Identidade trans: dificuldades e conquistas
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Reportagem de Isabelle Rodrigues e Luisa Lins
“Eu me sentia amarrada e reprimida pela sociedade porque eu não me enquadrava em nada. É como se eu vivesse uma vida que não era minha.” O relato de Julia Santos* expõe o sentimento vivido por indivíduos que não se identificam com o sexo que nasceram e decidem passar por um processo de transição, alterando assim a sua forma física para se adequarem ao que realmente se consideram. Histórias como essa fazem parte de um universo rodeado de preconceitos, luta e superação: o dos transgêneros.
Nascida e criada como uma pessoa do sexo masculino, Julia Santos não se reconhece da forma que nasceu desde a infância. “Eu sempre me senti mulher”, disse ela, que ainda nos primeiros anos de escola sentia que não se encaixava no “universo dos meninos”. “Eu não pensava, não agia, não me parecia e minha personalidade não era de menino, sempre foi de menina”, conta.
Segundo a psicóloga e professora Maria Cláudia Tardin, a identidade de um indivíduo é construída socialmente, independente das características de nascimento. “Nós somos influenciados desde pequenos de acordo com o gênero feminino ou masculino”, afirma. Para isso, o conceito de identidade de gênero foi criado para explicar a ideia: “Não necessariamente uma pessoa nasce e se identifica com o seu próprio sexo, como os padrões da sociedade delimitam”, complementa.
Por conta da falta de informação, Julia descobriu sua identidade de gênero ao longo de sua vida, encontrando o termo após pesquisas na internet. De acordo com a medicina, o nome clínico para o caso é “disforia de gênero”, visto como uma teoria baseada na ideia de que ainda na formação o cérebro de um indivíduo é criado para um determinado gênero, enquanto o órgão sexual é para outro. Apesar de achar que o conceito é abordado como uma doença, ela diz que a definição faz todo o sentido. “Quando eu comecei a ler sobre isso eu me encaixei”, relata.
Além disso, a novela da TV Globo “ A Força do Querer”, tem sido bastante discutida por abordar o assunto através da história da jovem Ivana, interpretada pela atriz Carolina Duarte. Na trama, a personagem passa por um processo de transição para se adequar ao gênero que se identifica, o masculino, reconhecendo-se como uma pessoa transgênero. Uma das fases dessa passagem é retratada através da injeção de hormônios com o intuito de mudar a aparência física. Segundo a ginecologista Glaucimara Nunes, a aplicação indiscriminada e sem orientações de um profissional especializado pode resultar em problemas maiores como hipertensão e retenção hídrica. “A longo prazo, há uma série de efeitos colaterais que podem prejudicar a saúde, podendo causar até infertilidade nos casos mais severos”, explica.
No caso de Julia, a transição ocorreu de forma brusca, motivada por um longo período de depressão. Segundo ela, o processo iniciou com auxílio médico e psicológico, através de um tratamento com um psiquiatra e um endocrinologista. “Eu comecei a tomar um medicamento bloqueador de testosterona, além dos hormônios femininos estrogênio e progesterona”, conta ela. Hoje, além de fazer acompanhamento de dois em dois meses, ela diz que suas taxas hormonais são como as de uma mulher. “Hoje, eu tenho seios que não são de silicone, meu corpo é mais feminino e meu rosto também.”
A recepção de seus amigos e familiares foi de aceitação, apesar do susto inicial. Ela conta que viveu momentos únicos ao se expor como mulher pela primeira vez. “Meus amigos do trabalho me receberam com palmas, todos levantados e aplaudindo.” Atualmente, a sua questão burocrática também está resolvida e agora Julia possui documentos com seu novo nome social e gênero feminino. Por conta disso, ela afirma que agora tem perspectivas diferentes sobre o seu futuro. “Minha vida mudou e eu comecei a vislumbrar coisas que eu não imaginava antes, como uma família.”
Para se sentir completa, ela diz que a única coisa que falta é realizar o seu sonho: a sua cirurgia de readequação. Após algumas tentativas de encontrar médicos de confiança, Julia realizará o procedimento no início de 2019. Mesmo com os riscos, ela afirma não sentir medo e diz esperar por isso por muito tempo. “A cirurgia pra mim não é estética, é necessária, é corretiva. Eu não penso na minha vida sem a cirurgia, eu preciso disso pra me sentir plena.”
*O nome foi trocado e a profissão não foi revelada para preservar a identidade da entrevistada.