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Vozes que ecoam: das ruelas para o mundo

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  • por: Caio Garritano, João Ramalho, João Ricardo Barbedo e Melanie Martins

Favela é ausência. De acordo com o autor do texto “Um espaço em busca de seu lugar”, Jailson de Souza e Silva, “ela é definida pelo que ela não é ou pelo que ela não tem”. Em meio ao turbulento dia a dia das cidades, as favelas destacam-se nos noticiários pelas situações de violência e falta de estrutura em que vivem, perpetuando um estereótipo que ofusca a realidade dos moradores que poucas câmeras mostram. Apesar das dificuldades, o ambiente também se caracteriza por um sentimento de fraternidade que é retratado por veículos de imprensa independentes ou comunitários, que abordam a favela sob uma outra perspectiva.

Entre o descaso com a infraestrutura e a falta de segurança, os mais prejudicados são os moradores. A maioria não considera que a favela em que moram seja um bairro da cidade do Rio de Janeiro. Jailson de Souza e Silva explica que para eles são necessárias algumas melhorias em urbanização, e também compensar a falta de infraestruturas, como saneamento básico, para que a favela seja entendida, na verdade, como parte da cidade. “Para eles, seria necessária a melhoria das condições urbanas e, principalmente, uma maior consonância entre as regras da cidade e as da favela, em particular no que diz respeito às formas de intervenção da polícia e ao modo de funcionamento do comércio ilegal de drogas”.

O desdém por parte das autoridades fica evidente na fala do prefeito da cidade, Marcello Crivella. Em entrevista ao veículo comunitário “Rocinha Alerta”, e propagada em vários meios, como o jornal “Bom Dia Rio”, da TV Globo, em 20 de março de 2018, ele afirma que toda a fachada da comunidade seria trocada. As paredes seriam pintadas, as esquadrias modernizadas para ficar todas “padronizadas, arrumadas e bonitas” além de esconder os fios expostos. Tudo isso para que aqueles que passam pela autoestrada Lagoa-Barra tenham a ideia de “uma comunidade arrumada, bonita e de um povo trabalhador, porque hoje ela está muito, muito feinha”. Os moradores em si são esquecidos, e a preocupação é transferida aos motoristas que passam por ali, para que eles tenham uma boa impressão da Rocinha. Além dele, o governador eleito do estado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, também abordou a comunidade em uma das suas falas, após a sua eleição. Visando melhorar a urbanização de lá, Witzel afirmou em uma entrevista ao jornal “O Globo” que pretende abrir ruas e assentar desalojados em prédios no entorno da favela. Questionado se ele já tinha subido a Rocinha, ele respondeu: “Passei perto da Rocinha, nunca subi. Mas a gente não precisa subir para saber que lá realmente é ruim”.

As falas de Crivella e Witzel revelam muito mais do que o seu preconceito e descaso. Eles, como prefeito e governador, fazem parte do que o teórico italiano Antonio Gramsci chama de “sociedade política”. Esse grupo, em conjunto com a “sociedade civil”, representa a liderança cultural e político-ideológica de uma população ou classe. A sociedade política tem esse poder pelo fato de seus integrantes ocuparem cargos dentro de instituições como a Prefeitura e o Congresso, por exemplo. Elas são capazes de coagir as pessoas de uma determinada forma, seja pelo uso das leis, seja pelo uso da força. Graças a isso, tanto Crivella quanto Witzel são capazes, mesmo inconscientemente, de consolidar juízos de valor, princípios e modos de representação para toda a sociedade. Esses conceitos são classificados como hegemônicos.

Seja nas televisões, em jornais impressos, rádios, ou sites de notícia, as reportagens relacionadas às favelas focam em tiroteios ou combate às drogas. Em setembro de 2018, o G1 mostrou mais uma operação da polícia militar no complexo do Alemão, que acabou em confronto com traficantes. O texto, apresentado pelo portal, não aborda como os moradores da favela reagiram ao ocorrido, se conseguiram se proteger ou chegar a suas casas em segurança. Em outra matéria, agora no jornal “O Globo”, moradores de Copacabana teriam relatado disparos e confusão no bairro. “O clima ficou tenso em Copacabana, Zona Sul do Rio, na tarde desta segunda-feira. Moradores do bairro relataram, através da página Copabacana Alerta, a ocorrência de tiros e explosões na região do Cantagalo e Pavão-Pavãozinho”. Da mesma forma, os moradores da comunidade não foram ouvidos, mas como assustou moradores da zona sul, o assunto mereceu ocupar espaço no veículo.

Para tentar acabar com a visão preconceituosa que muitos têm das comunidades, vários meios de comunicação já foram criados. Um deles é o RioOnWatch. Em 2010, a ONG “Comunidades Catalisadoras” surgiu com a ideia de criar o site para dar visibilidade às favelas na prévia dos Jogos Olímpicos de 2016, que foram realizados no Rio de Janeiro. A partir de 2017, eles fizeram mudanças em seu editorial, e traçaram alguns objetivos, como documentar a visão dos moradores das favelas sobre políticas públicas, para informar os tomadores de decisão municipais e profissionais de desenvolvimento internacional. Além disso, continuam a analisar, introduzir e informar políticas locais e debates sociais sobre o Rio para gerar maiores mudanças políticas que venham a beneficiar toda a sociedade.

