funcionava vinte e quatro horas por dia. 

No Brasil, é comum o universitário conciliar as aulas com o seu estágio, enquanto em Portugal, a faculdade destina o último ano para que os alunos apenas trabalhem. Nessa primeira experiência, chamada de “estágio curricular”, a instituição oferece o aluno às empresas “parceiras”, e eles não são remunerados pelos seus serviços. Após a formação, por meio de aplicação para processos seletivos, assim como funciona no Brasil, os recém graduados podem exercer o “estágio profissional”.

Para Andreia Bragança, que se formou no país e trabalha com recrutamento em uma empresa britânica, esse sistema consolida a elitização presente nas universidades portuguesas. “Como a grande maioria desses estágios não são remunerados, quem precisa de dinheiro para se sustentar é prejudicado. Nem todo mundo tem condições de ficar lá por vários anos sem salário. Eu só fiz um mês de estágio, porque precisei entrar para o mercado de trabalho.”

A especialista fiscal que optou por não se identificar expõe que já foi excluída de um processo seletivo de uma empresa renomada de recrutamento porque a preferência era para nativos, por mais que ela fosse qualificada para a vaga. “Também já ouvi que oferecem salários mais baixos para brasileiros”. Ela comenta que, nesses cenários, muitos colegas forçavam sotaque para serem aceitos socialmente. 

Trabalhar em restaurantes, hotéis e alojamentos locais são as opções mais fáceis para atuar diretamente no mercado de trabalho quando não se tem formação de ensino superior. Pesquisa realizada pelo Conselho Mundial de Viagens e Turismo mostra que o setor representa mais de 60% do PIB de Portugal, e, só no ano passado, gerou 921 mil empregos no país. 

O estudante de design Davi Gomes chegou em Portugal numa sexta-feira à noite, e logo no dia seguinte pela manhã, ele e sua mãe conseguiram um emprego no restaurante Casa Herédio, no município de Amarantes. Quando Gomes está em período de recesso do Politécnico de Coimbra, ele trabalha no local. “Prefiro trabalhar em Portugal, mesmo que não seja com design. Gosto muito da minha vida aqui, tenho mais segurança e poder de compra. Pra mim não valeria a pena voltar para o Brasil”, concluiu o estudante.

O desemprego e o custo elevado de vida são alguns dos motivos que levam muitos imigrantes a voltar para sua terra natal. Mas não é só pela situação irregular que os brasileiros decidem deixar a Europa: junto da falta de afinidade com os costumes portugueses, a saudade do Brasil também aperta o coração dos estudantes.  

– Ir para Portugal me fez perceber que sou latino, me deu esse choque. Me lembrou aquela frase do Saramago ‘é preciso sair da ilha para enxergar a ilha’. Eu precisei sair do Brasil para ver como eu gostava do Brasil – ressalta Guilherme Bernardes.

Igor Marinho foi para Portugal com o espírito jovem de quem quer conquistar o mundo, e passou por um período de revelações pessoais. Ele aprendeu a valorizar as experiências típicas brasileiras, o calor e a sensação de estar em casa. “Não penso nem um pouco em vivenciar outro inverno europeu. Estar em Portugal me ensinou a amar o Brasil”.

Na tentativa de reduzir a fuga de mão de obra jovem, o governo português tenta reduzir o número de universitários que deixam o país. Dentre as medidas previstas para o Orçamento de 2024, o governo reembolsará as mensalidades anuais para as universidades por cada ano de trabalho em Portugal. O valor para brasileiros com cidadania é de aproximadamente R$3,7 mil (€700) e pode chegar a valores mais elevados para cursos de seis anos.

Reportagem: Clara Glitz e Gabriel Rechenioti

Supervisão: Pedro Zandonadi

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