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Jornalistas combatem preconceito contra pessoas com deficiência

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  • Reportagem de Jaime Chijner, Laszlo Polak, Matheus Gevaerd, Raphael Araújo e Thiago Godoy

“Leproso”, “doente mental”, “retardado”, “demente” são algumas das palavras que, infelizmente, são utilizadas como xingamentos e que se tornaram tão comuns a ponto de passarem despercebidas pela maioria das pessoas. No entanto, elas refletem uma realidade dura para as pessoas com deficiência que constantemente sofrem casos de preconceito, discriminação e, também, com a dificuldade da acessibilidade no Brasil.
Alguns estudos sobre esse tema nos últimos anos comprovam o cenário complicado para esse grupo, especialmente, por meio das redes sociais. Um projeto, feito em 2016, do portal “Comunica que muda” apresenta dados sobre o discurso de ódio contra diversos grupos sociais no país. Além de pessoas com deficiência, foram analisados dados de outros tipos de intolerância como aparência, classes sociais, homofobia, racismo, religião, política e xenofobia.
A pesquisa fornece um mapa mostrando os estados que mais tiveram incidência nas redes sociais. A região Sudeste foi o local que mais apresentou casos de intolerância: o Rio de Janeiro ficou em primeiro lugar, com 58.284 menções de intolerância, São Paulo em segundo e Minas Gerais na terceira posição. Das mais de 40.000 menções contra pessoas com deficiência, 93,4% tiveram um tom negativo, contra 4,2% de menções positivas, que são aquelas que criticam o preconceito e 2,4% de menções neutras, que não apoiam nem criticam algum tipo de discriminação.
No entanto, mesmo em um cenário nada favorável, ainda há gente que luta por dias melhores, dando visibilidade a essas pessoas e expondo as questões que as envolvem. E uma dessas pessoas é o jornalista Jairo Marques. Mineiro de Três Lagoas, Jairo se formou em jornalismo pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e fez pós-graduação em jornalismo social na PUC-SP numa espécie de teste: “Queria saber até onde meus interesses e predileções se concretizavam num ramo mais teórico e de pesquisa. Não adianta ter apenas boa vontade com temas sociais, é preciso defendê-los com propriedade, justeza e conhecimento”.
Apesar de ser repórter desde 1999 na Folha de São Paulo, o seu trabalho com o jornalismo social ganhou mais visibilidade no seu blog Assim Como Você. A coluna que, em maio de 2018, completou dez anos de existência, foi um dos sinais de mudança para o jornal na época: “Foi um dos primeiros diários virtuais da plataforma digital da Folha. À época, vi como uma oportunidade de dar vazão a demandas de uma pauta reprimida e escanteada”. Jairo ainda ressalta que, nesses dez anos, muita coisa mudou e que parte do conteúdo que ele publicaria no diário, hoje, é aproveitado pelo próprio jornal. Segundo ele, a dinâmica da informação e do interesse do público são “termômetros” para entender isso.

