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Crítica: Soul

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“Soul” é um dos filmes mais recentes e premiados da Pixar. O longa estreou no final de 2020 e faturou várias honrarias. Dentre elas, dois Oscars, dois Globo de Ouro e dois Baftas. Em todas as premiações, a produção foi escolhida como o melhor filme de animação. Somado a essa categoria, “Soul” também levou o prêmio de Melhor Trilha Sonora Original nesses 3 eventos que reconhecem as melhores obras cinematográficas da temporada. 

Mesmo sendo uma animação, em teoria, voltada para crianças, o filme dirigido por Pete Docter (mesmo criador de “Up! Altas Aventuras” e “Divertidamente”) aborda questões bastante complexas, mas consegue transmiti-las de forma simples, bem ao estilo Pixar. O longa levanta questionamentos existenciais, como: Qual é a nossa missão na vida? A que realmente deveríamos dar valor? O que é aquilo que nos faz feliz? Já nascemos com personalidades, interesses e uma missão pré-definida? 

Na época do lançamento, em plena pandemia de Covid-19, a produção teve sua data de estreia nos cinemas americanos adiada duas vezes. Estava prevista para estrear em junho de 2020, mas por conta do coronavírus, foi alterada para o dia 25 de dezembro do mesmo ano, no Natal. Além disso, o longa também pode ser considerado um marco de uma nova era digital, em que os streamings atraem uma grande parcela do público. A Pixar decidiu que nos países onde a “Disney +” (o serviço de streaming da Disney) já estivesse disponível, o longa passaria direto e exclusivamente para as plataformas digitais, ao invés de ser lançado antes nos cinemas. 

O filme conta a história de Joe Gardner, um homem de meia idade que é professor de música em uma escola de Nova York. Joe, o primeiro protagonista negro de uma obra da Pixar sonha em ser um músico profissional de jazz em uma banda como o falecido pai. Ao longo da obra, é mostrado que a paixão de Joe pela música floresce graças às experiências que tinha com seu pai, quando iam juntos a várias apresentações quando ainda pequeno. Por outro lado, a mãe do protagonista, que trabalha em uma alfaiataria, nunca apoiou muito o desejo de seu filho, sempre prezando mais por sua estabilidade financeira, visto o sofrimento que seu marido enfrentou por correr atrás de seus sonhos.

A vida que o protagonista leva como professor de música não é fácil. Apesar de ter sido efetivado, garantindo a estabilidade que sua mãe sempre desejou, ele ainda não se sente realizado. Joe recebe uma chance de realizar seu sonho quando um colega, que é baterista de uma banda, o convida para um ensaio teste. Ele impressiona os músicos e recebe uma proposta para tocar junto com a banda de Dorothea Williams, uma renomada musicista de jazz. Joe, mesmo ainda aflito com a reação de sua mãe, corre eufórico pelas ruas de Nova York com a oportunidade quando tragicamente cai em um bueiro e morre. 

Com o acidente Joe é separado de sua alma, que vai parar em uma outra realidade, em que apenas espíritos existem. Todo esse momento tenso e trágico é passado ao espectador de uma forma muito rápida e leve. Sem permitir que haja muita comoção e tristeza, teletransportados para essa nova dimensão, o que pode ser considerado a transição da alma para o Além-Vida. Dessa forma, surge uma questão existencial de difícil compreensão até para os adultos: o que acontece depois da morte? O que é o pós-vida? Ele existe? “Soul” responde e traduz esses questionamentos de uma forma adorável e de fácil entendimento para todos os públicos.

No desespero e com o sentimento de negação de não querer morrer quando finalmente ganhou sua chance, Joe corre para o lado oposto da grande luz que representa o Além-Vida. Na pressa, ele acaba caindo em um novo plano, também só frequentado por almas, mas com um propósito totalmente diferente: o Pré-Vida – a Escola da Vida. Lá é onde as personalidades, os interesses e a missão de vida de cada alma é formada antes de encontrar seu corpo recém-nascido na Terra. Mas, será que as pessoas já nascem com uma personalidade, com interesses e missões pré-definidas?

Joe se recusa a morrer e resolve achar uma forma de retornar à Terra. Para isso, a trama apresenta à personagem que traz novos rumos para a história: a Alma 22. Essa pequena alma, perdeu o interesse pela vida na Terra por não ter encontrado um propósito, mesmo depois de inúmeras tentativas, e se contentou com a rotina que leva no Pré-Vida. “Eu nunca vi nada que me fez querer viver”, diz. Não tendo nada a perder, ambos se propõem a descobrir a missão de 22. Assim, Joe poderia pegar o emblema dela que serve como passe para retornar ao mundo real e 22 poderia “pular a vida”, algo que nunca a interessou.

