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Infância roubada: A violenta realidade das crianças no Brasil

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Emily, Rebeca, Henry, Heloísa e Gael. Esta poderia ser a lista de chamada de uma escola, mas é a lista de algumas das crianças que foram mortas no Brasil, vítimas de violência, entre os anos de 2020 e 2021. Os mais de 6.000 nomes, que representam os mortos no ano de 2020 (Anuário Brasileiro de segurança Pública) não cabem nesta página, mas deixam claro que o país vive um grave problema e trazem à tona o seguinte questionamento: No Brasil governado por Jair Messias Bolsonaro, quem assegura às crianças o Direito à vida?

Em evento que ocorreu em Belo Horizonte, no dia 30 de setembro, ao sentar-se ao lado de um menino que vestia o uniforme da polícia militar e segurava um fuzil de brinquedo, Bolsonaro (sem partido) tirou a “arma” da mão da criança e levantou para posar para a imprensa. Em seguida, a criança fez um gesto semelhante ao do presidente, enquanto participantes dentro e fora do evento bradavam em uníssono: “O povo armado jamais será escravo”. Jair, por sua vez, direcionou-se ao microfone e disse: “Eu estou com quase 70 anos. Quando eu era moleque, eu brincava com isso: arma, flecha, estilingue. Assim foi criada a minha geração e crescemos homens, fortes, sadios e respeitadores.” 

Essa não é a primeira vez que, em eventos públicos, o presidente faz abordagens deste tipo com crianças, a fim de reforçar para os eleitores sua ideologia militarista e pró-armamento. Em 2018, durante a campanha eleitoral, Jair pegou no colo uma criança, que também vestia uniforme da polícia militar, e disse: “Você sabe atirar? Sabe dar tiro? Policial tem que saber atirar.” Em seguida, posicionou os dedos do menino para que parecessem uma arma.

No mesmo país em que o chefe de governo tira fotos com crianças fazendo sinal de arma ou com fuzil de mentira na mão, meninos e meninas de diversas regiões têm suas vidas arrancadas por fuzis de verdade. É o que revela o levantamento do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, realizado a pedido da Folha de S. Paulo. De acordo com o relatório, entre os anos de 2017 e 2019,  cerca de 2.215 crianças e adolescentes foram mortos no país em decorrência de intervenção policial, com uma média de duas crianças e adolescentes assassinados por dia.  

O relatório anual do FBSP mostrou que, em 2020, o Brasil atingiu o maior índice de mortes em decorrência de intervenções policiais (MDIP), desde 2013. Com cerca de 6.416 mortes no ano e uma média de 17,6 mortes por dia, a situação se revela ainda mais complexa quando outros indicadores do levantamento são analisados, como a faixa etária e cor da pele das vítimas. De acordo com o FBSP 2020, 76% dos mortos em intervenção policial possuíam idade de 0 a 29 anos. Além disso, o relatório também mostra que 78,9% dos assassinados eram pessoas pretas e a taxa de letalidade por raça/cor foi cerca de três vezes maior para negros em relação aos brancos. 

A escritora Thainá Briggs explica como o racismo traz a violência para a infância da criança preta. Ela coordenou e escreveu para o projeto do livro “Mãe pretas – Maternidade solo e dororidade”. O livro apresenta a narrativa de 37 mulheres negras que compartilham as dores e as vivências relativas a ser uma mãe preta no Brasil. “É uma eminência de morte muito próxima da gente. Quando a gente vê que o nosso filho preto está crescendo, existe um medo que é: será que meu filho vai voltar? Será que eu vou estar com o meu filho vivo do meu lado todos os dias?”, afirma Thainá.

Thainá, que é mãe de Davi, relata que a primeira experiência de racismo vivida pelo filho ocorreu quando ele tinha 3 anos. Ela conta como essas violências trazem impactos para a vida das crianças: “Meu filho teve um princípio de depressão no ano passado e pediu para fazer terapia quando ele começou a perceber os casos de racismo à volta dele.” Hoje, com Davi com 10 anos, Thainá explica como situações cotidianas podem se tornar grandes preocupações para as mães de crianças negras: “Tem algo que eu já falo com ele: Você não vai poder ficar de casaco com capuz no vento, as mãos não podem ficar no bolso. Isso porque ele precisa estar vivo. A minha grande garantia é ter o meu filho vivo”, finaliza a escritora.

