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Um mês da tragédia no Rio Grande do Sul – Os aprendizados e alertas da catástrofe para o Rio de Janeiro

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Foto: Gustavo Mansur / Palácio Piratini

As consequências das chuvas e dos alagamentos no Rio Grande do Sul continuam a impactar a vida das pessoas afetadas. Segundo o último boletim divulgado pela Defesa Civil do estado neste sábado (01/06), já são 171 vítimas em decorrência dos temporais e das cheias que assolam a região há um mês. Conforme explicado por especialistas, entender como esse desastre ocorreu, se era possível evitá-lo, além de buscar medidas de prevenção e enfrentamento são atitudes que outros estados, como o Rio de Janeiro, precisam fazer nesse momento.

Desde o dia 29 de abril, quando as fortes tempestades começaram a atingir o Rio Grande do Sul, o estado tem enfrentado uma difícil realidade. Além das mais de cem fatalidades, 43 pessoas ainda estão desaparecidas, 806 feridas e mais de 600 mil estão fora de suas casas, com a soma dos números de desalojados e desabrigados nesta catástrofe. O estudante de Meteorologia pela Universidade de São Paulo (USP), Rafael Paiva, afirma que essa época do ano é propícia para a ocorrência de tempestades no sul do país, porém o cenário foi intensificado por alguns fatores. “Uma corrente de umidade e o bloqueio de um anticiclone que se formou no sul do Oceano Pacífico, responsável por frentes frias, durou vários dias e manteve muita nebulosidade presente, intensificando os efeitos das chuvas na região”.

Considerada a maior tragédia climática da história do estado e com mais de 2 milhões de indivíduos afetados, os estragos e a devastação escalaram muito rapidamente. Em menos de uma semana, o número de óbitos, 55 na ocasião, já tinha ultrapassado o da tragédia ambiental que aconteceu em setembro de 2023 no próprio estado, quando 54 pessoas morreram em razão das enchentes. Nos dias seguintes, barragens e pontes colapsaram, lagos e rios inundaram e atingiram níveis inéditos. Partes significativas de cidades ficaram embaixo d’água, com cidadãos em situações deploráveis e de risco, após perderem suas casas, ou serem forçados a sair. 

Grande parte da população ficou sem água potável, sem energia elétrica, internet e sinal de telefone. Além das residências e prédios, a infraestrutura das cidades foi prejudicada e os aeroportos foram obrigados a fechar temporariamente. Segundo a Defesa Civil, pessoas também morreram devido às descargas elétricas, aos deslizamentos de terra e às doenças decorrentes da contaminação da água, como hepatite A e leptospirose. O setor agropecuário e o turismo já percebem as dificuldades para a reestruturação das cidades e recuperação da economia.

Sobre a dificuldade da meteorologia em prever eventos dessa magnitude, Fabio Hochleitner, pesquisador do Laboratório de Métodos Computacionais em Engenharia (LAMCE) da COPPE/UFRJ, garantiu que não é um problema de previsão: “É inviável ser 100% preciso ao prever o tempo, visto que é realizada em função de diversos fatores. Tudo que acontece em certa região depende diretamente das interações complexas entre múltiplos agentes atmosféricos, ou seja, ações e reações locais acontecerão de acordo com o que ocorre no planeta”. 

A colaboração de órgãos federais, estaduais e municipais é outro fator importante na previsibilidade do tempo. De acordo o Instituto Nacional de Meteorologia (INMET), dependendo do tipo de previsão que esses órgãos realizam, serão obtidos resultados distintos:

1) De grande escala – um olhar mais geral, fenômenos de maior magnitude (frentes frias, El Niño, La niña, etc), com a capacidade de afetar uma região, ou um país inteiro. Emissão de alertas com 10 a 20 dias de antecedência podem ser enviados às áreas possivelmente afetadas;

2) De média escala – conforme se aproxima o dia para determinado evento, geralmente com uma semana de antecedência, as análises se tornam mais refinadas e detalhadas, sendo possível aferir com mais precisão quais estados serão atingidos.

3) De pequena escala – esse processo segue progressivamente, então quanto mais próximo da ocorrência de um fenômeno, mais precisas são as previsões. Para isso, se tornam necessários profissionais capacitados e instrumentos de observação, como radares meteorológicos, que ajudam a prever onde devem se formar núcleos de chuva, método que acontece, normalmente, 6 horas antes do evento climático. 

A catástrofe no Rio Grande do Sul não teve problemas em sua previsão, pois as fortes tempestades no sul do país foram previstas e alertadas. As previsões meteorológicas indicavam intensas precipitações entre final de abril e início de maio. Porém, tanto para Rafael quanto para Fábio, a prevenção e contenção de eventos desse calibre é complexa e envolve diversos pontos que precisam ser analisados. Para eles, nenhuma obra, ou estrutura evitaria as chuvas e as inundações subsequentes. O estudante de Meteorologia, Rafael Paiva, enxerga que era preciso muito mais do que, somente, a emissão de alertas. “É preciso viabilizar opções para a população se proteger em situações como a que vimos”.

O estado do Rio de Janeiro já enfrentou desastres causados por fortes chuvas, como a tragédia na Região Serrana, que afetou, principalmente, os municípios de Nova Friburgo, Petrópolis e Teresópolis em 2011. Em Nova Friburgo, o Inmet registrou mais de 200 milímetros de chuva em oito horas. Essa ocasião é registrada como um dos maiores desastres climáticos do Brasil e resultou em mais de 900 mortes e no desaparecimento de mais de 300 pessoas, além do desalojamento de milhares de vítimas. 

