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Liderança feminina: as mulheres como treinadoras no Brasil

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A escritora Simone de Beauvoir (1908-1986) defendia que é somente pelo trabalho que a mulher diminui a distância que a separa do homem. Contudo, ainda hoje, a distância entre os gêneros no campo profissional continua sendo alimentada. Encontrar uma mulher treinando equipes pode gerar desconfiança e estranhamento, que se somam à falta de investimento ao esporte amador e ao feminino, e afastam as mulheres das beiras de campos e quadras. No entanto, é possível encontrar as que nadam contra a corrente e exercem suas funções com maestria, guiadas pelo amor ao esporte, como afirma Cléo Pedroza, treinadora de basquete sub 13 do Jequiá/Abig: “Eu fiz e faço basquete por amor”.

Interessar-se pelo esporte e admirá-lo desde a infância é uma das razões que leva muitas mulheres a investir numa carreira de treinadora, como foi o caso da recém-graduada em educação física e professora de futebol Fernanda Gargiolli, de 23 anos. “Cresci acompanhando o Flamengo, não perdia um jogo. Tive vontade de estudar Educação Física por conta do futebol e hoje não me vejo fazendo outra coisa que não seja trabalhar com isso”, afirma. Já outras criam um vínculo ainda mais pessoal, que é o de atleta, caso de Cléo, ex-jogadora de handebol que se tornou treinadora e hoje é uma das únicas técnicas de basquete do Rio de Janeiro. “Eu era jogadora de handebol e acabei me apaixonando pelo basquete quando fiz a pós-graduação neste esporte. Depois da pós e de montar uma equipe para jogos intercolegiais em uma escola, o basquete virou a minha paixão”, diz.

Cléo Pedroza com seus atletas da equipe Jequiá/Abig Basquete, do Rio de Janeiro. (Foto: acervo pessoal)

Além da intimidade com a profissão de atleta, Cléo também teve uma mulher no ramo para se inspirar: era grande fã do trabalho de Maria Helena Cardoso, ex-técnica da seleção brasileira de basquete feminino. Ter uma profissional nessa área presente na mídia também é um grande incentivo. No entanto, nas ligas e campeonatos brasileiros são os homens que deliberam e conduzem as equipes e os rumos do esporte, tanto no feminino quanto no masculino. Nos grandes clubes brasileiros de futebol, não há mulheres à beira do campo. Já nos times que competem no Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino, em 2017, apenas três contam com mulheres no comando técnico – Grêmio, Ferroviária e Ponte Preta. Atualmente, na Liga de Basquete Feminina (LBF Caixa), não há mulher no mesmo cargo, assim como na Superliga de Vôlei. A seleção feminina de vôlei, inclusive, nunca esteve sob o treinamento de uma mulher. Esta problemática situação acaba por limitar o crescimento e a valorização da mulher no esporte, como defende Cléo. “É um meio muito difícil. Precisamos resgatar o esporte feminino, assim damos espaço para que mulheres entrem nesse meio dirigido ainda por muitos técnicos homens”, explica.

Chegar ao cargo de treinador no Brasil ainda depende de muito conhecimento autodidata. Embora existam bons cursos, não há ainda um “caminho único”. Entre cursos, carreira esportiva, graduações de educação física e a paixão pelo esporte, Caroline Goulart, de 33 anos, foi em busca do seu objetivo de viver do Jiu Jitsu dando aula em sua cidade local e acompanhando seminários com o seu mestre, até receber o convite de comandar uma academia nos Estados Unidos. Lá, ela ficou durante três anos dando aulas para crianças e mulheres, de cinco anos em diante. Atualmente, de volta ao Brasil, Caroline está apenas treinando e dando aulas particulares, mas visa a ter a sua academia. “Fiquei de 2012 a 2016 focada treinando e lecionando para conseguir a faixa preta. Agora que consegui, tenho que batalhar para ter o meu espaço”.

Carolina Goulart (faixa preta) com a também atleta e aluna Mariana Azeredo. (Foto: acervo pessoal)

Mesmo seguindo todas as etapas, conquistar o cargo de treinadora em um clube é uma tarefa árdua. O mito que a mulher é o “sexo frágil” ainda paira diversos ambientes e as colocam em teste. As professoras americanas Alice H. Eagly e Linda L. Carli defendem em seu artigo que a mulher enfrenta em seu campo profissional um labirinto. A metáfora exemplifica que um labirinto não é algo simples, mas que exige esforço, tal qual os caminhos para uma mulher que visa a um grande cargo: cheios de voltas, desvios e obstáculos. No universo do esporte, esse labirinto parece ainda maior com o machismo que afasta ainda mais as mulheres que procuram comandar equipes ou fazer parte do campo administrativo. A professora Fernanda Gargiolli conta que não tem dificuldades com os alunos, mas já vivenciou certa discriminação com os pais. “Geralmente quando a criança apresenta algum tipo de indisciplina, eu aplico uma correção. Quando acontece, o pai costuma não gostar e fazer uma reclamação, sendo que isso nunca aconteceu com os professores. Apenas comigo e mais de uma vez”, relata.

Por maior que seja a desconfiança, o nível de trabalho não difere entre os gêneros. As mulheres que chegam ao alto comando de equipes não se amedrontam, trabalhando diariamente para alcançar seus objetivos e de seus alunos. O treinador (e a treinadora) orienta durante as competições, estimula o desempenho, planeja as atividades com o objetivo de atingir um alto rendimento. E é o que buscam com maestria essas mulheres. “Eu me cobro muito. Dava aula de 6h às 9h, depois de 19h30 às 22h. Faço questão de fazer todas as minhas aulas, pois quero ser um exemplo para minhas turmas”, afirma Caroline.

Na construção de uma sociedade patriarcal, o posto de liderança é reservado aos homens, mas o trabalho das mulheres pode agradar ainda mais. Um estudo feito na Alemanha e noticiado pela Gazeta do Povo explica que jogadoras de futebol de países como Alemanha, Suécia, Noruega e Estados Unidos ganham em relação aos treinadores homens na capacidade de empatia, comunicação e cooperação, características essenciais para liderar uma equipe.

Maria Helena Cardoso (à direita), técnica da seleção brasileira feminina, conversa com uma de suas jogadoras antes de uma partida em 1986. (Foto: Gazeta Press)

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