Além das violências que retiram das crianças o direito à vida, operam também no Brasil as violências simbólicas: Aquelas que retiram das crianças o direito de sonhar com uma realidade distinta. Uma estudante de direito e moradora do Borel, conta como as crianças desistem da escola por verem no tráfico um retorno financeiro mais rápido do que teriam estudando. “Aqui eu vejo muito que na cabeça dos meninos não vale a pena”, explica a estudante. Ela relata como a pandemia afetou as escolas públicas e que seus sobrinhos, mesmo sem aulas durante todo o ano, foram aprovados para o ano letivo seguinte. 

A estudante expõe como os Centros Integrados de Educação Pública, popularmente apelidados de Brizolões, têm aprovado os jovens mesmo que eles não saibam ler ou escrever. Ela reitera que além dos sistemas de aprovação que não avaliam, de fato, o desempenho do aluno, as condições para o aprendizado também são precárias: “Quando tem tiroteio, os meninos não conseguem chegar na escola e quando vão, muitas vezes os professores não comparecem ou não tem paciência para ensinar, porque eles não tem base”, finaliza. 

Um levantamento da Secretaria Municipal de Ação Social de Franca (SP) mostra que,  em  2021, 34% das crianças e dos adolescentes nas ruas foram associados ao tráfico de drogas. A moradora do Borel conta que também percebe essas mudanças nas favelas do Rio: “As coisas mudaram. Antigamente o tráfico só tinha adultos e ninguém chamava as crianças para participarem disso, mas hoje em dia isso é diferente”. Ela acrescenta que há uns anos era possível ouvir os meninos e meninas correndo e gritando nas escolas, entretanto, isso não é mais possível. “Agora, os que não estão estudando, buscam trabalho como jovem aprendiz, vendedor, não fazem nada ou estão no tráfico”, finaliza. 

Seja pela violência de caráter físico ou pela violência de caráter psicológico, os danos à saúde mental das crianças são perceptíveis. É o que afirma a psicóloga Beatriz Dias: “Todas as ações causam impactos na vida das crianças e, sendo uma atitude negativa, os traumas têm grande chance de existirem.” Ela reitera que a violência ocasionada na infância pode gerar danos que tendem a aparecer ao longo da vida e que indivíduos que sofreram violência têm maiores chances de desenvolverem doenças ou sintomas relacionados à ansiedade, depressão, transtorno de estresse pós-traumático e baixa autoestima. 

A psicóloga ainda explica que a criança violentada precisa ser acolhida por profissionais da área da saúde mental, a fim de que assim, ela tenha a chance de amenizar os danos emocionais ocasionados pela violência e possa ter um curso de vida mais saudável. Beatriz reitera que  é dever do Estado garantir a proteção e a integridade das crianças. “Para que isso seja feito, é necessário que exista um serviço de rede que possa atender a grande demanda existente. É preciso também que haja investimento em mão de obra qualificada e  inserção de profissionais nessa rede.”

Em caso de suspeitas de violências, existem canais de denúncia que devem ser acionados para que a segurança das crianças seja garantida. São eles:

  • Conselho Tutelar – Para casos de violência física ou sexual, inclusive as cometidas em ambiente doméstico. 
  • Disque 100 – Vítimas ou testemunhas de violações de direitos de crianças e adolescentes, como violência física ou sexual, podem denunciar anonimamente pelo Disque 100. 
  • Polícias –  Caso presencie algum ato de violência, acione a Polícia Militar por meio do número 190. Também é possível acionar as Delegacias especializadas no Atendimento à Mulher e as de Proteção à Criança e ao Adolescente da sua cidade. 
  • Safernet Brasil – A rede recebe denúncias de cyberbullying e crimes realizados em ambiente online. Para denunciar, acesse https://new.safernet.org.br/ 

Reportagem: Isabela Garz e Beatriz Chagas

Supervisão: Juliana Ribeiro

Créditos: foto Bruna Prado / Reprodução: Agência AP

 

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