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Qual é o papel da comunicação comunitária quando a vida está em jogo?

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A mesa “Vozes do território: como construir um jornalismo comunitário forte e participativo?”, que encerrou a Semana do Jornalismo, teve o seu foco radicalmente alterado devido a megaoperação que ocorreu no Rio de Janeiro nesta semana. O debate originalmente pensado para refletir sobre a construção de veículos fortes, transformou-se em um encontro urgente sobre a práticajornalística na linha de frente do terror. Estiveram presentes Renê Silva, fundador do Voz das Comunidades e apresentador da TV Globo, Jéssica Pires, que colabora com a comunicação institucional do Redes da Maré; e Tatiana Lima, coordenadora de Jornalismo e editora-chefe do Jornal Fala Roça. Juntos, eles compartilharam as dificuldades de uma cobertura realizada por quem é a voz, os olhos e os ouvidos de sua comunidade.

A violência do Estado, manifestada na ação policial mais letal da história do Rio de Janeiro, ocorrida na última terça-feira (28) onde segundo dados oficiais, ocasionou 120 mortos e 113 presos. A cobertura ressaltou a importância da comunicação comunitária como uma ferramenta vital de denúncia e proteção. Nesse sentido, o papel de quem comunica a partir do território é garantir que as vozes de quem vive a realidade das favelas não sejam apagadas.

A mudança de direção na proposta de conversa planejada para o encontro foi uma declaração de responsabilidade ética. Nas palavras do mediador Miguel Andrade era “Impossível e irresponsável não mudar o foco”. Essa postura reflete a tese central defendida pelos convidados, que o objetivo primordial do jornalismo comunitário é refutar a narrativa oficial. Enquanto a grande mídia muitas vezes enquadra essa violência como uma guerra, os comunicadores estão nos territórios documentando o que, para eles, é uma política de segurança baseada no sangue e no terror do povo favelado.

Renê Silva e Jéssica Pires a esquerda, acompanhado de Tatiana Lima e Miguel Andrade, durante a mesa realizada de forma remota na Semana do Jornalismo ESPM-Rio.

Renê Silva, que fundou o Voz das Comunidades, reforçou essa necessidade de presença e autoria. “A gente não pode esperar que o jornalismo de fora conte o que a gente tá vivendo. Nosso papel, no Voz das Comunidades, é ser os olhos e os ouvidos do território para que a versão de quem sangra não seja ignorada,” pontuou o comunicador, destacando que seu veículo estava cobrindo as áreas mais afetadas do Complexo do Alemão e Penha em tempo real.

Em operações que transformam os territórios em zonas de guerra, comunicar passa a ser um ato de coragem. Estar na linha de frente é enfrentar a tensão e a incerteza dos momentos de crise, e ainda assim seguir em busca da verdade. Sem apoio financeiro e reconhecimento institucional, muitos veículos comunitários sobrevivem do esforço coletivo e da dedicação de quem acredita no poder da comunicação como ferramenta de transformação.

A atuação do jornalismo comunitário oferece uma possibilidade para parte da população encontrar espaço e discutir assuntos que são de seu interesse, mas que nos grandes veículos de comunicação não são abordados, e quando aparecem, são apresentados de um jeito que não representa a realidade. Além disso, essa modalidade de jornalismo contribui de forma importante para a democracia. Como afirmou a coordenadora de jornalismo Tatiana Lima: “A gente não é meramente um segmento, uma categoria de jornalistas. A gente é sobretudo o sustentáculo da democracia desse país.”

Apesar das dificuldades, a atuação não se restringe a retratar somente as histórias negativas, mas também a potencializar aquilo que há de bom no território. Tatiana Lima acrescentou que, além da narrativa, o jornalismo local constrói “uma ética com uma construção coletiva, uma vivência comunitária.” Ela lembrou que registrar experiências exige atenção às demandas urgentes e a criação de redes de resistência dentro do território. A cobertura inclui eventos culturais, memórias da comunidade e iniciativas que transformam a realidade local, garantindo visibilidade a pessoas que, segundo Tatiana, “normalmente não são protagonistas nas narrativas tradicionais”.

 

Capa: Lenon Felício

Reportagem: Luisa Teixeira

Supervisão: Vinicius Carvalho

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