Comemoração dos 8 anos da existência do site./ Foto: Divulgação

A equipe é formada, basicamente, por cinco pessoas, em que duas delas são editores, uma para matérias em Português e a outra em Inglês, já que o RioOnWatch tem uma grande participação de voluntários internacionais. Os outros três integrantes possuem funções na ONG, mas também produzem conteúdo para o site, como é o caso de Luiza Fenizola, coordenadora de relações públicas da organização, que também escreve alguns artigos e reportagens para o RioOnWatch. Ela conta que, apesar do número pequeno da equipe, o site é abastecido, em grande parte, por produções de uma rede de colaboradores, cerca de 10 a 15, além de alguns jornalistas comunitários e escritores. O site mantém uma frequência de postagens. Segundo Fenizola, “a gente está trabalhando com uma média de 20 artigos por mês, sendo que eles saem todos em Português e em Inglês. São 40, então, publicações nossas mensais”. Além disso, eles fazem também postagens nas redes sociais, compartilhando notícias relacionadas com as favelas da cidade, que normalmente saem nos jornais de grande imprensa.

A série “Melhores e Piores Reportagens” do RioOnWatch faz a retrospectiva das matérias que melhor e pior representaram as comunidades ao longo do ano anterior e em momentos em que o Rio de Janeiro esteve em grande evidência, como nas Olimpíadas. A série começou em 2015 e é uma das formas de denúncia que tenta dar um olhar crítico ao que é transmitido na mídia nacional e internacional.

Apesar de toda essa abrangência, o jornalismo comunitário nasceu no Brasil. De acordo com a professora de comunicação social da Universidade Metodista de São Paulo, Cicilia Peruzzo, esse tipo de jornalismo “se compromete, acima de tudo,  a mostrar o interesse das comunidades onde cada veículo se localiza e visa contribuir com a ampliação dos direitos e deveres da cidadania” .

Não existe um estilo correto para se fazer esse tipo de jornalismo, no caso do RioOnWatch, por exemplo, a intenção é respeitar a voz dos próprios moradores, usando de citações diretas nos seus textos, ou até mesmo publicando textos escritos por eles para serem publicados no site. “Não dar voz a ele, porque ele já tem voz, mas dar visibilidade a essa voz, usar do espaço que a gente tem para essas vozes”, afirmou Luiza Fenizola.

Uma das formas usadas pelo RioOnWatch para poder se diferenciar dos canais habituais foi a de falar de uma forma de jornalismo que abordasse, sempre, boas notícias. “Depois de 2016, a gente tem um foco além das linhas editoriais  que a gente já utilizava, de posicionamento político, mas a coisa das soluções, um jornalismo de soluções, de Positive News”, afirmou a coordenadora de relações públicas da ONG.

Outro veículo que tenta abordar a favela a partir do olhar de quem vive lá dentro é o Observatório de favelas, localizado na Maré, que conta com alguns projetos. Um deles é a Agência Narra, uma escola de jornalismo que conta, atualmente, com 11 jovens de diferentes comunidades da cidade do Rio, que tem como objetivo produzir conteúdo sobre as questões que envolvem os territórios populares e seus moradores. “Acreditamos que isso seja possível a partir do protagonismo dos jovens de origem popular, que possuem em sua trajetória potencialidade para desenvolver narrativas nas quais a favela não esteja à margem, sobretudo diante de um cenário de falta de representação nas mídias e de estigmatização dos corpos pretos, favelados e pobres”, conta Elena Wesley, jornalista supervisora da agência.

Imagem utilizada como logotipo da Agência Narra. /Foto: Divulgação

Dentro da agência, os integrantes passam dez meses trabalhando em projetos especiais, participando de todos os processos jornalísticos, desde a reunião de pauta, até a publicação da matéria, passando também por aulas de técnicas de comunicação e imersões culturais. “No primeiro módulo, falamos sobre a ‘infância na favela: como a nova geração de crianças tem construído sua identidade e afirmado a importância do debate racial’. No segundo módulo, em andamento, a turma investiga as políticas públicas oferecidas pelo sistema socioeducativo no estado do rio”, explica Elena Wesley.

Equipe da Agência Narra./ Foto: Divulgação

“A preocupação é não reproduzir estigmas, não publicar nada que seja do desinteresse dos moradores e de fazer de uma forma responsável, que vá promover as ações e reduzir, de certa forma, o preconceito”. A ação de canais comunitários, que atuam como forças contra-hegemônicas, é essencial na luta contra preconceitos que são reproduzidos em massa e sem responsabilidade pela mídia nacional e internacional. A frase de Luiza Fenizola representa não só a luta do RioOnWatch ou da Agência Narra, mas sim a luta diária dos moradores de favela. Luta por respeito, luta por visibilidade e luta por cidadania.

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