A problematização ética do uso do doping em práticas esportivas
Compartilhar
Durante a prática de esportes de alto nível é comum esbarrar com questões que exibem a polêmica do uso do doping para aumentar o rendimento dos atletas. O esporte é considerado uma prática saudável, mas quando realizado em alto nível, pode se tornar prejudicial ao corpo do atleta e alguns optam por aumentar seu rendimento com o uso de substâncias estimulantes.
Um dos primeiros relatos do uso de doping com a finalidade de vantagem corporal aconteceu em 2.737 a.c., quando o imperador chinês Shen-Nung usou da infusão da planta “machuang” para conseguir um efeito estimulante de coragem e ânimo. Cerca de dois mil anos depois, Philostratus e Galeno foram os responsáveis pelo primeiro caso em realizar a práticas em competições esportivas; durante os Jogos Olímpicos da Antiguidade, em 737 a.c., os atletas tomavam chás e comiam diversos tipos de cogumelos a fim de aumentar o desempenho físico.
O Comitê Olímpico Internacional (COI) estabelece o Código Mundial Antidopagem, que foi adotado em 2003 e entrou em vigor em 2004. Segundo o artigo 1 do Código, dopagem é definida como a ocorrência de uma ou mais violações de regra antidopagem previstas do Artigo 2.1 até o Artigo 2.11. Hoje em dia, as principais substâncias usadas são eritropoetina (EPO), para melhorar o desempenho; furosemida, geralmente usada antes de pesagem em lutas, para diminuir o peso do atleta; e anabolizantes, para aumentar a força e massa muscular.
- A QUESTÃO ÉTICA
O fair play é uma filosofia que busca a conduta ética no esporte e, também, é um dos motivos para a implementação da lei antidoping. Ou seja, todos os atletas devem, na medida do possível, competir no mesmo nível, de forma limpa, respeitosa e honesta. O uso do doping vai contra a política de fair play, já que beneficia e modifica o corpo dos atletas que o usa. Dessa forma, eles saem na frente de seus concorrentes nas competições de alto nível e violam o espírito do esporte.
No entanto, existem muitos casos de atletas que foram pegos em testes antidoping, mas que não utilizaram as substâncias de forma proposital. Em casos de lesões, muitos remédios são parte da rotina e do dia-a-dia dos esportistas, então esses resíduos se encontram no corpo dos jogadores mesmo após o final do tratamento, porque o corpo demora para se desfazer do restante das substâncias.
Esse foi o caso de Didi Louzada, jogador de basquete, que atualmente atua no Cleveland Charge, time de basquete da G-League, liga de desenvolvimento da NBA, e filiado do Cleveland Cavaliers. Segundo o atleta, em depoimento dado ao ge, as substâncias foram ingeridas com o uso de vitaminas, que tinham sido recomendadas a ele pela sua nutricionista. Louzada, que teve seu teste positivo para testosterona e drostanolona, afirma que ele não tinha intenção de se dopar e não imaginava que isso poderia acontecer com ele, já que sua nutricionista tem um histórico de trabalhar com atletas. Logo após a confirmação do teste, Louzada prontamente prestou ajuda à liga para que toda a situação fosse resolvida o mais rápido possível, o que lhe custou 25 jogos de suspensão.
(Foto: Divulgação MPC Rio Comunicação)
Didi Louzada, jogador suspenso por teste de doping positivo
O uso do doping durante as competições é mais raro do que entre campeonatos, nos períodos de treino. É isso que afirma Thiago Falcão, treinador de basquete, técnico da equipe 3×3 do Botafogo e criador da Academia de Basquete. “Pensando que um atleta de alto rendimento vai usar substâncias ilegais, com certeza ele será orientado, vai fazer muitos exames e terá um grande acompanhamento médico”, comenta Falcão. Para o treinador, o problema maior está na utilização dessas substâncias por parte de atletas amadores que querem melhorar sua performance a qualquer custo, mas que não têm orientação médica o suficiente.
Ainda na questão ética, recentemente o Botafogo publicou uma nota por meio da assessoria de imprensa e divulgada pelos setoristas a respeito de uma “visita aleatória da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem”. A manifestação do clube se deu por conta de uma suposta alegação de prejuízo na preparação para o jogo decisivo que faria contra o Santos, válido pela penúltima rodada do Campeonato Brasileiro.
