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Rosana Mendes

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As ruas íngremes não parecem ser desafio para quem desce e sobe o morro do Cantagalo todos os dias. A correria das crianças e suas risadas, é sinfonia  do horário de almoço na favela. Ao acompanhar os sorrisos delas, segue-se o caminho até o Harmonicanto, ONG que oferece aulas de canto e reforço escolar para as crianças na Comunidade, a partir das duas horas da tarde. As crianças ficam em frente a Ong enquanto esperam a porta coberta por jeans reciclados ser aberta. Empolgadas, falantes e às vezes briguentas. É nesse horário que Rosana chega com as chaves.  

Rosana Mendes, aos 45 anos, tem cinco filhos, já é avó, e esteve como voluntária quase a vida toda. Hoje atua no Harmonicanto como professora e duas vezes por semana como voluntária no reforço escolar da noite. Ao contrário da maioria dos voluntários, Rosana não conheceu o projeto por uma apresentação musical. Mas na mesma Igreja que ajudou a construir 36 anos antes, quando levou seus filhos para uma bandinha que funcionava no porão, apoiada pelo colégio Notre Dame. Cássia Oliveira, hoje com 61 anos e fundadora do Harmonicanto, era quem lecionava música para as crianças da favela. “Me viu bem atrapalhada com tantas crianças, e ofereceu ajuda. Aceitei. E ela está comigo até hoje”, lembra Cássia.

Cássia e Rosana na festa junina da ONG| Foto: Yasmim Ribeiro

Esse projeto da bandinha, depois de perder o apoio do colégio, virou o Harmonicanto. “Contar tempo é complicado, eu não fico contando, porque eu faço o que eu gosto, e aí o tempo passa com um prazer danado”. Ela esteve lá desde 2006, e continua atuando no projeto, ainda praticamente como voluntária. O dinheiro que recebe para dar aulas não seria suficiente para pagar suas contas caso não contasse com a ajuda do marido, que abriu uma ótica no Cantagalo. “Admiro a perseverança dela no trabalho no Harmonicanto, mesmo sem garantia de salário”, é o que diz Cláudia Noronha, 48 anos, assistente social no projeto.

 Contudo, ao descer para o asfalto, está fadada a ser o que todo nascido e criado na favela é nesta sociedade: invisível. Circular nas lojas de Ipanema pode despertar o preconceito que mora a poucos metros. Por isso, Rosana se transforma à medida em que se aproxima ou se afasta do morro. No morro, pergunta dos filhos da vizinha e acena para quase todos, parecendo até celebridade. Já no asfalto, recebe olhares desconfiados e experimenta o distanciamento, quase inexistente na comunidade.

Rosana e as crianças do Harmonicanto| Foto: Acervo da ONG

Rosana acredita na força da favela. Para ela, é preciso pensar no verdadeiro sentido de fazer pelo outro. “Ela entende que transformando o mundo a sua volta você transforma sua realidade”, diz Alexandre Santos, de 47 anos, ex-presidente do Harmonicanto. Em julho de 1994, a ânsia por um futuro melhor para os filhos fez com que Rosana se mobilizasse pelas outras famílias. “Depois que eu fui mãe eu voltei a olhar para minha comunidade”.

Segundo Rosana, a comunidade era muito solidária. “Ajudávamos a construir casas de vizinhos. Quando a ventania destelhava as casas, que eram feitas com telhas de zinco, lata aberta e madeiras encontradas por aí, as pessoas se juntavam para isso”. Para ela, atualmente, muito desse sentido de comunidade está perdido, as pessoas vivem mais para si: “A comunidade se dividiu e não conquistou nada”.

“Uma coisa que eu nunca pensei foi ser professora, mas acabei me descobrindo”. Rosana, que estudou em escola pública  quase a vida toda, descobriu a profissão quando com 19 anos foi trabalhar na creche comunitária do Cantagalo. ”Eu sempre soube que seria muito frustrada se não fizesse o ensino superior, uma semente plantada pela minha mãe”. Começou a estudar em fevereiro de 2007, e sua quinta filha nasceu em abril. “Não quis parar de estudar, porque se eu parasse não voltaria”. Fez o superior e a Bruna, hoje com 11 anos, nasceu prematura e esteve internada no CTI. “Aos trancos e barrancos eu fiz”, afirma.  

Mulher negra, moradora da comunidade, mãe e avó: ela multiplica sua experiência de vida e conhecimento, assumindo um compromisso com o bem-estar alheio. Rosana chegou a iniciar uma pós-graduação em psicopedagogia, por ter percebido, no reforço escolar do Harmonicanto, muitas crianças com dificuldade de aprendizagem. “Eu me senti na obrigação de estudar para entender essas dificuldades e conseguir ajudá-las”, lembrou. Mas ela não conseguiu terminar, mesmo sendo bolsista, não conseguiu dar continuidade. Os gastos eram muitos e o momento familiar não contribuia para uma boa aprendizagem. “Eu ainda vou fazer a pós”. É outro sonho que não morreu.

Perseverante. Ela não deixa sua realidade endurecida, endurecer o ser dela.  “Ela consegue ser tudo mesmo sem ter nada material, ela não se revolta, ela não esmorece, ela não sucumbe a tentação,ela persevera.”, diz Alexandre. Assim, Rosana cumpre o legado que assumiu: dar esperança de um futuro melhor para as crianças da comunidade. “Eu não faço nada para as outras pessoas acharem ‘Á que legal, que boazinha’, eu faço porque eu gosto, me dá um prazer imenso, fazer o que eu posso para ajudar o outros”.

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