 Jairo Marques escreve para o blog Assim Como Você há dez anos./ Foto: Reprodução

Com o intuito de relatar situações do universo de pessoas com deficiência e também sobre direitos humanos, cidadania e diversidade, o repórter fala sobre os recursos utilizados para o blog: “Muito do material que utilizo é gerado pelos próprios leitores, que compartilham fotos, vídeos e demais materiais. Também recebo muita coisa de entidades ligadas às pessoas com deficiência.” No entanto, boa parte da produção vem de experiências próprias dele e de sua criação intelectual.
Diferentemente de grande parte da mídia, que aborda o tema através de “coitadismos” e histórias de superação, Jairo conta que antes utilizava outros métodos, como o humor, para tratar sobre determinados temas, como comprova o título de seu livro “Malacabado”, porém atualmente ele tem utilizado um estilo mais informativo e crítico, o que, segundo ele, não o impede de mudar para outros estilos, futuramente.
O repórter também afirma que o seu objetivo com o Assim Como Você vai muito além de falar sobre pessoas com deficiência: “O blog é sobre a diversidade humana e isso pode facilmente ultrapassar inclusive as deficiências. Claro que trato mais, por maior conhecimento de causa, das pessoas com deficiência física, mas são diversos os textos em que falo a respeito da deficiência sensorial e intelectual”.
Independentemente do estilo ou do assunto, Jairo é uma das principais vozes de um grupo que ainda demanda espaço dentro da mídia. Um dos poucos que se firmaram com essa temática específica, o colunista é visto com uma referência no assunto: “Não raro uma história contada no blog foi parar em programas de TV, rádios, jornais etc”.
Além do seu trabalho no blog, Jairo é colaborador para roteiros inclusivos para as revistas da Maurício de Souza Produções e faz palestras sobre diversidade e inclusão pelo país. Cadeirante desde a infância, o repórter sabe como é a vida desse grupo específico no Brasil, ilustrado pelos números apresentados no início do texto e, através da comunicação, tenta mudar esse cenário e ajudar os mais de 45 milhões de pessoas com deficiência que há no país a terem uma vida mais digna e acessível, mesmo em um Brasil cada vez mais intolerante.
No entanto, Jairo não está sozinho nessa luta. Outro companheiro de profissão trabalha em um projeto muito parecido com o do repórter da Folha, porém em outro grande jornal, também de São Paulo, o Estadão. Seu nome é Luiz Alexandre Souza Ventura, criador do blog “Vencer Limites”.
Formado em jornalismo pela Universidade Santa Cecília, em Santos, São Paulo, Luiz Alexandre passou por outros grandes meios da comunicação como rádios Globo e CBN, jornal do Comércio e A Tribuna (Santos-SP), antes de iniciar sua trajetória no Estadão, em 2011.

Luiz Alexandre trata no Vencer Limites exclusivamente sobre o universo das pessoas com deficiência./ Foto: Felipe Rau/AE

O jornalista nasceu com uma neuropatia, a Síndrome Charcot-Marie-Tooth, o que faz com que tenha dificuldades de locomoção. O interesse pelo jornalismo social veio em 2006, na época em que trabalhava na rádio Globo: “Entrei na rádio contratado na condição de pessoa com deficiência, percebi que era necessário tratar desse universo com mais profundidade, sem estigmas, levando a pauta para o dia a dia da redação”.
Em 2012 trabalhou no projeto do blog e em setembro daquele ano, o “Vencer Limites” já estava no ar. Com mais de mil reportagens produzidas, o blog tem o intuito de ampliar o conhecimento da sociedade sobre o mundo das pessoas com deficiência e, para isso, o repórter utiliza poucos recursos: “Eu uso um notebook, internet e telefone. Trabalho de casa”. Luiz Alexandre conta que não utiliza o material enviado pelos leitores se não houver uma apuração, mas ao mesmo tempo não os ignora: “É habitual receber sugestões e muitas são viáveis e resultam em matérias”.
No caso do repórter do Estadão, o espaço se dedica exclusivamente à temática das pessoas com deficiência, tratando de assuntos como a acessibilidade e a inclusão dessa população: “A ideia é falar sobre esses assuntos de maneira concreta e racional, sem um viés piegas ou sensacionalista, o que é muito comum na grande imprensa. É colocar a estrutura do jornalismo em favor da causa”.
Em um vídeo no seu perfil, o repórter critica como a imprensa trata o assunto, citando o uso errado de terminologias e a ausência de pesquisa, o que, segundo ele, alimenta estigmas, preconceitos e desinformação. Além disso, Luiz conta o que viu sobre a mídia em relação ao assunto nesses seis anos de blog: “O assunto só entra em pauta em datas específicas ou quando há algo de muito destaque, com uma pessoa famosa. As redações ainda não compreendem o tamanho desse universo”.
Perguntado sobre o futuro das políticas públicas para as pessoas com deficiência com o novo presidente Jair Bolsonaro, Luiz Alexandre se mostra esperançoso: “A futura primeira dama é professora da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e o presidente eleito assinou um documento do Comitê Brasileiro de Organizações Representativas das Pessoas com Deficiência (CRPD) no qual se comprometeu com a causa. É fundamental que o cidadão fique atento e cobre a evolução”.

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