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O debate da desmilitarização da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro

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Segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), em 2022, 1.327 pessoas foram mortas pela Polícia Militar no estado do Rio de Janeiro. No mesmo ano, 100 policiais foram baleados, 40 foram mortos e 60 ficaram feridos, de acordo com o Instituto Fogo Cruzado. A pauta da desmilitarização da PMERJ tem sido discutida por especialistas, políticos e pela sociedade em geral. Muitos apontam que uma instituição mais próxima da população poderia colocar os oficiais como membros de uma instituição civil, não militar, fazendo com que os policiais tenham os mesmos direitos do cidadão comum.

A PM é um órgão conectado ao exército, ou seja, totalmente hierarquizada. Essa hierarquização é formada por uma pirâmide composta por um ordenamento de autoridades em níveis de poderes diferentes. Na base desta pirâmide estão os soldados e no topo dela os coronéis. Todos estão subordinados a um superior, alguém que tem o poder de dar ordens a quem está embaixo. 

A hierarquização é um debate dentro da corporação da PMERJ, muitos policiais se sentem cercados por não terem a opção de escolha nas ações diárias dos batalhões, e alegam que apenas cumprem as ordens de seus comandantes. “Na teoria, eu acho que a desmilitarização é uma ideia válida, mas na prática, em alguns momentos, temos que fazer coisas que não gostaríamos de fazer mas que não são possíveis devido ao nosso cargo. Devemos respeitar nossos superiores em primeiro lugar devido a hierarquização a que somos submetidos. Eu gostaria que eu e meus colegas tivéssemos mais autonomia no nosso trabalho”, é o que afirma um policial militar que atua em um batalhão na Zona Oeste da cidade do Rio e escolheu não se identificar para esta reportagem.

Sob uma perspectiva teórica, a hierarquização dos serviços de segurança pública nem sempre é considerada negativa, uma vez que busca organizar e promover uma maior eficiência na realização das tarefas. Historicamente, o serviço policial no Brasil remete ao período colonial, caracterizado por uma abordagem militarizada.  No contexto político e social atual do estado do Rio de Janeiro, as forças policiais exercem um controle social sobre uma parcela vulnerável da sociedade.

Dessa forma, a segurança não deve ser discutida favorecendo e criando soluções apenas para um lado da população, segundo a jornalista e deputada estadual Renata Souza (PSOL-RJ): “Os agentes públicos nunca estarão seguros enquanto perdurar essa falsa lógica de guerra na política de segurança pública. Os agentes da segurança pública estarão seguros quando todos os brasileiros também conquistarem essa condição.” No entanto, Renata complementa dizendo que os dados entre os números de pretos mortos e os de policiais mortos no país são uma “abissal desproporcionalidade”.

De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), 87,3% dos mortos pela Polícia Militar no ano de 2021 eram pessoas pretas. Monique Cruz, assistente social e integrante da Justiça Global, analisa que a militarização vai além do armamento: “O uso de armas está relacionado, mas não reduz a militarização a isso. A primeira coisa é que uma sociedade militarizada carrega consigo uma sociabilidade que identifica pessoas como inimigas que precisam ser eliminadas”. A hierarquização contribui para que a população socialmente vulnerável seja a mais prejudicada com as ações policiais. 

Segundo pesquisa do Datafolha divulgada em abril de 2019, 51% dos brasileiros têm mais medo do que confiança na PM (Polícia Militar). Isso mostra que a atuação violenta da polícia tem deixado a população com medo, além de não passar tanta credibilidade para uma parte da sociedade. Porém, de um outro lado, temos uma parte dos cidadãos que defendem esse armamento extensivo tanto da polícia quanto da sociedade civil. Em 2013, o Senado realizou uma consulta pública para discutir sobre o projeto de lei do então Senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que reestrutura o modelo de segurança pública a partir da desmilitarização do modelo policial. A votação obteve 27.386 para sim e 31.561 para não, no entanto a proposta foi arquivada e não seguiu adiante. De acordo com dados do DataSenado, em 2022, 37% dos entrevistados acreditavam que o armamento da população iria contribuir para diminuir a violência.

Países como Argentina, Noruega e Nova Zelândia possuem policiais desarmados nas ruas, com alguns profissionais específicos que ficam armados. O intuito dessa medida não é apenas tirar a arma das mãos dos agentes, e sim tirar esse ideal de belicismo, que vem da própria hierarquização do sistema militar, e que está enraizado na estrutura de defesa de um Estado. Essa medida não tira o poder dos policiais e nem coloca eles em uma situação inferiorizada na população, só estabelece um papel de igualdade dentro de uma sociedade.   

Para Rodrigo Amorim, deputado estadual (PTB-RJ) e presidente da comissão de constituição e justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro (ALERJ), a polícia é um centro de disciplina para que o controle sob os policiais seja absoluto: “Sou contra a desmilitarização da PM porque instantaneamente teríamos uma entropia, uma desordem”. Amorim aponta a possibilidade de uma instabilidade institucional devido ao enfraquecimento da hierarquia, e perda de poder do aparato repressivo do Estado.

Em 16 anos, as áreas dominadas por grupos armados no Rio de Janeiro cresceram em 131%, de acordo com uma pesquisa do Instituto Fogo Cruzado e do Grupo de Estudos dos Novos Ilegalismos, da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF). Segundo dados do g1, em 2023, três fuzis são apreendidos por dia na guerra contra facções. Isso evidencia como as facções estão fortemente armadas diante dos agentes de segurança do Estado, o que torna não só a população vulnerável, como os policiais também. 

A deputada Renata Souza (PSOL-RJ) deixa claro que, não se trata propriamente de uma opinião própria, mas de um acúmulo de resultados de inúmeras pesquisas acadêmicas realizadas nas últimas décadas: “Precisamos, sim, conversar sobre a desmilitarização da PM, sobre a democratização da segurança pública em nosso país, para que conquistemos uma segurança pública destinada à garantia da vida e dos direitos das pessoas e não de proteção e privilégio de alguns às custas da vida, da liberdade e da dignidade humana da maioria.” A deputada argumenta que o modelo atual de segurança pública no Brasil está baseado em estruturas militarizadas que tendem a perpetuar desigualdades e violações de direitos. Segundo ela, é preciso alcançar um sistema voltado para a proteção da vida e dos direitos de todas as pessoas. 

Assuntos dominados por políticas e pensamentos extremistas dificultam o desenvolvimento e progresso no debate dessa pauta. O objetivo acaba sendo defender um pensamento ideológico, ao invés de atingir as necessidades da população mais vulnerável que precisa de ações do governo para essas mudanças.

Reportagem: Davi Barcelos, Lorenna Medeiros e Sarah Soares

Supervisão: Lorenna Medeiros e Pedro Zandonadi

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