A TRANSformação no Mundo da Moda
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Com o passar dos anos, a sociedade teve grandes mudanças de cunho social, como crenças e valores. Entretanto, mesmo com a diversidade ganhando mais espaço, é nítida a transfobia vivida diariamente por pessoas transexuais, principalmente em ambientes organizacionais, como áreas de trabalho. No mundo fashion isso não muda, e pessoas desse grupo vêm lutando cada vez mais por espaço e voz para se sentirem representadas e confortáveis com sua moda.
A exclusão social vivida por pessoas trans (que não se identificam com o gênero que lhe foi atribuído no nascimento) prejudica que se tornem grandes nomes no mundo da moda. A proprietária da “Sandy Mel – Moda Íntima Trans” (que prefere não ser identificada) relata quase não ver representatividade no seu meio de trabalho. “Tudo que é feito para um(a) trans ou por um(a) trans é meio escondido. Parece que as pessoas têm medo ou vergonha de publicar e mostrar seus trabalhos.”
Vicenta Perrotta, estilista trans e fundadora da marca VP e do Ateliê TRANSmoras, também diz que não há representatividade e acredita que, se depender da cisgeneridade (indivíduo cuja identidade de gênero corresponde com seu gênero de nascimento) da indústria, nunca haverá. Ela explica que a sociedade precisa entender que, além de dar visibilidade, é necessário fazer mais coisas para uma pessoa trans ter reconhecimento.
Além do tabu e do trabalho escondido que esse grupo de pessoas enfrenta, muitas passam por discriminações e preconceitos na área de trabalho. A proprietária da “Sandy Mel – Moda Íntima Trans” expõe já ter sofrido transfobia com fornecedores e revendedoras cis por usar a camisa da empresa. “Sofro xingamentos, piadas e agressões verbais, pois as pessoas não aceitam ver uma pessoa trans no mercado de trabalho. Várias perguntas como ‘o que você tem no meio das pernas?’, como se a única coisa que importasse fosse um órgão genital, e não o caráter”, ela relata.
As oportunidades para as pessoas transexuais no mercado de trabalho são raras de acontecer, dificultando que a pessoa cresça no seu campo profissional. Isso se torna um problema ainda mais sério quando é levado em conta que grande parte dessas pessoas não recebem apoio familiar. De acordo com uma pesquisa feita pela ANTRA (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), estima-se que 13 anos é a idade média em que pessoas trans são expulsas de casa pelos pais. Assim, elas se veem obrigadas a buscar emprego para autossustento, enfrentando diversas dificuldades no processo.
Em alguns processos seletivos, as empresas preferem não contratar candidatos trans e ignoram a luta por direitos iguais. O sociólogo João Raphael Ramos explica que isso ocorre por causa do estigma da violência que há na sociedade. “Essa é a marca do preconceito e do avanço do conservadorismo ideológico religioso, e tudo isso traz para essa população altíssimos índices de violências e de exclusão social”, ele detalha.
Segundo dados da Pepsic, as travestis que foram entrevistadas apresentam experiências de trabalho tanto no setor público quanto no setor privado, ficando em empresas de portes pequeno (como salões de beleza, lojas e restaurantes), médio e grande (telemarketing, automobilística, supermercado e hospital, por exemplo). Apesar disso, a pesquisa feita pela ANTRA também expõe que 90% da população trans brasileira tem a prostituição como fonte de renda e possibilidade de subsistência.
Atualmente, existem muitos eventos de moda com desfiles que, no pós-pandemia, estão sendo em formato híbrido (presenciais e/ou virtuais). Um deles é o São Paulo Fashion Week que ocorreu recentemente entre os dias 16 e 21 de novembro, com a participação de 51 marcas. Zero eram marcas de pessoas trans, dentro desse número. No entanto, a presença de modelos transexuais aumentou, com destaque para a marca Meninos Rei. Fundada em Salvador pelos irmãos Júnior Rocha e Céu Rocha, ela trouxe um cast diversificado e que teve a presença da modelo e atriz trans Marcella Maia.
A indústria da moda pode ser bastante respeitada e vanguardista, mas no contexto da inclusão, o segmento ainda é obsoleto. Isso porque é evidente que pessoas trans que trabalham nesse mercado são minoria e não recebem o devido destaque. Diante de todo esse cenário, foram criados movimentos sociais que promovem o acolhimento dessas pessoas que se sentem socialmente excluídas, como a CasaNem, que existe desde 2016 no Rio de Janeiro. Essa área está em constante evolução, mas ainda existe um longo caminho até que seja evidente a diversidade nos bastidores do universo fashion.
Reportagem: Beatriz Mattos | Juliana Gomes | Luana Maia
Supervisão: Gabriela Leonardi