A ascensão do populismo autoritário e o declínio da Democracia brasileira
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Índices apontam enfraquecimento do regime democrático no Brasil
O período em que o Brasil esteve mais próximo de atingir um regime democrático pleno ocorreu quando ele foi governado por uma mulher; o início do declínio da democracia ainda em ascensão, também. De acordo com o relatório elaborado pelo Economist Intelligence Unit (2021), o Democracy Index, o Brasil ocupa a 47º posição no Ranking Global de democracia e é atualmente classificado como regime democrático falho.
A pesquisa, realizada desde 2006, categoriza o regime democrático em uma escala de 0 a 10, considerando 60 indicadores que estão divididos em cinco categorias: processo eleitoral e pluralismo; liberdades civis; o funcionamento do governo; participação política; e cultura política. Segundo o relatório, o Brasil vive um regime de democracia falho. O que significa que, apesar de ter eleições democráticas e direitos básicos assegurados, o país possui problemas de governança, restrições na liberdade de imprensa e baixos índices de participação política.
Em 2014, durante o governo de Dilma Rousseff, o país atingiu a pontuação de 7,38, o maior número ao final de um mandato desde 2010, quando o país obteve 7,12 com o segundo governo Lula. De acordo com os dados, o índice da democracia brasileira caiu exponencialmente em 2016, ano em que o país sofreu um processo de impeachment . A destituição da primeira mulher presidente do Brasil representou o prenúncio da derrocada da prematura experiência democrática brasileira pós ditadura militar. Estava aberto o portal do autoritarismo brasileiro.
No dia 31 de agosto de 2016, após a cassação do mandato de Dilma, o até então vice, Michel Temer, foi empossado oficialmente como presidente da república. O início do governo de Temer foi marcado pelo pior índice de democracia desde que o relatório do The Economist foi criado. Isso porque, um processo de impeachment por si só representa uma enorme fragilidade em um sistema democrático. No caso brasileiro, no qual este processo foi questionado e denominado como golpe por parte da população, a fragilidade se revelou ainda maior. O país, que em 2016 tinha uma nota de 6.79 no indicador “ Funcionamento do governo”, terminou o ano de 2018 com 5.36 no mesmo parâmetro.
Apesar de alarmante, este não seria o cenário mais instável do país desde a redemocratização. Nos três anos do governo Bolsonaro (2019-2021), o Brasil obteve um dos menores números nos indicadores de liberdade civil, funcionamento do governo e também na média geral. Ao final do primeiro ano do mandato, Bolsonaro levou o país a uma colocação até então inalcançada: era a primeira vez que o Brasil ocupava a 52 posição no ranking das democracias globais, o pior resultado do país desde que o relatório foi criado.
As vantagens de ser presidente em uma democracia falha:
Não é novidade que o presidente Jair Bolsonaro gosta de usufruir dos benefícios de sua posição, tanto é que colocou sob sigilo o escândalo das rachadinhas envolvendo seu filho Flávio Bolsonaro. O recurso do sigilo foi viabilizado durante o governo Dilma via Lei de Acesso à Informação (LAI). O mesmo foi feito para manter em segredo seu cartão de vacina, o que apenas reforçou a postura negacionista de Bolsonaro, que caminhava lado a lado (ideologicamente) do presidente norte-americano Donald Trump.
Bolsonaro também utilizou do espaço e visibilidade para fortalecer sua rede de apoio e questionar o Supremo Tribunal Federal (STF), que constitui um dos pilares da democracia. Dentre uma série de ataques a ministros do STF e questionamentos acerca da segurança das urnas, as alianças do presidente com figuras controversas também repercutiram. No domingo (23), às vésperas da eleição presidencial, seu aliado político, Roberto Jefferson, foi detido após atirar e lançar granadas contra oficiais da Polícia Federal. Bolsonaro tentou se desvencilhar de Jefferson, mas, a proximidade entre os dois já contava com registros fotográficos e não pôde ser desmentida.
De acordo com o Democracy Index, a crescente fragilidade das democracias da América Latina deu espaço para o crescimento de líderes populistas como Jair Bolsonaro. A pesquisa também cita o episódio em que o atual presidente exigiu o afastamento de dois membros do Supremo Tribunal Federal. E também menciona os questionamentos do presidente acerca das urnas eletrônicas, entre outros ataques ao Estado Democrático de Direito.
A menos de duas horas para o fim do segundo turno da eleição presidencial, o Brasil se encontra em um momento decisivo, não só para os próximos quatro anos, mas também para o futuro da democracia brasileira. Apesar dos avanços apontados no relatório entre os anos de 2007 e 2014, o país nunca saiu da categoria de “Democracia Falha”. O cenário atual, entretanto, é o mais instável – e também perigoso – desde a redemocratização. O Brasil, que em 2014 chegou perto de se tornar uma democracia plena, vive hoje uma escolha complexa, mas que não precisa ser difícil: retomar progresso democrático ou retroceder ainda mais.
Reportagem: Isabela Garz e Isadora Ferreira
Supervisão: Clara Glitz, Gabriel Rechenioti e Maria Eduarda Martinez
Gráficos: Isabela Garz e Isadora Ferreira