“Me considero técnico de limpeza de sapatos”
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No Centro do Rio de Janeiro, na Rua Rodrigo Silva, em frente ao número 18, fica Raimundo da Silva. Dos seus 66 anos de vida, 35 passou engraxando sapatos. Começou na Engraxataria Cataldo, onde trabalhou por 18 anos. Depois, foi para o lugar onde está até hoje. “Há uns 15 anos atrás tinham várias cadeiras e lojas. Agora só tem aquela loja ali, que já resiste há 70 anos”, comenta referindo-se ao lugar onde trabalhou.
Raimundo sai de casa junto com o sol, às sete horas começa seu expediente e nesse horário já tem gente esperando. O almoço é rápido, pois chegam clientes o tempo todo, que em sua maioria são fiéis a ele, como o Diogo e o Samory. O advogado de 63 anos, Samory Ornellas, engraxa o sapato de duas a três vezes por semana. “Tenho costume de engraxar sempre com ele. Ás vezes tem uns garotos pedindo, ai eu até faço, mas eu gosto mesmo só dele. Sou seu freguês”, diz se direcionando a Raimundo.
Samory e Diogo Barroso tem duas coisas em comum: são advogados e não trocam Raimundo. “Eu venho duas vezes por mês, quando uso sapato e dá tempo. Gosto do Raimundo porque ele é muito na dele. ”, conta Diogo, que gosta de relaxar durante o processo. “É uma profissão que resiste ao tempo. A gente vem e pega amizade”, completa. O advogado conta ainda que seus colegas não gostam de engraxar sapato porque não acham que uma pessoa deve se submeter a passar alguma coisa no pé deles, mas Diogo discorda. “ Para eles é algo desagradável. Eu não interpreto assim. Ele tem a função dele e a família dele pra alimentar. Não me vejo incomodado”.
A mistura de graxas e hidratante fazem com que Raimundo tenha um diferencial em comparação com os outros profissionais do centro do rio. “Não me considero engraxate. Me considero técnico de limpeza de sapatos”, afirma. Outra singularidade são os serviços que oferece, como a venda de palmilhas e cadarços. O clima pode ser decisivo no montante que Raimundo tem no final do mês, quando chove muito ele fica em casa. “Quando não vende muito o trabalho de graxa, uma coisa compensa a outra”.
Raimundo é muito feliz no que faz. Segundo ele, quando viu o desemprego atingindo as pessoas, sentiu satisfação por ter seu “cantinho” sempre ali. Ele conta que seu trabalho é um aprendizado. “Acho que aprendo mais com os meus clientes do que eles comigo. Se eles aprendessem comigo, ninguém precisaria do meu trabalho”, brinca, já que aprendeu a engraxar em casa. “Aprendo muito com eles, não tem jeito. Quando advogado, juiz, sentam aqui, conversamos e vou adquirindo conhecimento. O que não adquiri estudando, aprendo aqui, escutando as pessoas”.
Reportagem: Bruna Lima, João Victor Thomaz e Yuri Murta
Texto: Bárbara Canela e Maria Eduarda Volta
Edição de vídeo: Carolina Sampaio