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2 Anos de Guerra: O Olhar de Ucranianos que Saíram do País

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Dia 24 de Fevereiro de 2024 completou dois anos desde o ataque russo na região oeste da Ucrânia, evento que marcou o início da invasão russa. Ao longo dos 24 meses de conflito, tropas russas lançaram mísseis em diversas cidades, como a capital Kiev, Kherson e Lutsk. Mesmo após os contra-ataques, os russos foram capazes de ocupar cerca de 18% do território ucraniano, e se preparam para uma guerra longa. O resultado é a maior crise de refugiados do mundo desde a Segunda Guerra Mundial, que conta com mais de 14 milhões de ucranianos hoje longe de suas casas. “É assustador… Quando você percebe que sua família está em perigo e sua casa pode ser destruída a qualquer momento”, conta Anna Tytechko, ucraniana forçada a sair do país com a explosão da guerra. 

No decorrer do conflito, as condições desafiadoras, como a falta de energia, comida e educação, continuam a forçar os residentes a deixarem suas casas. Atualmente, milhares de cidadãos fogem do país todos os meses, sendo majoritariamente mulheres e crianças, uma vez que os homens permanecem no país para compor o exército. Tal grupo de emigrados, porém, está sujeito a exploração e abuso nos países em que a sua proteção não é garantida e o futuro é incerto. Os países que fazem fronteira com a Ucrânia, como Polônia, Romênia, Hungria e Moldávia são os que mais receberam refugiados ucranianos, em especial a Polônia, que asila aproximadamente 60% do número total. 

A saída do país é, muitas vezes, repentina, rápida e assustadora para aqueles que deixam suas casas sem a certeza se irão retornar. Anna, de 16 anos, mora atualmente no Reino Unido e relembra sua fuga para a Polônia e o impacto de ter tudo que você conhece e sua rotina completamente distorcidos de um dia para o outro: “Tudo começou às 05:00 da quinta-feira, quando eu dormia tranquilamente e nem fazia ideia de que algo poderia acontecer. Eu pretendia acordar às 06:45 e ir para a escola. De repente, acordei porque ouvi a palavra “mísseis”. Depois disso, fiquei assustada… Minha mãe entrou no meu quarto e me disse para juntar as coisas mais valiosas”. 

Os eventos do dia que marcou o início da ocupação russa rapidamente desenrolaram: “Na segunda parte do dia, minha família decidiu fugir do nosso país por um período indeterminado. Eu estava confusa, minha mãe estava em choque. Eu tremia incessantemente. Não tínhamos para onde ir, mas entramos em carros com familiares e fomos para a fronteira com a Polônia, o tempo todo ouvindo as notícias, olhando para os tanques e os militares que iam para os combates. Eu só tinha um pensamento na mente: Qual é o destino deles?”. De acordo com Anna, sua vida e a de sua família foram viradas “de cabeça para baixo”, e seu presente e futuro são outros. Hoje, ela estuda e vive em Oxford, sem previsão de retorno para seu país, ao menos enquanto a guerra durar.

Polina Kuzminska, de 17 anos, nasceu e viveu em Kiev até o início do conflito. Sozinha durante a invasão russa na Ucrânia, deixou o seu país de origem e se mudou para Londres, onde sua mãe residia desde 2021, um ano antes da eclosão da guerra. A jovem, ainda que geograficamente distante dos eventos, mantém contato com outros ucranianos que permaneceram no país e tentam, apesar de tudo, seguir suas vidas: “Tenho parentes distantes e amigos que ainda moram na Ucrânia e que enfrentam desafios diários se escondendo em abrigos durante ataques de mísseis algumas horas por dia, enquanto tentam manter o ritmo normal da vida”. O confronto teve um grande impacto na vivência dos cidadãos ucranianos, com mudanças bruscas de realidade: “A guerra me afetou principalmente mentalmente, pois tive que enfrentar a realidade da morte e da violência humana em toda sua extensão em uma idade tão jovem, já que a guerra começou quando eu tinha apenas 15 anos”. 

Polina, no entanto, afirma que a situação conflituosa despertou nela e em outros curiosidade sobre a história do próprio país: “Fez eu e meus colegas aprendermos mais sobre a nossa cultura, história, nosso patrimônio cultural e nos fez perceber o quão gloriosa e rica é nossa cultura, e o quanto há para aprender e iluminar nossas almas”. 

Passados quase dois anos e meio distante de seu país, Polina relata não considerar possível um retorno para sua cidade natal, mas demonstra interesse em visitar o lugar onde cresceu e o desejo em analisar como as coisas estão atualmente: “Imagino que se voltasse para visitar agora, seria como se estivesse quase que em um novo país.” Para ela, ocorreu uma enorme transformação na mentalidade do povo ucraniano, que fortaleceu o sentimento de nacionalismo e união no decorrer do conflito, necessário para sobreviver durante tempos de incerteza e perigo: “É obviamente inegável que, com o estresse constante da vida e da morte devido aos ataques de mísseis russos e em territórios ocupados, os ucranianos se sintam doentes e cansados agora. Mas a diferença é que eles continuam superando esses sentimentos para alcançar coisas inesquecíveis e incríveis. Então, eles continuam glorificando nossa cultura, continuam lutando quando parece que não é mais possível, continuam lutando em batalhas”. 

Os ucranianos permanecem na luta diária para superar as dificuldades de viver em um país em constante estado de risco, e aqueles fora do país levantam as vozes de seus compatriotas, para que denunciem e compartilhem as suas vivências. Mesmo depois de dois anos de invasão e ocupação, existe pouca esperança de um fim das batalhas e de uma declaração de paz. Ainda assim, os afetados buscam unir seu nacionalismo e seu amor por suas tradições para resistir a qualquer tentativa de apagamento de suas histórias. “A guerra ajudou de alguma forma a tornar nosso espírito nacional ainda mais brilhante. Então, vejo que com esse sentimento, só podemos progredir e desenvolvê-lo ainda mais, para que as pessoas da Ucrânia alcancem coisas ainda maiores nos campos internacionais, e assim tornem nossa terra um lugar melhor e esperançosamente livre, independente e sem guerra”, afirma Polina. Desde 2022, todos os 45 milhões de ucranianos espalhados pelo globo enfrentam as consequências da guerra.

Reportagem: Júlia Mota e Julia Novaes

Supervisão: Carolina Dorfman e Eduardo Gama