Durante o processo, Joe é capaz de observar sua própria vida de outra perspectiva e se depara com uma reflexão que serve para o público também: quantas vezes na vida imaginamos estar em busca e vivendo nossos sonhos, quando na verdade estamos apenas esperando uma oportunidade/solução que nunca chega? Estamos ativamente correndo atrás do que realmente queremos ou apenas acreditando e vivendo na ilusão de estarmos para nos satisfazermos? Através das cores utilizadas em determinados momentos, é possível compreender os sentimentos que os criadores do filme querem passar. Por exemplo, quando optam por colocar azuis em cenas que buscam transmitir tristeza e melancolia, ou quando usam amarelo para felicidade e realização. 

Em determinado momento do filme, em meio a algumas tentativas de voltar para Terra, um erro inesperado muda o panorama da história. Joe tem sua alma transferida para o corpo de um gato e 22 fica presa no corpo físico de Joe. Ambos os personagens são forçados a viver experiências extra corpóreas e expandir seus horizontes. O foco dos dois passa a ser consertar toda a confusão, enquanto tentam seguir uma vida normal na Terra.

Em uma linda cena, Joe, ainda no corpo de gato, é capaz de se abrir e desabafar com a sua mãe como nunca antes, graças ao intermédio de 22, que permanecia no corpo do protagonista. Na conversa, a mãe de Joe expressa todas as suas preocupações e angústias com o filho e o futuro: “Acha que sonhar mata a fome de alguém, Joey?”. No entanto, Joe consegue elaborar sobre o sonho e a paixão pela música: “A música é minha razão de viver. E isso me faz pensar que se eu morresse hoje, a minha vida se resumiria a nada”. No fim da conversa, os dois conseguem se entender, estreitando ainda mais suas relações e o amor de um pelo outro. “O Ray teria muito orgulhoso de você, bebê. Como eu sempre tive “, confessa sua mãe. Joe percebe que a maneira com que ele levava a vida o impedia de aproveitá-la ao máximo, criar conexões e de se abrir verdadeiramente com as pessoas que ama. 

Outro momento interessante é quando 22, ainda no corpo de Joe, observa encantada o céu, as folhas caindo de uma árvore, as pessoas passeando pela rua, entre outras coisas. Maravilhada, ela mostra para Joe, que permanece como um gato, as pequenas coisas que coletou e guardou com carinho durante o caminho: o pirulito que pegou no cabeleireiro, a linha de costura da mãe de Joe, etc. Através dessas sensações, situações e experiências cotidianas simples 22 começa a querer passar mais tempo no corpo de Joe. 

A personagem passa a enxergar a vida e a Terra com um outro olhar e começa a considerar que talvez exista um propósito para ela no mundo. Perguntada se estaria animada para regressar à Escola da Vida e quais foram suas opiniões sobre a Terra, a personagem surpreende: “Achava que era um terror. Eu achei que podia ter alguma coisa errada comigo, entende? Um medo de não ser feliz aqui na Terra. Mas agora aprendi sobre propósito, paixão… e se admirar o céu for a minha missão!? Foi a única vez que senti isso”. O longa passa a mensagem de que, mesmo que demore e você se sinta perdido, qualquer um consegue encontrar aquilo que o faz feliz e o motiva a continuar sua missão, por mais boba que seja. 

Em meio a procura de um método para reverter a situação em que se encontravam, 22 e Joe acabam voltando, através de um portal que transporta suas almas para o Pré-Vida. No ato de conclusão do filme, vemos a relação dos dois se estreitarem após uma divergência de interesses. 

No ato final, Joe também questiona uma das entidades do Pré-Vida qual seria o propósito de 22. A entidade responde: “Missão? Propósito? Não existem coisas como essas?” É uma forma sutil e bem humorada da obra responder um de seus próprios questionamentos: nascemos com missões pré-definidas? A resposta é não. Podemos nascer com mais aptidões e interesses por algumas áreas, mas as nossas missões e propósito são definidos a partir de nossas próprias escolhas na Terra. 

Crítica: Alexandre Hid e Pedro Henrique Mello 

Supervisão: Davi Rosenail e Joana Braga

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