CARREGANDO

O que você procura

Geral Negocios

Caso Mercado Livre: A precarização do trabalho no Brasil

Compartilhar

Luiz Felipe Dominicalli se suicidou no dia 19 de fevereiro de 2024, após ser demitido dentro do galpão do centro de distribuição do Mercado Livre em Cajamar, no estado de São Paulo, onde atuava recebendo, separando e destinando mercadorias. O jovem trabalhava há alguns meses em uma das agências terceirizadas pelo Mercado Livre, a Randstad, mas nunca negou seu desejo de ser promovido pela empresa, mas a efetivação acabou não acontecendo. Ao sair da sala de Recursos Humanos e receber a notícia de que seu contrato temporário não seria estendido, o trabalhador teria atentado contra a própria vida. 

Segundo nota do Mercado Livre, o trabalhador foi prontamente atendido por bombeiros e médicos socorristas de plantão, em um processo que durou menos de seis minutos, o que garantiu sua remoção à ambulância ainda com vida até a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima.

Entretanto, fontes ouvidas pela Intercept Brasil contam outra versão. Dois ex-funcionários e um funcionário atual da empresa, que não quiseram ser identificados, afirmam que o trabalhador morreu ainda no galpão e que a área foi cercada por uma lona, onde o corpo do jovem permaneceu por alguns minutos. Os três entrevistados ainda citam que, com exceção dos trabalhadores visivelmente abalados que foram liberados, o resto da empresa permaneceu trabalhando normalmente.

O Mercado Livre afirmou que, desde o ocorrido, a empresa e a Randstad colaboraram com as investigações e mantiveram contato e suporte aos familiares da vítima. Além disso, a companhia diz ter reforçado o apoio aos seus funcionários, através de conversas individuais oferecidas a todos os colaboradores, com a presença de psicólogos. A empresa reitera que seus centros de distribuição são locais seguros e saudáveis para todos, em que garantem uma gestão alinhada com suas práticas e valores.

O SECFR, sindicato de empregados do comércio da região, enviou um pedido ao Ministério Público do Trabalho de São Paulo (MPT-SP) e ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) para apurar mais episódios de assédio moral na empresa. Outras denúncias e relatos entregues ao MPT-SP têm surgido depois do acontecimento. Os sindicatos também são uma ferramenta que os trabalhadores podem usar. Uma vez formadas, as reivindicações dos direitos podem ser feitas em grupo e com um advogado contratado.

 O advogado trabalhista Roberto Monteverde relata a que outras instâncias o trabalhador pode recorrer, “Caso não haja um sindicato na base territorial de trabalho, nós temos as delegacias regionais do trabalho, a própria vara do trabalho, que vai atendê-lo e denunciar se for o caso os desmandos da empresa junto ao Ministério do Trabalho”.

Casos como o do Mercado Livre em Cajamar, são mais recorrentes do que apenas as expostas na mídia. A precarização do trabalho se apresenta sob diferentes aspectos, a instabilidade do emprego, a remuneração inadequada, as desproporcionais e longas jornadas de trabalho e ambientes insalubres, são alguns exemplos. 

De acordo com os dados mais recentes do Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho, dos mais de 7 milhões acidentes trabalhistas notificados, entre 2012 e 2023, mais de 28 mil resultaram em morte. Esses números englobam, além de lesões físicas, doenças causadas no âmbito do trabalho e não incluem trabalhadores informais. Apesar das referências não representarem e identificarem o nível de precariedade das empresas em cada caso, essa base é um alerta às companhias a respeito do cumprimento das normas regulamentadoras, das análises de risco e da promoção de ações que contribuam com a segurança e integridade física de seus funcionários. 

Bruna Pinheiro trabalhava como caixa em uma loja e disse que, apesar de no início se sentir como parte da empresa, para eles, os trabalhadores eram somente um número. “O trabalho me provocou um enorme desgaste mental, nos chamavam para “parabenizar” ou reclamar de acordo com o número do caixa. Lembro que em um dia, consegui fazer 3 garantias estendidas (um dos produtos que precisávamos bater meta), recebi um parabéns. No dia seguinte, não tinha feito nenhuma ainda, me chamaram pra me dar um sermão.”

Victor Braga é entregador de aplicativo e trabalha para uma empresa que terceiriza os serviços de motoboys. Ele comentou sobre a precariedade do serviço em sua experiência. “Tem lugares que tenho ótimas qualidades, tudo no melhor estado. Mas em outros lugares, como uma pizzaria chique na Lagoa, que é extremamente elitista, essa mentalidade se perpetua nas práticas dela em relação aos entregadores.” 

O entregador citou que os motoboys não podem ficar dentro da pizzaria, nem quando está chovendo, além disso comentou que não recebem alimentação, já que não querem que as pessoas vejam os entregadores comendo a mesma comida que servem no restaurante. Mesmo não sendo funcionários, são obrigados a usar o banheiro de serviço, um lugar pouco higiênico.

Apesar de se sentir parte da empresa em que atua e perceber que existe apoio e facilidade de contato com seus superiores, Victor refletiu sobre as exigências de tempo e rapidez por parte dos gerentes de lojas. “Existem padrões que temos que seguir. Já fui cobrado por tempo, até fui trocado de loja por isso. No meu contrato atual, normalmente a exigência é de 30 minutos, um tempo bem confortável. Mas, uma vez, fiz duas entregas em 22 minutos e o gerente da loja me cobrou mesmo assim, fiquei abismado”. 

Victor lamenta a alta exigência sobre os entregadores, por conta de reclamações do cliente, que não sabem que muitas vezes não dependem só deles. Ele conta de vezes em que chegou atrasado para um pedido, sendo que estava ocupado resolvendo outro, assim, mesmo voltando na loja para pegar o produto e chegando no seu destino em 5 minutos, o cliente já estava esperando há mais tempo. “Isso é algo que a loja não se responsabiliza, então sempre que o cliente manda mensagem a culpa é colocada na gente”.

 

Reportagem: Alexandre Hid, Fátima Moraes e Pedro Henrique Mello

Supervisão: Carolina Dorfman e Eduardo Gama

Tags: