CARREGANDO

O que você procura

Geral

O negro no futebol brasileiro

Compartilhar

Vivemos atualmente no século XXI, mas o pensamento de algumas pessoas se assemelha aos do XVI. Na época em questão, a escravidão começava a ser uma vertente no Brasil, principalmente envolvendo indígenas. Após leis e muitos anos, esse cenário, em tese, acabou. Porém, na prática, acaba sendo recorrente em nosso dia a dia. Hoje, a escravidão se mostra no formato de preconceito: o racismo.

A definição oficial do termo se refere à uma discriminação relacionada às características raciais que declaram preconceito, agressão, intimidação, entre outros. Apesar de diversas leis e campanhas que visam combater essa problemática, ela anda em contramão à solução.

O preconceito desencadeia na falta de espaço dos negros na sociedade. Negros e pardos, que fazem parte da população do país, representam a maioria entre trabalhadores desempregados (64,2%), segundo dados do Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ainda com números do Instituto, entre os 10% da população com menor renda, 75,2% são negros, e 23,7% brancos. O papel se inverte quando se fala de maior renda: brancos com 70,6% e negros com 27,7%.

Em um país que possui 19 milhões de pessoas negras, foram relatadas apenas 896 denúncias de racismo nos últimos cinco anos pelo Grupo de Promoção da Igualdade de Oportunidades e Eliminação da Discriminação no Trabalho. Em 2018 houveram 215 denúncias, que equivale a aproximadamente 24% das denúncias dos anos anteriores. Além disso, ocorreu um crescimento de 30,5% quando é comparado esse ano com 2014, quando ocorreram 157.

O número de denúncias é baixo quando comparado com a quantidade de negros no país, isso acontece porque muitas vezes eles acabam deixando de lado o racismo que sofrem. Um exemplo disso é Pedro Alves, o estudante negro se acostumou com certas situações que vive. “Algumas situações são tão corriqueiras que acabo levando na naturalidade, como ser vigiado por funcionários em algumas lojas, ver alguém atravessando a rua ou tentando esconder o pertence quando tô chegando perto, esse tipo de coisa”. Ele diz que nesses casos não se sente tão mal, porém em outros se incomoda muito, como a vez que foi chamado de sujo por duas mulheres em um shopping de Curitiba.

Outra discriminação marcante que sofreu foi durante um evento esportivo. Durante as Olimpíadas de 2016 Pedro foi surpreendido por uma família de turistas. “Ouvi uma mãe estrangeira pedindo para os filhos saírem de perto de mim”. É um absurdo na opinião dele que alguém se sinta diferente pela cor de pele, porque isso não é agrega valor e não se deve fazer considerações baseado nisso. “Essas situações abalam mesmo, me fizeram sentir mal, sem coragem até pra reagir”.

Devido os casos de racismo que ocorrem em eventos esportivos, principalmente no futebol, o administrador Marcelo Carvalho decidiu criar o Observatório de Discriminação Racial no Futebol em 2014. “Eu queria mostrar para a sociedade brasileira através de números que casos de racismo no futebol não são esporádicos”. Hoje ele monitora os casos discriminatórios, como de racismo e homofobia, no esporte que ele tanto aprecia. Os relatórios que o Observatório faz anualmente mostra que as ofensas raciais no futebol brasileiro tem crescido a cada ano que passa. “A cada ano que passa eu vejo que o problema é cada vez maior e mais grave”, conclui Marcelo.

Esses documentos são feitos com o intuito de informar à população sobre as injúrias que ocorrem no esporte mais amado pelo brasileiro. Fora isso, eles mostram que esses eventos não acontecem de forma esporádica, são mais comuns do que a sociedade pensa, e que é necessário mais comprometimento de clubes, entidades, federações e até mesmo da sociedade para combater o racismo no futebol.

Hoje o esporte mais amado pelo brasileiro é praticado em todos os cantos do país, seja com uma bola de papel, com uma meia ou até com tampa garrafa plástica. O brasileiro tem a mania de transformar ludicamente alguns materiais em uma bola de futebol, tornando-o, dessa maneira, acessível. Porém, não foi sempre assim. Quando o futebol surgiu no Brasil era conhecido por ser um esporte excludente e elitista. Tanto que na introdução do livro O Negro no Futebol Brasileiro, Mário Filho deixa claro que quem tem saudade dos tempos em que os principais campeonatos futebolísticos brasileiros eram amadores e racista, porque assim era o esporte no início do século.

Porém, com a profissionalização do esporte, o negro foi ganhando cada vez mais espaço. O mesmo só não aconteceu nos cargos de alto escalão nos clubes, já que poucos negros ocupam tais posições. Para o jornalista Breiller Pires, essa situação reflete o racismo estrutural presente na sociedade brasileira. “O futebol ajuda a mostrar que o racismo é algo deflagrado no Brasil. Ele permeia as estruturas dessa forma, excluindo os negros de um processo que deveria ser natural, pelo menos no futebol, porque nele grande parte dos jogadores e dos ídolos brasileiros são negros”.

