A trajetória do Lança-perfume no Brasil: consumo, controle e cuidados
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No mês de setembro, a lei n° 2779, que dispõe sobre o controle da comercialização de benzina, éter, tiner e acetona para menores de 18 anos, completou 27 anos em vigor. Instituída em 1997, a legislação foi um marco na regulamentação do uso e venda de produtos químicos com alto potencial de abuso, principalmente entre jovens.
A droga inalante, popularmente conhecida como lança-perfume, libera adrenalina e aumenta a frequência do batimento do coração, deixando o usuário vulnerável a uma parada cardíaca. O efeito no corpo dura de 5 a 20 minutos em média, podendo chegar a cerca de 40. Apesar de parecer inofensiva, o efeito no organismo estimula as pessoas a utilizarem mais vezes, provocando o vício a curto prazo. A substância é absorvida pela mucosa pulmonar, alcançando na sequência rins, fígado e sistema nervoso.
Marcos Carvalho, antropólogo com pesquisas na área de Saúde Coletiva e pós-doutorando na UFRGS, conta que o lança perfume foi inicialmente importado da Argentina e se popularizou em grandes centros urbanos durante as festividades, como o carnaval. Na época, era um fenômeno associado à sociabilidade, flerte e descontração, sendo utilizado em abundância pelas classes médias e altas no período de 1920 a 1930. A droga servia também para deixar a pele dos usuários gelada e defumada. “Havia um certo glamour associado a substâncias, certamente reverberado pelos comerciantes e a mídia”, afirma.
Com o tempo, os riscos associados ao uso da droga ficaram mais evidentes. Na década de 1960, o governo brasileiro passou a considerar o produto perigoso, devido ao crescente número de acidentes e mortes. Isso resultou na aprovação de um decreto presidencial por Jânio Quadros, em 1961, que proibiu a fabricação, o comércio e o uso do lança-perfume em todo o território nacional.
Mesmo com as proibições, o uso da substância não cessou e continuou sendo um costume nas festividades brasileiras como um símbolo de rebeldia. Um exemplo da resistência à proibição das drogas é a famosa música dos anos 80 “Lança Perfume”, de Rita Lee, que faz uma referência explícita ao uso recreativo da substância, desafiando as normas sociais da época e simbolizando a busca por liberdade e diversão.
Nesse cenário, a popularidade do entorpecente se manteve. “Bastava procurar um grupo de jovens e saber se estariam dispostos a compartilhar a droga”, relata uma moradora do interior do Rio de Janeiro, de 56 anos. No entanto, o acesso variava de acordo com a região. Uma mulher de 57 anos, que não quis se identificar, descreveu o cenário durante sua juventude. Natural de Cianorte, no Paraná, ela conta que o uso da droga era comum entre os jovens, especialmente em datas festivas, mas que conseguir o “lança” era difícil. Segundo a paranaense, a prática era mal vista por parte da população devido ao conservadorismo local de uma cidade no interior do estado.
Para Marcos, a regulamentação do cloreto de etila transformou o entorpecente em algo ainda mais problemático do que seu uso desenfreado nas comemorações carnavalescas da primeira metade do século XX. Segundo o antropólogo, a proibição incentiva os jovens a fazerem o uso de outras variações muito mais prejudiciais à saúde e que não possuem controle de qualidade, como o “loló”.
Uma jovem de 20 anos, que preferiu não se identificar, relata que começou a usar “loló” em um baile, quando tinha 17 anos: “Tinham várias pessoas usando. Eu estava bebendo, me divertindo, até que me ofereceram e quis experimentar”. Em relação aos efeitos, ela conta que a sensação é momentânea, marcada por alguns momentos de euforia que te levam a sentir cada vez mais vontade de usar. Para a jovem, a proibição da venda das substâncias é válida: “É algo completamente prejudicial à saúde. Pode causar convulsão, além de acabar com os rins e o fígado também”.
O professor e técnico de Química da Universidade Federal Fluminense (UFF), Jefferson Melo Carneiro, alerta sobre a acessibilidade do químico hoje. Apesar do controle mais rígido na venda desses solventes, os usuários encontraram alternativas em produtos comuns, como colas, adesivos, sprays aerossóis e produtos de limpeza, que contêm os mesmos compostos. Ele destaca que a manipulação dessas substâncias pode provocar graves danos ao sistema nervoso central, problemas respiratórios, cardiovasculares e até a morte. Além disso, é possível gerar danos crônicos à saúde dos fabricantes, riscos de explosões e incêndio, considerando que todos os compostos são orgânicos, e, a grande maioria deles, inflamáveis.
Jefferson também reitera que não há legislação específica que proíba a compra de tais substâncias. Produtos como o clorofórmio, por exemplo, podem ser adquiridos facilmente em plataformas de comércio eletrônico e solventes orgânicos, como anti-respingos, que são vendidos em lojas de materiais de construção. Sem uma regulamentação efetiva, qualquer pessoa pode adquirir os materiais e utilizá-los na produção de entorpecentes, ampliando os danos associados ao uso.