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Novo uniforme do Vasco relembra luta antirracista no futebol brasileiro

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O Club de Regatas Vasco da Gama estreou a terceira camisa da temporada contra o Fluminense no último sábado na vitória por 4 a 2 diante do tricolor carioca. Sem a faixa diagonal e com uma cruz vermelha no lado esquerdo,  o uniforme preto de gola branca homenageia o time histórico dos Camisas Negras, responsável pelo primeiro título estadual do clube cruzmaltino em 1923. A campanha do elenco pioneiro não apenas ficou marcada por levar o Vasco a conquistar um espaço importante no cenário do futebol nacional, mas também se tornou um símbolo para a inclusão de atletas negros.

Na época, o futebol era um esporte reservado para a elite, e grandes clubes do Rio de Janeiro, como América, Botafogo, Flamengo e Fluminense, utilizavam exclusivamente jogadores brancos. Situado no bairro de São Cristóvão, o Vasco decidiu recrutar atletas negros, pardos e pobres, que tiveram de ser registrados como empregados dos comerciantes portugueses para burlar as exigências da liga. Os jogadores, em apenas seis anos, levaram o cruzmaltino à primeira divisão do campeonato estadual.

A chegada na primeira divisão do futebol carioca foi logo marcada pelo título da competição. Com 11 vitórias, 2 empates e apenas uma derrota, o Vasco conquistou o estadual pela primeira vez. Segundo Wesley Curty, torcedor e influenciador vascaíno, o sucesso do time com origem popular contagiou a população e levou o goleiro Nelson a se tornar o primeiro goleiro negro da Seleção Brasileira. “O povo abraça o Vasco e se sente representado, os comerciantes portugueses, pobres, negros e analfabetos’’, diz o torcedor amante da história do clube.

Os Camisa Negras – em pé: Nicolino, Mingote, Nelson, Leitão, Artur, Claudionor. Agachados: Paschoal, Torterolli, Arlindo, Cecy e Negrito. Foto: Arquivo CRVG

 

A conquista do campeonato por um time composto de populares motivou os outros grandes clubes a saírem da Liga Metropolitana e criarem a Associação Metropolitana de Esportes Atléticos (AMEA). Botafogo, Flamengo e Fluminense, com o apoio do Bangu e do São Cristóvão, estipularam um regulamento que proibia a inscrição de jogadores sem profissão definida e analfabetos. Outra proibição era a entrada de clubes que não tivessem um estádio próprio na liga, uma medida diretamente prejudicial ao Vasco.

Quando o cruzmaltino tentou dar entrada na nova liga, exigiram ao Vasco que doze de seus jogadores fossem excluídos, todos negros e operários. A alegação era de que os atletas possuíam uma profissão duvidosa, uma justificativa para tentar acobertar o racismo evidente. O clube, então, redigiu uma carta se negando a retirar os atletas mencionados e desistindo da participação na AMEA. O episódio pôs em risco a existência do Vasco, por não ter uma liga para jogar. Desde então, o posicionamento tomado pelo clube cruzmaltino é lembrado com orgulho pelos seus torcedores como a “Resposta Histórica”.

Wesley defende que o acontecimento é sempre recordado por meio de uma música feita em homenagem ao time histórico, bordada, inclusive, na nova camiseta. “O principal título que o Vasco tem não é um título de metal e medalha, mas é a resposta histórica que acontece em consequência dos Camisas Negras, então é um legado que se arrasta até os dias atuais” , afirma o influenciador. 

Apesar do grande destaque pelo título inédito, o time dos Camisas Negras não foi o primeiro a contar com atletas negros no elenco. O Bangu, clube fundado por operários do subúrbio carioca, foi um dos principais pioneiros na luta pela igualdade racial. Há relatos históricos que apontam Francisco Carregal como o primeiro jogador negro a entrar em campo durante uma vitória contra o Fluminense em 1905. 

Além do Bangu, a Ponte Preta luta pelo reconhecimento do atleta negro Miguel do Carmo, que também estava presente na fundação. Israel Moreira, jornalista e criador da página ‘Histórias da Ponte’, reforça o reconhecimento da luta antirracista do Vasco e do Bangu pela torcida pontepretana, mas relembra o destaque do clube no combate ao preconceito racial. “A torcida tem orgulho da origem popular do seu clube e sua formação de trabalhadores, presentes na última cidade a abolir o processo escravagista no Brasil, oficialmente”, afirma o torcedor.

A campanha eternizada dos Camisas Negras traz impactos até hoje no cenário do futebol brasileiro, que atualmente, é protagonizado por diversos jogadores negros. Léo Pelé, um dos jogadores do elenco atual do Vasco, exaltou a importância da celebração do centenário do time em entrevista à VascoTV : “O ato que o Vasco fez abriu as portas para mim hoje. Se o Vasco não toma aquela atitude no passado, talvez não estivesse no Vasco ou em qualquer outro lugar”. 

Léo Pelé vestindo a nova camisa em homenagem aos Camisas Negras – Foto: Leandro Amorim/Vasco

 

Reportagem: Davi Rosenail e Júlia Portes

Supervisão: Julia Bento e Júlia Vianna

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