Crítica: Vidas Passadas
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“Vidas Passadas” é o filme de estreia de Celine Song. Indicado a dois Oscars e diversos prêmios, o longa acompanha a história de dois amigos que se reencontram depois de anos.
Na Young é uma menina ambiciosa que deixa seu país natal e seu primeiro amor, Hae Sung, quando seus pais decidem imigrar para o Canadá. Antes de se mudarem, os pais da menina pedem para ela e sua irmã escolherem um “nome americano”, assim nasce Nora, uma menina coreana vivendo em Toronto que sonha em ser escritora e ganhar um prêmio Nobel.
Quase dez anos se passam, a protagonista, agora residente de Nova York, se torna dramaturga e acaba esquecendo de Hae Sung, somente lembrando dele enquanto conversava com sua mãe sobre sua infância por telefone. Decidida a procurá-lo, Nora o encontra em um comentário publicado no Facebook, no qual ele diz a procurar. A partir desse momento, eles se reconectam e conversam diariamente por Skype.
Em determinado momento, é notável o desejo dos personagens de se encontrar pessoalmente, e em perguntas disfarçadas e despretensiosas, eles percebem que aquilo não seria viável no momento. Ao processar essa realidade, Nora pede um tempo sem contato para Hae Sun, o que marca o segundo desencontro dos protagonistas, que dura pouco mais de dez anos.
Durante essa década a parte, Nora mora por um mês em um retiro para artistas, onde conhece Arthur, um escritor americano com quem ela se casará. O relacionamento deles é estável e transparece segurança, ele se dá bem com os pais dela e aprende coreano. Enquanto isso, Hae Sung, que não aceitou bem a segunda despedida, também conhece alguém, relacionamento que não é explorado, diferente do de Nora e Arthur, que é mostrado e aprofundado.
Doze anos depois, Hae Sung viaja de férias para Nova York, e vê Nora pessoalmente pela primeira vez em vinte e quatro anos. O ponto de encontro é marcado em um parque. O primeiro a chegar é Han Sung, que se mostra nervoso e tenso, mas assim que vê Nora, seu corpo relaxa, como se estivesse voltado a respirar quando pousa os olhos nela.
A diretora faz um jogo de câmera interessante nesta cena, realizando uma releitura de uma das primeiras cenas do filme, na qual os personagens brincam ao redor de duas pedras em um parque. Além disso, ela mostra os personagens em planos separados, mostrando individualmente como cada um deles processa o que está acontecendo.
A partir do primeiro encontro, Arthur percebe como a vinda de Hae Sung chacoalhou a vida de Nora, e começou a se mostrar inseguro sobre seu casamento. Ele reflete que existe um mundo na vida de Nora que é completamente desconhecido por ele. Esse diálogo é ambientado de uma forma íntima, dentro do quarto do casal, que contêm luzes baixas e conversas sussurradas, o que dá uma sensibilidade única para a cena. Ele confidencia a Nora que ela sonha em coreano, e como ele não entende, se sente distante dela.
Eventualmente, os três vão a um bar juntos, e essa cena também é repleta de significados. Eles se sentam com a Nora entre os dois, e ela fica com a função de tradutora durante os primeiros minutos de conversa. Ao traduzir as conversas para os dois, é possível entender que ela também traduz para si mesma o que representa esse reencontro. Hae Sung conhece Na Young, alguém que Nora deixou de ser quando era criança. Ao reencontrar ele, ela se reencontra.
Ao perceber seu papel na conversa, Arthur se afasta um pouco, dando o tempo que os amigos de longa data precisavam. A conversa que se tornou quase uma despedida, é repleta de reflexões sobre vida, amor e destino. O conceito muito bem trabalhado ao longo do filme é o de In Yun, que expressa conexões de outras vidas. Nora e Hae Sung refletem sobre esse conceito aplicando-o no relacionamento atual dos dois. Essa última troca deixa os protagonistas nostálgicos e com uma certa incerteza sobre os rumos que cada um tomou. Eles não se perguntam sobre suas chances em vidas passadas, mas sim na vida atual. O ” E se?” se torna ”Será que?”
Em determinado momento, Nora se levanta e vai ao banheiro, deixando os dois homens sozinhos. A troca entre eles expressa uma inveja extremamente palpável. Arthur tem Nora de uma forma que Hae Sung não tem, e Hae Sung a tem de forma que Arthur nunca terá.
Outro ponto interessante é a cena de despedida deles quando crianças. Esse momento simboliza a diferença nos caminhos que eles tomam, Hae Sung segue andando em linha reta, e anos depois, se enxerga dessa forma ao afirmar que tem uma vida e trabalho mediano. Já ela, sobe uma escada, simbolizando a forma que ela se vê, ousada, satisfeita conquistando várias coisas. Segundo ele, Seol era muito pequeno para ela.
Tratando de forma genial sobre encontros e desencontros, “Vidas Passadas” é uma assistida transformadora. Causa no telespectador uma reflexão pessoal, mesmo que a película mostre uma história extremamente única. Contém interpretações brilhantes e sacadas cinematográficas incríveis. Tudo sobre o filme corrobora para uma identificação profunda, nostálgica e melancólica.
Crítica: Carolina Dorfman
Supervisão: Davi Rosenail e Eduardo Gama