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Jornada de trabalho de 4 dias: conheça o modelo testado em diversas empresas

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Já pensou em trabalhar apenas 4 dias na semana? Em alguns lugares do mundo, a jornada de trabalho reduzida já é uma realidade. A experiência, que vem sendo feita em países como Islândia, Inglaterra, Bélgica e Japão, revelou inúmeras vantagens para empresas e colaboradores. Entre elas, estão o aumento da eficiência nas atividades e a redução dos índices de stress. Agora, esse fenômeno está chegando ao Brasil. 

O conceito de “jornada de trabalho de 4 dias”, chamado também de tropicalização do trabalho por pesquisadores, começou a ganhar mais força no contexto pós-pandemia, onde pautas como saúde mental e Síndrome do Burnout (stress causado por trabalho excessivo) passaram a ter mais atenção de empresas dos mais variados segmentos.

Alguns testes conduzidos pela Câmara Municipal de Reykjavik, na Islândia, constataram que o sistema de jornada reduzida foi responsável por reduzir o estresse dos trabalhadores.Já na Nova Zelândia, a companhia Perpetual Guardian, de Auckland, registrou o aumento dos níveis de satisfação e felicidade com o trabalho, ao realizar testes sob o modelo. 

Além disso, outras pesquisas indicam que a redução de um dia na semana de trabalho também contribui para diminuir despesas operacionais (maquinário, computadores, luz, água, tudo funciona por menos tempo). Outra vantagem proporcionada pela mudança é a redução do impacto ambiental corporativo. Um teste realizado no Japão mostrou que as empresas que funcionam um dia a menos, reduzem em até 20% as emissões totais de carbono. 

O novo formato tem como principal objetivo promover um equilíbrio maior entre a vida pessoal e profissional dos trabalhadores, mas, ao julgar pelos resultados das experiências ao redor do mundo, ele oferece muito mais do que isso. Os defensores e adeptos da jornada de 4 dias tentam desmistificar um pensamento extremamente enraizado pelo capitalismo: “Quanto mais horas trabalhadas, maior é a produtividade e melhores são os resultados.” Experiências ao redor do mundo mostram que isso não é verdade. 

Um caso que ilustra bem isso, é o da Microsoft Japão. Ao experimentar o modelo de jornada reduzida com seus colaboradores, a companhia registrou aumento de 40% do índice de produtividade, assim como uma redução do índice de faltas. Já no Reino Unido, onde um grupo de empresas participou de um teste de 6 meses com o formato, a receita das organizações participantes cresceu cerca de 35% em comparação com o mesmo período de anos anteriores. 

Essas experiências estão sendo feitas em dezenas de países graças ao trabalho de uma organização que está se destacando ao redor do mundo por promover e executar a ideia da jornada reduzida. A 4DayWeek Global é uma comunidade que tem como objetivo, planejar e auxiliar a implementação de testes da jornada de 4 dias nas empresas com as quais ela trabalha em parceria. 

As atividades da entidade buscam incentivar organizações, funcionários, pesquisadores e governos a desempenharem papéis na criação e instauração do modelo de semana reduzida, que segundo a sua filosofia, melhora a produtividade dos negócios e a saúde dos trabalhadores, fortalecendo famílias e comunidades

Gabriela Brasil, Head of Community da 4DayWeek Global no Brasil, explicou que para atrair empresas parceiras, a organização realiza sessões gratuitas onde divulga o seu método “100-80-100™. 100% de salário, 80% de tempo com 100% de produtividade”. 

Além disso, no site da companhia é possível conferir os resultados de todas as experiências já realizadas pela 4Day Week ao redor do mundo. “Todos podem ter acesso aos resultados da semana de 4 dias, o que por si só atrai muitas empresas participantes”. Nos últimos anos, foram organizados pilotos no Reino Unido, Irlanda, Estados Unidos, Austrália, Nova Zelândia, entre outros países.

Os “pilotos”, como são chamados os períodos de testes sob o modelo de 4 dias, são experiências organizadas pela 4Day Week Global junto às empresas, nas quais elas adotam temporariamente o formato, com a preparação, cuidado e acompanhamento fornecidos pela organização. 

De acordo com Gabriela, os pilotos seguem uma lógica de etapas cuidadosamente planejadas pelas quais as companhias participantes precisam passar. Entre elas, estão pesquisas, workshops, orientações de planejamento e desenvolvimento de políticas de produtividade. “Nossa abordagem começa com um planejamento de três meses, durante os quais orientamos as empresas por meio de mudanças em sua comunicação, estrutura da semana de trabalho, gestão do tempo e acompanhamento de métricas” – explica. 

