Dia do veterinário: além da saúde dos animais
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Reportagem de Diana Campos e Yasmim Ribeiro
O crescente número de casos de suicídio entre os médicos veterinários motivou o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado do Rio de Janeiro (CRMV-RJ) à abrir um canal de acolhimento aos profissionais. O “SOBRE(O)VIVER”, desde maio deste ano, trata da vivência e sobrevivência na profissão, visa o suporte e equilíbrio entre a vida emocional e profissional, devido ao aumento dos casos de desânimo, e frustrações na carreira.
A médica veterinária e conselheira do CRMV-RJ, Andréa Marinho, explicou sobre o projeto. “Cuide-se bem para cuidar melhor é a ideia do SOBRE(O)VIVER”. A médica comentou sobre o alto índice de ansiedade e estresse na profissão no Brasil e sobre a fadiga de compaixão, causada pelo contato com a morte dos pacientes, pela frequência dela e pela angústia dos donos. “O objetivo é dar apoio aos profissionais. A medida que o profissional se cuida, ele tem condições de cuidar melhor do seu paciente e dar um maior suporte para o dono”, conclui.
Quando me perguntavam por que eu não escolhi medicina humana e sim veterinária, eu respondia que na primeira eu iria salvar uma vida e na segunda eu tinha chance de salvar duas”
Segundo Anna Beatriz Durão, que cursa o segundo período de medicina veterinária, a diferença entre a medicina humana para a veterinária é evidente.“Em um hospital particular, um médico ganha em um plantão cerca de 6 mil reais enquanto o veterinário ganha 500. É muito desgaste emocional que quase não é recompensado”. Para ela o amor pela profissão surgiu desde criança. “Quando me perguntavam por que eu não escolheria medicina humana e sim veterinária, eu respondia que na primeira eu iria salvar uma vida e na segunda eu tinha chance de salvar duas”.
Ao redor do mundo esse tema também tem sido discutido, de acordo com uma pesquisa realizada em 2010 na Escola de Medicina da Universidade Southampton no Reino Unido, o médico veterinário tem quatro vezes mais chance de cometer suicídio do que a população em geral e duas vezes mais chances que outros profissionais da área de saúde. Em Portugal também foi realizado um estudo com veterinários portugueses que comprovou a ‘Fadiga por compaixão’ – exaustão emocional decorrente do trabalho com indivíduos em sofrimento – como uma das causas desse aumento de índice de profissionais da área querendo tirar a própria vida.
Veterinária há 28 anos, Circe Cabeda comenta as dificuldades da área. “Tem vezes que temos que dizer que não tem o que fazer. Mesmo tentando ficar de fora, a gente se envolve.” Ela afirma que na profissão é responsável por duas vidas: a do animal e a do seu dono. “As pessoas acham que, por você ser veterinário, você precisa tratar todos os animais de rua, se não é um mau profissional”, conta a médica. “Ninguém chega para um pediatra e diz que é obrigação dele adotar uma criança de rua, levar para casa e cuidar. Com o veterinário é diferente, somos desvalorizados e super exigidos ao mesmo tempo, e nos sentimos frustrados por termos limitações emocionais e de espaço”.
Apesar de saber das dificuldades que a profissão reserva, o estudante do Ensino Médio Gabriel Sines, de 17 anos, espera ansiosamente passar para o curso de Medicina Veterinária. Ele afirma que mesmo com os obstáculos da profissão, ele não enxerga o apego emocional como um problema, “eu acho que sou muito frio para essas coisas e sempre vou pensar que estou fazendo aquilo para o bem do animal”. Apaixonado pelas espécies de grande porte, Gabriel se preocupa com a distância que vai ter de sua família, já que o cuidado desses animais é feito em áreas mais afastadas.
Eu escolhi fazer medicina veterinária para fazer algo que eu amo e ajudar o mundo de alguma forma”
Saulo dos Santos Virginio, que cursa medicina veterinária na UFF, Universidade Federal Fluminense, já passa por esse processo. Ele morava em Magé e conta que aos 19 anos decidiu sair de casa para conseguir conciliar a rotina de estudos e as aulas. “A decisão foi difícil, até porque toda a minha vida iria mudar”. Mas, a escolha dele não foi motivada por retorno financeiro, ele conta que optou pela profissão por amor, “eu escolhi fazer medicina veterinária para fazer algo que eu amo e ajudar o mundo de alguma forma.”
A psicóloga Sonia Ignácio Rosa diz que não há uma fórmula para lidar com a perda, o comportamento do cidadão diante de uma situação de perda está embasado nas suas crenças e culturas. Sonia acredita que o olhar pessoal interfere no ambiente de trabalho e que por isso os profissionais lidam de forma diferente com as doenças e mortes. “Nós, profissionais de saúde, não somos os salvadores da pátria. Por mais que o médico faça tudo corretamente, não significa que vai ficar tudo bem. Então eles precisam estar fortalecidos emocionalmente para compreender que não devem se culpar ou se martirizar”
A base familiar e fatores orgânicos também podem interferir nessa maneira de lidar com os desgastes da profissão. “Cada profissional de veterinária tem uma história anterior a prática da profissão, que vai refletir em seu comportamento diante dos momentos de frustrações e perda”, diz Sonia. A psicóloga explica que a síndrome de Burnout é o acúmulo de estresse, pressão e ansiedade e, sendo desenvolvida por profissionais da área, pode resultar em suicídio. Ela orienta ao medico veterinário, que no mês de prevenção ao suicídio, usufrua de momentos de lazer que tirem o foco do trabalho e do estresse a ele agregado, “é preciso que ele entenda que é um conjunto de situações e que não pode limitar-se aos sentimentos gerados pela profissão”.