“A checagem levou seis horas e impactou a sequência da programação da equipe prevista para o dia e as atividades no hotel de concentração, impedindo que alguns jogadores chegassem a tempo de reunião técnica”, afirma o clube. A declaração ainda deixa claro que o Santos teve dois dias a mais de preparação para o jogo decisivo e que o clube carioca foi prejudicado.
No comunicado, o Botafogo deixou claro que confia nas entidades e acredita no jogo limpo, mas levantou suspeitas a respeito do momento escolhido para a realização dos exames, por conta de fatores extra-campo e os adversários envolvidos. Por último, o clube ainda ressalta que existem pressões na CBF por parte de outros dirigentes em relação a arbitragem que podem influenciar no jogo, levantando questionamentos a respeito da motivação da realização dos testes antidoping.
- PROBLEMAS PARA A SAÚDE DO ATLETA
Para além do aumento do rendimento físico, o doping põe em risco a vida do próprio atleta. É comprovado cientificamente que a prática sobrecarrega o sistema cardiovascular, fígado, aumenta os níveis de colesterol e potencializa a proliferação de células cancerígenas.
O médico do esporte Gilson Bastos, esclarece que o doping é caracterizado pelo uso de substâncias que podem alterar a resposta do corpo frente a um estímulo. Além disso, os medicamentos psicoativos são os mais danosos a longo prazo e funcionam no corpo da seguinte forma: “eles dão a sensação de euforia ou a sensação de aumento da disposição a uma atividade física, aumentando a performance do atleta”. Alguns dos efeitos colaterais são as alucinações, paranoias e doenças cardiovasculares.
O efeito para uma substância considerada como doping passar varia bastante de acordo com a composição química dela. O médico esclareceu que a resposta é pontual para cada um dos medicamentos e depende muito da farmacocinética, ciência que estuda a atividade de cada substância no interior do organismo e sua toxicidade. Algumas drogas deixam mostras no corpo e podem ser rastreadas após um longo período do uso, no caso da cocaína, por exemplo, segundo o doutor Bernardino Santi (especializado em esporte) “Os métodos laboratoriais modernos permitem detectar sinais das drogas até um ano depois de suspenso o consumo”.
Inclusive, recentemente, uma situação envolvendo o atleta Victor Sá, do Botafogo, que teve uma lesão nas costas após uma partida, chamou atenção em relação ao assunto. Mesmo recuperado, o jogador foi deixado de fora pela comissão técnica por conta do uso de um remédio que poderia ser detectado no exame antidoping. A situação envolveu também toda uma questão ética, já que o Botafogo avisou a CBF a respeito do uso da substância no tratamento do atacante, que autorizou o procedimento.
- PRINCIPAIS CASOS DE ATLETAS BRASILEIROS ENVOLVIDOS EM DOPING
A campeã olímpica no judô, Rafaela Silva, se envolveu em um escândalo nos últimos jogos Pan-Americanos. A atleta fez o uso de uma substância chamada fenoterol, que gera um aumento de performance por conta do remédio melhorar a troca gasosa entre o sangue e o pulmão. A judoca foi julgada, perdeu a medalha de ouro conquistada no torneio e foi punida de participar das Olimpíadas de Tóquio.
Rafaela Silva, campeã olímpica acusada de doping (Wander Roberto/COB/MF Press Global)
Gilberto Amauri de Godoy Filho, o Giba, foi mais um atleta brasileiro envolvido em uma situação de uso de doping. Em dezembro de 2002, o jogador estava atuando por um clube italiano quando foi descoberto o uso de cannabis sativa (maconha), que ainda era proibida na época e foi suspenso pela Federação Italiana por dois meses. A pena foi considerada branda, visto que, nas regras oficiais da Agência Mundial Antidoping, o brasileiro poderia ter ficado até dois anos sem poder atuar.
foto: Maurício Val
Outro caso que chama a atenção é o de César Cielo, nadador histórico do Brasil. O atleta foi flagrado pelo uso de furosemida, que basicamente funciona como um remédio que esconde outras substâncias proibidas. A questão moral se faz ainda mais presente, na medida em que o campeão olímpico fez o uso de uma substância que atrapalha o trabalho dos exames antidoping. A punição do atleta também foi leve e ele pôde competir no Mundial do mesmo ano (conquistando duas medalhas de ouro) e nas Olimpíadas de 2012, conseguindo uma medalha de bronze.
Foto: Satiro Sodré / SSPress / CBDA
Reportagem: Guilherme Dias, Henrique Fontes e Maria Eduarda Martinez