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Vítimas secundárias do feminicídio: quem cuida de quem fica?

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O Brasil ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio. Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, só no primeiro semestre de 2021, quatro mulheres por dia foram assassinadas por seus companheiros. Nesse contexto, um tema pouco comentado é a questão das vítimas secundárias, que são as pessoas afetadas indiretamente pelo assassinato dessas mulheres.

Na maioria dos casos, as leis não protegem sequer a vítima oficial, deixando-a à mercê até que seja tarde demais. Quando se trata de familiares, o suporte é ainda menor, mesmo com alguns projetos surgindo pelo país. Sendo assim, vira papel de quem sofreu a perda de se tornar a voz e o colo que ajudará quem está na mesma situação.

É o caso de Regina Célia, professora aposentada, que criou o projeto “Quem Ama, Liberta”, focado em divulgar no Instagram os casos de feminicídio no Brasil, após ter sua filha mais velha, Priscilla, assassinada pelo namorado, em 2007, depois de uma briga de ciúmes. “A minha filha foi morta porque disse não, e quem ensinou ela a dizer não fui eu.”, conta a professora. 

Regina conta que em sua busca diária por novas vítimas, a desigualdade social também está presente. Quando se trata da imprensa, existe um corte social que é mais divulgado.  “Eu percebi que até na hora do feminicídio existe preconceito da pobreza, da raça, porque é difícil sair notícia na mídia de mulher preta ou pobre”, comenta. Segundo ela, até mesmo em sua página do Instagram são as mulheres brancas que geram mais curtidas.

A Lei Maria da Penha, sancionada em 2007 pelo ex-presidente Lula, em tese, cria mecanismos para proteger as mulheres da violência doméstica. Fernanda Gomes, mãe de uma vítima do feminicídio, não acredita que essa lei funciona na prática, e usa o caso de José Renan Nascimento Ribeiro como exemplo. Ele matou sua esposa a facadas, 24 horas após ser preso por espancá-la. “Onde está a lei Maria da Penha? Onde ela protegeu essa vida?”, contesta Fernanda.

Além da falta de motivação para superar a fatalidade, as vítimas secundárias ainda precisam lidar com o estresse causado pelo descaso governamental, e também o fato de não existir políticas públicas para auxiliá-las. “O Estado não oferece uma renda extra para você se manter, para você ir adiante com a sua vida. Junto com a sua filha, vítima do feminicídio, você acaba perdendo sua dignidade”, desabafa Fernanda, que, por ter adquirido depressão, não consegue mais trabalhar.

A advogada criminalista Lívia Madeira, aponta que, nesses momentos, a sua função vai além de apenas cumprir com o trabalho no plenário: “O papel do advogado criminalista, do lado da família da vítima é um tanto como de assistente, é para auxiliar de forma sensível a perda daquela mulher”, explica a advogada.

Lívia também fala sobre como esse é um padrão antigo na sociedade machista na qual vivemos, e que quebrá-lo requer acabar com conceitos enraizados, “Para romper com isso, a gente vai ter que romper com a nossa cultura patriarcal, a gente tá falando de anos e anos para trás. É uma dívida que o mundo tem com as mulheres.”

As marcas do feminicídio, principalmente para os que ficam, podem também ser fatais. A professora Regina conta que por falta de qualquer auxílio psicológico do governo, sua filha caçula, Layla, foi quem mais sofreu com assassinato de sua irmã, cometendo suicídio um ano e meio após o crime.

Projetos como o “Quem Ama, Liberta” são iniciativas para honrar a memória das mulheres assassinadas, que eram filhas, irmãs, mães e avós. Regina ressalta que o papel de apoio da sociedade é acolher as vítimas secundárias, “Queremos ser ouvidas. É muito triste ver o tempo passar e nossas filhas esquecidas”.

Reportagem: Luana Maia, Gabriel Rechenioti e Thaís Soares

Supervisão: Amanda Domicioli, Brenda Barros e Lucas Guimarães

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