A impunidade dos homens influentes e o machismo na sociedade
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Na última semana, foram divulgados áudios em que o jogador de futebol, Robinho, revelava a sua participação em um estupro coletivo que aconteceu em 2013. O caso começou a repercutir nas redes sociais após o jogador ter sido anunciado como reforço do Santos, mesmo condenado pelo Tribunal de Milão, na Itália. O clube se pronunciou dias depois anunciando a suspensão do contrato, porém Robinho continua se defendendo e minimizando o ocorrido, chegando a dizer: “Infelizmente, existe esse movimento feminista”.
Esse caso é apenas um dos inúmeros de violência contra mulheres cometidos por homens influentes no Brasil. Em grande parte desses casos, os acusados recebem apoio de fãs e saem impunes, como aconteceu com o cantor MC Biel, o ex-BBB Felipe Prior e o jogador Dudu. Para a advogada na Unicef Mulheres, Ivanova Galan, a falta de punição na execução das leis que abordam a agressão contra a mulher é um fator atenuante que impede a luta contra a violência de gênero. “É necessário o fortalecimento de políticas, legislação e instituições para abordar o tema da violência de gênero e promover a igualdade de gênero.”, afirma.
Para a fundadora da página “Superação da Violência Doméstica” Marilha Boldt, essa questão vai além da igualdade de gênero. Conforme ela, o problema em si está relacionado a pessoas machistas dentro do juizado de violência doméstica. “O que eu vejo é que ainda há muitas mulheres machistas nesses poderes”, comentou. Ela também atua como advogada e explica que apesar de uma juíza dar a sentença, o homem pode recorrer à segunda instância. “Nela não há uma câmara criminal específica para os casos de violência doméstica, é extremamente garantista em prol do réu, na dúvida ele sempre se beneficia”, completou.
Marilha foi vítima de violência doméstica e usa sua voz para dar apoio a outras mulheres que passaram pelo mesmo. De acordo com a fundadora, elas se sentem tristes, fracassadas e revitimizadas pelo sistema ao verem os seus agressores ficando impunes dos crimes. Em casos que envolvem homens influentes e com dinheiro, a justiça tende a favorecê-los, e isso desmotiva as vítimas a denunciarem. “Já recebi denúncia falando que um homem foi visto puxando a mulher pelo cabelo na rua, como que processa esse cara se tem um desembargador por trás que é o pai dele?”. Então, muitas vezes as pessoas deixam isso de lado para não se expor, por conta do dinheiro, da influência política ou judiciário.
Segundo Ivanova, durante muito tempo os sistemas jurídicos não reconheciam a gravidade da violência contra as mulheres. Isso continua trazendo consequências atualmente, pois a vítima não recebe o amparo necessário. Sendo assim, não é feita a justiça adequada para os agressores, o que normaliza a violência, como diz Marilha: “Muitas vítimas deixam até de seguir com o processo, porque elas sentem que são criminosas.” Ela ainda acrescenta que há um certo descaso na investigação, e a mulher acaba sendo responsável por levar todas as provas à delegacia para seguir com o processo.
Em meio a esse debate, a apresentadora e jornalista Ana Paula Araújo comenta em seu novo livro “Abuso – A cultura do estupro no Brasil” sobre dados alarmantes acerca do número de punições aplicadas. “Primeiro que a gente tem um universo de 90% dos casos que não são denunciados. E dos 10% que chegam até as delegacias, poucos têm uma investigação policial de fato.” Também é importante desmistificar a ideia de que todo agressor tem um padrão, pois isso dificulta ainda mais em reconhecer que todo homem é capaz de cometer esse tipo de crime, independente do ambiente que está inserido, como explica Ana Paula. “Estupradores também podem ser encontrados entre pais de família e estudantes universitários.”
Reportagem: Amanda Domicioli, Ana Beatriz Miranda, Brenda Barros, Bruna Barros, Camila Hucs, Felipe Roza, Gabriela Leonardi, Leo Garfinkel, Letícia De Lucas, Tiago Tassi
Supervisão: Yan Lacerda