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Zuzu Angel: a mãe e a moda

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Zuleika de Souza Netto foi uma estilista e designer mineira, nascida em 5 de junho de 1921. Casou-se em 1940 com o americano Norman Angel Jones, com quem teve três filhos. Mesmo se divorciando em 1960, continuou usando o sobrenome do ex-marido em seu nome artístico, Zuzu Angel. Pioneira em uma linguagem genuinamente brasileira na moda, também ficou conhecida por sua busca pelo filho mais velho, Stuart Angel Jones. Ele era membro do MR-8, uma organização política pró luta armada, e foi preso, torturado e assassinado pelo regime militar brasileiro em 1971. 

Esse ano, comemoramos o centenário de Zuzu, que morreu prematuramente em um acidente de carro em 1976 na Estrada Lagoa-Barra, saindo do antigo Túnel Dois Irmãos, que hoje leva seu nome. Inicialmente tida como acidental, a morte da estilista foi posteriormente atribuída à Ditadura Militar, a qual criticava publicamente desde o desaparecimento do filho. Seu ativismo político também se materializou em seus trabalhos no mundo da moda e deu visibilidade internacional aos crimes cometidos pelo Estado brasileiro durante os Anos de Chumbo

 

 A MODA

“Eu sou a moda brasileira” – Zuzu Angel 

No final da década de 1950, Zuzu Angel começou a confeccionar saias artesanalmente em sua residência como uma fonte de renda extra. Após o fim do seu casamento com Norman, ampliou sua produção e passou a sustentar seus filhos com os rendimentos obtidos de seu trabalho como estilista. Com poucos recursos, usou inicialmente materiais baratos como brim e tecido para forragem de colchões. 

Conforme explica Lilyan Berlim, designer e cientista social, desde o início Zuzu já trabalhava com conceitos localistas na sua obra e pode ser considerada uma das estilistas que mais teve o “timbre da brasilidade”. “Ela trabalhava com fitas e rendas brasileiras, motivos brasileiros, bordados de flora e fauna brasileiras, e ela tinha um jeito muito específico de trabalhar elementos do cotidiano”, reitera a designer.  

Com essa perspectiva não-colonizada, Lilyan considera que Zuzu consegue uma moda profunda e genuína ao trazê-la para um contexto brasileiro. A estilista mineira também sempre se mostrou inventiva com seu material de trabalho. Um exemplo disso, foi a idealização do Polybel, um tecido que mesclava fibras de algodão e poliéster, produzido em parceria com a fábrica de tecidos Dona Isabel na década de 70. 

É nesse período também que o trabalho de Zuzu Angel ganha os olhos do mundo. Em 1971, realiza um desfile no consulado brasileiro em Nova York, no qual denuncia o desaparecimento do seu filho Stuart. Suas criações, para aquele dia, tinham estampas de canhões, pássaros engaiolados, anjos amordaçados e vários elementos que representavam e transpareciam a conjuntura política do Brasil e a angústia de uma mãe.

 

A MÃE

“Minha senhora, esse é para mim um assunto doloroso e sei que deverá ser ainda mais doloroso para a sra. Não é fácil descrever as coisas de forma tão crua, mesmo sabendo que estarei destruindo a esperança que, por mais irreais que possam ser, sempre permaneceram com uma mãe aflita pelo desaparecimento de um ente querido.” – Trecho da carta que Zuzu Angel recebeu de Alex Pollari, companheiro de cela do filho, na qual confirmava a morte de Stuart Angel. 

Além de estilista, ela foi uma mãe que entregou sua vida e sua obra à busca de informações sobre o paradeiro do filho, dado como desaparecido político em 1971, e cujo corpo nunca foi encontrado. Durante esse tempo, fez diversos desfiles denunciando a Ditadura Militar e começou uma luta incansável por Stuart e pelo direito de sepultá-lo. Após receber a carta de Alex Pollari, às vésperas do Dia das Mães de 1972, ela preencheu as lacunas que faltavam e passou a direcionar seu ativismo à busca pelo corpo do filho. 

No texto, Alex também entrou em detalhes sobre como a tortura ocorreu. Ele diz que amarraram o filho de Zuzu a um carro, com a boca colada no tubo de escape, enquanto o arrastavam pelo pátio da base aérea do Galeão, sendo depois abandonado implorando por água. Depois de anos tentando encontrar os responsáveis e buscando o corpo de Stuart, Zuzu sofreu um acidente fatal no túnel da Estrada Lagoa-Barra, que hoje é nomeado em homenagem a ela. 

Em 1998, suas filhas, Hildegard e Ana Cristina, foram aliviadas com a verdade: a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (CEMDP) concluiu que a morte havia sido proposital e planejada por agentes da repressão. Posteriormente, em 2020, mais uma vitória: após quase uma década de embate judicial, as certidões de óbito de Zuzu e Stuart foram retificadas e uma indenização foi paga às filhas da estilista.  

Conforme explica Lucas Pedretti, pesquisador que auxiliou nos trabalhos da  Comissão Estadual da Verdade do Rio de Janeiro, o caso de Zuzu Angel gerou muito conflito da CEMDP, com alegações, por parte dos militares, de que não havia indícios de participação de agentes do Estado. Contudo, ele ressalta: “Essa polêmica se dá fundamentalmente porque eles sabiam do grau da repercussão do caso e do peso simbólico que teria esse reconhecimento.” 

Zuzu Angel era uma pessoa pública, conhecida por seu trabalho e com boa interlocução em espaços da elite da época. Usou de seu status e construiu um ativismo político emblemático. As vitórias mais recentes de suas filhas, mesmo vindo do Poder Judiciário que é um ambiente hostil à reparação de danos causados pelo regime militar, são significativas e refletem a luta travada por ela ainda em vida. Sua força como mãe e sua genialidade como estilista nos levam à mesma pergunta feita por Chico Buarque e Miltinho (MPB-4) na canção Angélica, composta em homenagem a Zuzu após sua morte: “Quem é essa mulher?”

*Todas as imagens fazem parte do acervo do Instituto Zuzu Angel.

Reportagem: Brenda Barros | João Pedro Abdo

Supervisão: Gabriela Leonardi | Letícia de Lucas

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