O evento fez com que o Governo Federal criasse o Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), responsável pela prevenção e gerenciamento de desastres naturais. A média de precipitação acumulada para o mês de maio entre o período de 1961-1990, no Rio de Janeiro, foi de cerca de 75 mm, o que representa, aproximadamente, 1/14 da quantidade de água que atingiu os municípios de Fontoura Xavier, Caxias do Sul, Cerro Branco, Guaporé e Sinimbu no RS, cujas medições realizadas pelo Cemaden, Inmet e Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) apontam, até o momento, índices acumulados superiores a mil milímetros nas cidades citadas. 

Com o exercício de imaginar como o Rio de Janeiro responderia caso as mesmas proporções de chuvas atingissem o estado, Fábio e Rafael acreditam que os estragos seriam imensuráveis, mas por diferentes razões. Os fenômenos que acontecem no Rio Grande do Sul são diferentes daqueles que transcorrem no Rio de Janeiro, pois têm características e configurações bem distintas, não só por conta do comportamento da atmosfera nas duas regiões, como também devido às questões topográficas. Através de uma visão meteorológica, Fábio Hochleitner analisa que um evento como o que aconteceu no sul do país dificilmente ocorrerá no estado do Rio. “Dias seguidos com chuvas acima da média, dificilmente vão acontecer no Rio de Janeiro. O que pode vir a ocorrer é uma chuva muito intensa, que depois de um tempo se encerrará. Pode até ter continuidade, mas com precipitações bem mais fracas”.

Mesmo que alagamentos aconteçam por causa das chuvas no Rio de Janeiro, como elas não tem uma continuação mais longa, as cheias são temporárias e depois se dissipam. Para os estudiosos, o grande problema no Rio de Janeiro são as enxurradas e os deslizamentos, por conta da topografia de planaltos, principalmente, na região serrana e nas áreas ocupadas em morros nas cidades.

O pesquisador do LAMCE afirma que é impossível evitar os fenômenos naturais, sendo preciso evitar as consequências e focar no salvamento de vidas. Porém, a solução para essa realidade é complicada devido às várias décadas de ocupação desenfreada, sendo difícil retirar e realocar as pessoas que vivem nessas áreas de risco e a opção de urbanização também é complexa. “Esse é um problema do Estado e para resolver isso é necessário planejamento, pois é um processo de longo prazo que vai gerar transtornos, mas é preciso ter um início”.

Fábio ainda observa que a grande questão desses eventos climáticos são suas consequências. Ele acredita que, com os devidos equipamentos e preparação adequada, é possível se organizar, se antecipar e minimizar os efeitos à população. Segundo ele, é um problema de prognóstico das consequências e de estruturação após o acontecimento. Se  fosse executado um planejamento de antecipação adequada, um processo para a evacuação temporária, principalmente, das populações vivendo em áreas de risco poderia ser feito. Com os abrigos já preparados, locais que tivessem materiais e mantimentos prontos para receber as pessoas, além de grupos da sociedade civil estabelecidos e treinados para auxiliar nesse processo, os efeitos negativos poderiam ser mitigados.

Para os entrevistados, a população ainda sofre para entender o que representa cada tipo de previsão. E, segundo eles, é importante que exista essa compreensão de como são feitos esses processos para se precaver. Conforme explicou Rafael, isso é uma questão da sociedade como um todo, independente de onde vivem cada grupo de indivíduos, seja em uma área de risco, ou em um condomínio de alta renda. “Existe a necessidade de solucionar esse problema a partir de processos governamentais junto à sociedade civil que criem mecanismos e implementem projetos educacionais para que isso aconteça”.

Mesmo que uma cidade tenha sirenes e alertas, a maioria delas não possui órgãos municipais, nem sistemas de análises meteorológicos. Esses locais dependem de informações de órgãos federais, que são muito menos detalhadas e precisas, pois trabalham observando uma escala espacial muito maior. “O que falta vai desde a conexão que deve existir entre todos os atores importantes no processo de antecipação e mitigação de danos até o entendimento da população, ou seja, educar e tornar possível que as pessoas compreendam as nuances dos alertas e previsões”, conclui Fábio.

Previsões meteorológicas indicam que os próximos dias no Rio Grande do Sul devem ser mais secos, sem chuva, o que pode ajudar na recuperação do estado. Mesmo assim, o sul do país ainda precisa e depende de ajudas e arrecadações. Por isso, no fim do texto está disponível o pix de instituições confiáveis, para quem quiser e puder contribuir. A tragédia no Rio Grande do Sul não serve somente para alertar o Rio de Janeiro, mas todos os estados do país, caso não haja a devida preocupação com as mudanças climáticas e o planejamento adequado. 

Ajude as vítimas da tragédia do Rio Grande do Sul:

  • Cozinhas Solidárias @cozinhassolidariasmtst. As doações são revertidas em marmitas – CHAVE PIX: [email protected]
  • Badin Colono @badincolono & @pretinhobasico & @vakinha – CHAVE PIX: [email protected]

Reportagem: Alexandre Hid, Gabriela Zito e Pedro Henrique Mello

Supervisão: Davi Rosenail e Eduardo Gama

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