Depois do período de planejamento (chamado de pré-piloto), o processo continua com masterclasses e acompanhamentos em grupo para identificar as necessidades específicas e os desafios enfrentados pelas empresas. “Com base nessa compreensão, fornecemos orientações e recursos personalizados para auxiliar na implementação da semana de trabalho de quatro dias de forma eficaz”, afirmou a líder da organização no Brasil. 

Ao longo de toda a experiência, a 4Day Week Global acompanha o progresso das participantes e ao final dos meses de teste, são avaliados os resultados. O processo de apuração das métricas envolve três estudos realizados por parceiros da organização na Boston College, renomada universidade dos Estados Unidos.

O nível de detalhamento dos resultados é bastante alto. Eles costumam ser divulgados em extensos relatórios, que são disponibilizados para todo o público. A mais recente pesquisa, (publicada esse mês) feita com o piloto da Austrália e Nova Zelândia indicou, por exemplo, que 54% dos colaboradores participantes relataram uma melhora nas suas habilidades de trabalho, 11% disseram que nenhuma quantia de dinheiro os faria voltar para a jornada de 5 dias e homens com relacionamentos heterossexuais aumentaram em 27% sua participação nas tarefas de casa. A frequência de exercícios físicos entre os participantes, também aumentou em 36%. 

Conforme explicou Gabriela, para avaliar o impacto dos pilotos nas empresas, são recolhidos dados antes, durante e depois dos testes. “Os resultados são utilizados para avaliar a continuidade do modelo na empresa. Com base na experiência, as companhias podem fazer ajustes e correções, para que a semana de 4 dias seja implementada da forma mais adequada e traga os benefícios desejados”.

A grande maioria das organizações que participam dos testes costuma manter o modelo. No piloto realizado no Reino Unido entre junho e dezembro do ano passado, por exemplo, 92% das empresas participantes optou por manter a semana de trabalho mais curta de forma permanente. 

Depois do sucesso incontestável obtido em experiências feitas em diversos países, a iniciativa vai chegar ao Brasil. Há algumas semanas atrás, foi divulgado que a 4Day Week Global já está planejando o piloto que vai acontecer por aqui. 

No dia 10 de maio, a organização iniciou a captação de empresas interessadas em saber mais sobre o projeto. Entre junho e julho, estão previstas as sessões de informação, onde serão apresentados os detalhes do piloto, como ele funciona e os valores de investimento. Enquanto as sessões estiverem ocorrendo, as inscrições para participar da experiência estarão abertas. A previsão é que a partir de agosto, o projeto entre na fase de preparação pré-piloto. Com isso, os testes com as empresas participantes devem começar apenas em novembro. 

Para a experiência no Brasil, a 4Day Week Global estabeleceu uma parceria com outra organização, a Reconnect – Happiness at Work, empresa especialista em liderança positiva e felicidade corporativa. Ela atua com projetos de consultoria, construção de planos de felicidade e treinamentos para líderes e colaboradores sobre felicidade corporativa.

A fundadora e diretora do Reconnect, Renata Rivetti, afirmou que os pilotos globais comprovaram que um dia extra de descanso traz resultados positivos não apenas para a produtividade, mas para a qualidade de vida dos trabalhadores. Para ela, esse assunto precisa ser levado à sério por todas as empresas. “O mundo mudou muito nos últimos anos e com as novas gerações entrando no mercado de trabalho, o tema da felicidade corporativa torna-se essencial para qualquer organização. Não é apenas relevante, e sim, necessário, manter a saúde mental e bem-estar dos colaboradores. 

De acordo com Rivetti, a felicidade corporativa acontece quando estamos em um ambiente com segurança psicológica, fazendo um trabalho que traz significado, realização e desenvolvimento pessoal, além de relações positivas, senso de pertencimento, equidade e “work-life balance” (equilíbrio vida-trabalho). Para ela, a jornada de 4 dias pode ter relação direta com o aumento dos índices de felicidade corporativa, o que é benéfico para todos os colaboradores, e principalmente, para a sociedade. 

Renata, que também atua como palestrante e TEDX Speaker, acredita que um dos principais obstáculos para a implementação do modelo no Brasil é a forte crença que existe no país de que produtividade = horas trabalhadas. “Precisamos, antes de tudo, desmistificar o tema. Já há muitas empresas interessadas, mas teremos desafios pela frente para que possamos de fato implantar mudanças a longo prazo”.

Já existem no Brasil, organizações que funcionam com jornada de 4 dias. A Vockan Consulting, empresa paulista que oferece serviços de ERP (Gestão empresarial integrada), é uma das pioneiras na adoção do modelo no Brasil. Ela vai, inclusive, participar do piloto da 4Day Week Global no Brasil, como consultora da iniciativa. 