O racismo ainda é velado no Brasil, mesmo com mais de 130 anos que a escravidão foi abolida do país. Já foi dito que o mesmo acontece no futebol com torcedores e como houve com os jogadores desde o início do esporte no país, mas esse problema também é visto de maneira institucional nos clubes.

O Portal de Jornalismo ESPM-RJ fez um levantamento analisando as 20 equipes da primeira divisão do campeonato brasileiro e percebeu que apenas 15% dos cargos de presidente, de gerente executivo, de técnico e de auxiliar são ocupados por negros. “Se olhar o retrato da situação desses treinadores no campeonato brasileiro, a gente também enxerga como o negro é marginalizado no alto escalão do futebol, porque o Marcão e o Coelho assumiram como interinos, que é o famoso quebra-galho”, diz o jornalista Breiller Pires.

O caso dos auxiliares é diferente. Há clubes que tem mais uma pessoa para essa função, por exemplo, o Flamengo tem três e o Atlético Mineiro tem cinco, enquanto o Goiás tem apenas um. Dessa forma, a primeira divisão do campeonato brasileiro contém 37 auxiliares técnicos, destes apenas 5 são negros.

Além disso, quando se olha para os cargos de presidente e gerente executivo, a porcentagem de negros é ainda menor. Para o jornalista João Abel o motivo vai além do racismo. “Os clubes são comandados por altas oligarquias. Nós não podemos esquecer que quem elegem os presidentes, em geral, são os conselhos. Por mais que agora a maioria os clubes tenham aberto essa votação para os sócios, ainda sim é algo muito fechado e pouco democrático. Ex-jogadores e outras pessoas do futebol, na maioria das vezes não chega a essa parte, geralmente são políticos, administradores, advogados, economistas, pessoas de oligarquias, que tem algo a ver com o clube, às vezes, até uma relação familiar.

As medidas contra as injúrias raciais que acontecem nos estádios são quase inofensivas, geralmente são feitas campanhas educativas que não causam tanto impacto. Breiller pensa que o problema está em como as federações decidem tratar esse tipo de problema. “Poderiam fazer algo semelhante com o que fizeram no futebol brasileiro em relação ao arremesso de objetos no gramado. Antes era normal atirar garrafas, chinela, até rádio no adversário. Hoje isso não acontece porque as punições são efetivas e foram educativas nesse sentido. Porém, não vemos algo parecido em relação ao racismo ou a homofobia”.

Casos recentes que aconteceram na Europa podem ser citados. O jogador, Mario Balotelli, que quase se transferiu para o Flamengo, foi alvo de racismo ao atuar pelo seu time, Brescia, da Itália. O jogador abandonou a partida e o clube adversário foi levemente punido, tendo apenas uma partida com setor do estádio fechado. Houveram até companheiros de time que ficaram contra o jogador. Na Itália, marcada por um regime Fascista, o racismo é tratado como naturalidade. Em pesquisa do jornal inglês, Independent, dados apontam que 45% dos italianos acredita que o racismo é justificável.

Em contramão, há exemplos de melhor atitude em relação a situação, que é o caso da Inglaterra. Na partida válida pelas eliminatórias da Eurocopa, um dos jogadores foi alvo de injúrias por parte da torcida búlgara, e então, a equipe inteira parou em campo como forma de protesto. A UEFA, entidade responsável, puniu a Bulgária com uma leve multa de 75.000 euros e um jogo de portões fechados, ou seja, sem torcida.


Foto: Rico Brouwer/Getty Images

As punições acabam sendo alvo de críticas, visto que o time em si não é punido pelas atitudes da torcida, que nos casos citados acima, perderão apenas um jogo e, após isso, poderão voltar ao estádio como se nada tivesse acontecido. Cabe a todos, independente da cor, ajudar no possível. O que foi o caso de Georginio Wijnaldum, da Holanda, e negro, que na tarde desta terça (19), ao lado de seu companheiro Frenkie De Jong, branco, protestou pela igualdade de gênero durante o duelo contra a Estônia, também pelas eliminatórias da Euro.

Muitas vezes é exigido do jogador negro, que é alvo desse tipo de ofensa, que se posicione e denuncie, mas não há cobrança da sociedade para que jogadores brancos se solidarizem e se manifestem. Para Breiller se houvesse posicionamento deles a engrenagem do futebol poderia começar a realmente mudar. “Precisamos reforçar que o enfrentamento ao racismo não é só uma missão do negro, mas de toda sociedade, principalmente da população branca, que é privilegiada nesse sentido, por não ter que conviver com esse tipo de ofensa”.

Reportagem: Lucas Pires e Patrick Garrido

Infográficos: Patrick Garrido

 

Tags: