Bola de Cristal: uma sinuca entre passado e futuro
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Em 25 de Dezembro de 2022, Wagner Sales recebeu uma ligação inesperada. “Alô! Wagner? Que horas você vai abrir hoje?”. Confuso, ele respondeu: “Que é isso, cara! Hoje é Natal!”. Do outro lado da linha: “Já tá de tarde, já almocei com a família! Tá resolvido”. Apesar da confusão, o recado havia sido passado. Desde que os sócios Wagner e Carlos André Freitas assumiram a Sinuca Bola de Cristal, esse foi o único dia que a casa esteve de portas fechadas, pela última vez.
A apenas alguns passos de distância da estação de metrô do Largo do Machado, uma porta estreita revela um misterioso lance de escadas. Ao subir para o primeiro andar, o que se vê são seis mesas de sinuca bem conservadas e o que se ouve é o som da colisão das bolas de resina. André conta que, desde que assumiram o lugar, em março de 2022, o salão passou por uma transformação completa, os tradicionais panos verdes foram reparados, banheiros passaram por reforma e a cozinha antiga teve que ser “toda jogada fora”. Esse investimento foi feito para criar um espaço que atendesse as expectativas dos novos donos.
Contudo, a história do primeiro andar do número 105 da Rua Ministro Tavares de Lira começa em 1977, quando o espaço foi aberto, já com nome Bola de Cristal, e com a mesma finalidade: sinuca. Durante sua história recebeu, inclusive, grandes figuras da cultura brasileira, como Marcelo D2 e Marisa Monte. “A parede estava cheia de matérias e reportagens aqui do lugar”, sinaliza André, ao falar sobre como era o estabelecimento antigamente. Os atuais sócios começaram como clientes, e com a decisão do antigo dono de vender o negócio, devido a dificuldades ligadas à pandemia, viram a oportunidade de transformar o empreendimento.
Nos últimos anos, o Bola de Cristal passa por uma renovação sem perder sua essência. Muitos clientes são fiéis à sinuca e tem como ritual a presença diária no local, a maioria deles contando com décadas no esporte. Os frequentadores mais assíduos têm o salão como parte da rotina, como extensão de suas casas, criando uma relação pessoal com o ambiente e com as pessoas ao redor. Giovanni Salvador pratica o esporte há 33 anos, e vai ao espaço no Largo do Machado desde o começo da nova gestão. Ao entrar, tira de uma sacola plástica um suco, que comprou antes de entrar, e pede um misto quente que os proprietários improvisam na cozinha, que ainda está fechada e passa por reformas. “Tem gente que vêm aqui todos os dias, inclusive avisam quando vão faltar para não ficarmos preocupados. Tem outros que vem todas as terças e quintas, ou sempre em outros dias da semana”, conta Wagner. Os donos tentam atender pedidos, mesmo que sejam individuais. “Sempre que me pedem algo que não tenho, eu tento encomendar e deixar separado”.
Ao mesmo tempo, com o perfil dos clientes sendo de idade mais avançada, os donos buscam, também, atrair membros da nova geração que sejam interessados em jogar sinuca e participar do esporte de forma respeitosa a cultura do jogo. O jovem Guilherme Paes faz parte dessa renovação, e joga desde os cinco anos de idade. Segundo ele, a família tinha uma mesa em casa, que acabou o aproximando do esporte.
Ao optar por restrita presença em redes sociais, os sócios preferem que o conhecimento do local seja orgânico, por meio do marketing “boca a boca”. André diz que sempre presta atenção a todos os novos rostos que entram no salão. “Tudo vem acontecendo da forma que nós planejamos. A divulgação e o nosso público vão se criando da melhor forma para nosso ambiente”.
Para André, o simbolismo do local está em manter de pé a tradição dos salões. Cobrando por hora (R$28), fornecendo tacos e tendo estrutura para se jogar em diferentes formatos. “Promover a sinuca é o mais importante. Isso é um movimento pelo esporte como um todo.”. Mostrar o jogo e toda a cultura que o envolve é uma missão dos donos, sendo um espaço que ao mesmo tempo reúne a velha guarda, e apresenta esse mundo para os mais jovens, promovendo uma troca de experiências em torno das mesas. Entre as bolas lisas e listradas, o que encanta no local é a sua convivência e o resgate de uma dinâmica que parecia já perdida no tempo. Refletindo, Wagner afirma: “Eu achava que eu gostava de sinuca, mas eu gosto mesmo é do Bola de Cristal.”. O “Bola” está aberto de segunda a segunda, inclusive no Natal.
Reportagem: Alexandre Hid e Luca Alexandre
Revisão: Vinicius Carvalho