Fabrício Oliveira, CEO da companhia, contou que a Vockan tem apenas oito meses de existência e explicou que a ideia de adotar a semana de 4 dias partiu dele próprio. “Em novembro, eu estava lendo e acompanhando algumas tendências da Europa e acabei estudando um pouco sobre o modelo de 4 dias, e pensei: Por que não trazer isso para o Brasil? Por que não implementar na Vockan?”

O executivo revelou que no início, seu time de gestão não gostou nem um pouco da ideia. “Todos duvidaram do modelo. O setor de operações questionava: não entregam em 5 dias, vão entregar em 4? Já o time financeiro, reclamou: vai pagar 5 dias e receber 4 em troca?” 

A solução encontrada por Fabrício foi a realização de um piloto. Ele conseguiu convencer os demais executivos a fazer um teste, onde os resultados seriam aferidos e avaliados durante o processo.

Fabrício contou que o período de experiência (iniciado em novembro) foi feito primeiro com apenas um setor da empresa. A área escolhida para o piloto foi a de Suporte (atendimento ao cliente) e, de acordo com o executivo, os índices de produtividade subiram logo nas primeiras semanas de teste. “Começamos a fazer aferições e percebemos que em vez de cair ou se manter, a produtividade aumentou”.

Em seguida, indicadores como felicidade, gestão do tempo e satisfação geral também começaram a melhorar gradualmente. “Começamos a ver os resultados na prática. Aqueles que tinham certa restrição, acabaram vendo de outra forma”, afirmou Oliveira. 

Com o sucesso do piloto, a Vockan começou a expandir o modelo para outras áreas da empresa. Em março, o uso do formato foi oficializado e a ideia é, aos poucos, implementar a jornada de 4 dias em todos os setores da organização. Segundo Fabrício, o objetivo é que todas as áreas estejam rodando nesse modelo até o final do ano. 

Ele também explicou que a adoção do sistema deve ser realizada de acordo com as particularidades e modo de funcionamento de cada área. “Esse não é um modelo que você entra de uma vez. Você tem que avaliar o segmento, o negócio que você trabalha, como a área se comporta. É essencial entender como a área trabalha e se possível, entender o dia a dia das entregas”.

O desempenho do formato é medido através de pesquisas com os colaboradores. Os funcionários da Vockan são submetidos com frequência a pesquisas individuais e avaliações de satisfação. Além disso, o sistema também recebe um feedback constante de outros stakeholders como clientes, lideranças e membros da gestão. 

Outro fenômeno interessante produzido pelo experimento é a retenção de talentos. Fabrício garantiu que, se fosse feita uma pesquisa com todos os seus funcionários, ninguém iria querer sair da empresa. “Quem está dentro quer ficar e quem está fora quer entrar. As pessoas estão bem motivadas. Esse foi um dos meus objetivos ao criar isso, potencializar o melhor dessas pessoas” Ele explicou também que, devido ao sucesso do modelo, cresceu o número de pessoas que desejam trabalhar na Vockan. “O meu banco de currículos está bombando.”

Todo o processo pelo qual a Vockan passou, foi acompanhado, é claro, pela 4Day Week Global. Esse pioneirismo no país levou a empresa a se tornar referência no modelo, sendo convidada para atuar como conselheira do piloto brasileiro. “Tivemos o cuidado de nos filiarmos a uma entidade mundial, que vai iniciar agora o processo no segundo semestre no Brasil. De cara, nossos indicadores e a nossa metodologia já bateram com as deles”, contou o empresário. Com isso, a empresa foi chamada para participar dos pilotos que vão acontecer tanto no Brasil quanto em Portugal. 

O CEO revelou que um dos motivos pelos quais a empresa se filiou ao 4Day Week Global foi o desejo de dar continuidade ao seu processo de transformação, que pode ser potencializado pela comunidade. “São vários países e várias empresas trocando experiências. Isso ajuda a manter o programa vivo e atualizado”.

Para Fabrício, o modelo da semana de 4 dias veio para ficar, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido até que a prática se torne comum ao redor do mundo. “Isso é uma tendência, não tem como frear esse processo. Assim como passamos por uma revolução com o fordismo, agora estamos entrando em um outro modelo, uma outra época, uma outra geração. Tanto empresários quanto colaboradores precisam mudar o seu olhar e a sua cabeça em relação à jornada de 4 dias” – afirma.

Reportagem: Leo Garfinkel

Supervisão: Júlia Vianna

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