Operação ou opressão?
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Os números da violência no Rio de Janeiro têm crescido de maneira iminente. Segundo dados da Universidade Federal Fluminense (UFF), já são mais de 11 mil ações da polícia do estado desde 2007 até agora (2021), e apenas 1,7% dessas operações foram consideradas eficazes. A mais recente foi a que ocorreu no Jacarezinho na última quinta-feira (6) com 28 mortos no confronto.
Essa investida foi apenas uma das que foram realizadas durante a pandemia, mesmo após a decisão do Supremo Tribunal Federal de restringir essas atividades. O ministro do STF, Edson Fachin, concedeu liminar em uma ação que discutia a legalidade das ações policiais em favelas do Rio de Janeiro, a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, que ficou conhecida como ADPF das Favelas.
Segundo a Corte, apenas casos “absolutamente excepcionais” poderiam deflagrar essas movimentações durante a pandemia. No entanto, com a confirmação dos 27 mortos no Jacarezinho, já são 944 pessoas vitimadas por ações policiais em favelas em meio a pandemia da COVID-19. Esse acontecimento recente fez com que o ministro Fachin remetesse o processo ao plenário para que os demais ministros se manifestassem.
Siddharta Legale, professor de Direito Constitucional da UFRJ e coordenador do Núcleo Interamericano de Direitos Humanos (NIDH), lembra que a justificativa do Ministério Público do Rio de Janeiro para a ação no Jacarezinho foi cumprir mandados de prisão de acusados de tráfico de drogas. No entanto, ele afirma que “Essa justificativa genérica verbalizada na entrevista da equipe de policiais está fora do conceito de ‘absolutamente excepcionalidade’ que pressupõe situações de risco de morte ou liberdade das pessoas, como sequestros ou torturas”.
Bruno Sousa é jornalista e pesquisador de segurança pública, além de um dos co- fundadores e coordenador de comunicação do Labjaca. Ele explica que a violência vai muito além do número de mortos. “A gente percebe que além da letalidade policial, também tem o aumento do uso de força policial com novos equipamentos que são comprados para segurança pública: caveirões, helicópteros, novas viaturas, e todo dinheiro que sempre é gasto com a segurança pública, principalmente aqui no estado do Rio de Janeiro”, finaliza ele.
Para o advogado criminal Erik Torquato a violência policial vai além do estado e está ligada diretamente às autoridades, que propagam um discurso agressivo. Erik afirma que ao longo dos anos a letalidade policial aumentou consideravelmente. “Principalmente nos últimos anos em que o governo Bolsonaro implementou uma política de bandido bom é bandido morto, negação dos direitos humanos e propagação de ódio contra determinados grupos”, completa o advogado.
Ainda sobre esse tema, o advogado aborda as inúmeras pesquisas que vêm sendo realizadas em todo o país para justificar tamanha violência policial. A força brutal policial está sendo objeto de estudos em variadas instituições de pesquisa do país. “Recentemente a UFRJ, observatório de favelas, tem divulgado dados em que mostra que a letalidade policial vem chegando a números dignos de países de guerra.”
A operação no Jacarezinho teve o maior número de mortos da história do estado desde o início do período democrático. Uma cobertura midiática nesse tipo de ação policial tem extrema importância. “Vimos um malabarismo que a mídia hegemônica fez para tentar defender que essa história tinha dois lados e o que a polícia fez era justificável de alguma forma”, lembrou Bruno. Ele ainda justificou dizendo que os meios de comunicação trouxeram pesquisadores de segurança pública que tem pouco contato, ou nenhum contato, com a favela para falar de que forma polícia poderia ter entrado e não ter causado isso.
O coordenador do NIDH ainda afirma que não há uma resposta simples para o que impediu até agora que o Estado do Rio de Janeiro pensasse em políticas de segurança pública menos lesivas e que garantisse uma deferência maior dos direitos humanos. Há diversos obstáculos, como, por exemplo, os de caráter político, social e pedagógico. “Em termos pedagógicos, faltam investimentos públicos mais robustos em institutos de pesquisa, universidades e projetos de extensão na temática de forma contínua e constante para pensar soluções para segurança pública que não sejam simplistas”, concluiu Siddharta Legale.
Créditos da foto de capa: Mulher reage ao lado de corpo durante operação no complexo São Carlos, no Rio de Janeiro. Foto: Ricardo Moraes/Reuteurs (27.ago.2020)
Reportagem: Arthur Vilela | Bruna Bittar | Felipe Rinaldi | Filipe Fernandes | João Pedro Abdo | Júlia Araujo | Laura Tito | Leonardo Marchetti.
Supervisão: Felipe Roza | Juliana Ribeiro | Pedro Cardoso.
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