Durante o segundo dia da Semana do Jornalismo, realizada na ESPM-Rio, aconteceu a mesa “Como cobrir o poder? Bastidores do jornalismo político”, que contou com grandes nomes do jornalismo. Os convidados da mesa foram Bernardo Mello Franco, colunista do jornal O Globo, e Leandro Resende, apresentador da Rádio CBN. Os profissionais compartilharam suas rotinas e discutiram sobre os desafios da área. Mediante a situação vivida na cidade do Rio anteontem (28), os jornalistas trouxeram reflexões a respeito dos limites éticos que essa cobertura exige.
Na manhã de terça-feira, as polícias Civil e Militar realizaram operação nos complexos da Penha e do Alemão. Porém, o que a população da cidade do Rio não imaginava era toda a repercussão que esse evento tomaria ao longo do dia. Segundo o Palácio Guanabara, essa foi a operação mais letal do Rio de Janeiro, até o momento dessa reportagem, mais de 100 pessoas foram mortas, entre elas quatro policiais, e ainda 118 armas foram apreendidas.
“Quem está na televisão, no rádio, hoje comemorando a chacina, policial, não pode usar o título de jornalista. (…) Você tem que considerar todas as nuances que têm esse assunto que é super complexo”, comentou Bernardo.
A operação impactou a rotina da população carioca, com paralisações no transporte e episódios de violência em retaliação, por parte do Comando Vermelho. Esse aumento da violência reacendeu o debate sobre a segurança pública do governo do Estado e a postura do governador Cláudio Castro diante do episódio.
O tema da mesa também abordou a desinformação e seus efeitos no cenário atual, durante a repercussão da megaoperação. Em meio à avalanche de informações e imagens compartilhadas nas redes sociais, circulavam também boatos e vídeos fora de contexto. A rapidez com que o conteúdo se espalhou mostrou como, em situações de crise, o público tem dificuldade em filtrar o que é verdadeiro do que é falso.
“A desinformação é mais do que a má informação, ela é realmente uma tática deliberada de difundir mentiras e confundir o debate público. Para minar a credibilidade das instituições e da própria imprensa que está sob ataque”, declarou o jornalista Mello Franco.

Leandro Resende a esquerda, acompanhado de Bernardo Mello Franco e Vinicius Nunes, durante a mesa realizada de forma remota na Semana do Jornalismo ESPM-Rio.
Essas notícias enganosas, têm sido usadas de forma distorcida para influenciar negativamente a opinião pública e dificultar um debate claro sobre os problemas que afetam a sociedade. Os palestrantes também comentaram que as vezes se sentem “enxugando gelo”, já que parte do público prefere permanecer em bolhas de desinformação, compartilhando apenas conteúdos que reforçam suas próprias crenças, o que afeta o papel fundamental do jornalismo que é informar.
Ao comentar a operação policial desta semana, o jornalista Leandro Resende destacou que episódios como esse não são isolados e refletem um padrão histórico de falhas nas políticas de segurança pública do Estado. Ele relembrou o Caso Amarildo, ocorrido em 2013, quando o pedreiro desapareceu após ser levado por policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. O crime se tornou símbolo da violência policial e da fragilidade das instituições de segurança no Rio. Leandro escreveu o livro “Cadê o Amarildo: O desaparecimento do pedreiro e o caso das UPPs”, obra que teve origem em seu trabalho de conclusão de curso e posteriormente inspirou seu mestrado.
“O caso do Amarildo foi um desses tantos episódios que mostram o quanto a política de segurança no Rio é falida. Estudar esse caso me deu acesso a muitos lugares. (…) Sem dúvida, o caso foi o mais emblemático que acompanhei. Mudou não só meu jeito de fazer jornalismo, mas também a forma como eu enxergo o mundo”, concluiu Leandro.
Passados mais de dez anos, a realidade das favelas cariocas continua marcada por operações violentas e pela ausência de políticas públicas efetivas. Leandro comenta que a falência das UPPs, criadas com o objetivo de aproximar o Estado das comunidades, tornou o cenário ainda mais complexo. A falta de continuidade nas políticas de segurança, somada à desinformação e ao uso político da violência, contribui para um ciclo de medo e descrédito das instituições.
A segurança pública no Rio de Janeiro segue como um dos maiores desafios do Estado. As ações policiais de grande porte, muitas vezes justificadas pelo combate ao crime organizado, têm resultado em operações letais e em um clima constante de insegurança para a população.
Capa: Arthur Zanotelli
Reportagem: Luisa Teixeira e Mirella Casanova
Supervisão: Vinicius Carvalho