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Além da preparação física: o papel da saúde mental no esporte

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A cerimônia de encerramento das Paralimpíadas de Paris 2024, no dia 8 de setembro, marcou a conclusão de mais um capítulo do esporte brasileiro. E algo que ficou muito claro para todos é que, além do trabalho exaustivo e da dedicação, bons resultados só são alcançados a partir da valorização do cuidado com a saúde mental.

A participação do Brasil nesse evento multiesportivo, assim como nas Olimpíadas de Paris, foi histórica. Nas Paralímpiadas, com 89 medalhas, sendo 25 de ouro, 26 de prata e 38 de bronze, o país teve o seu melhor desempenho na história da competição, o que confirma sua potência nas diferentes modalidades. 

Jonas de Lima, atleta-guia três vezes medalhista paralímpico no atletismo, participou das Paralimpíadas de Paris 2024 com Felipe Gomes e abordou as dificuldades do ofício e a relevância do suporte psicológico no esporte: “A parte mais difícil de ser atleta-guia é alinhar expectativa, cada um tem uma diferente, né? Se uma se sobressair a outra tem conflito. Então, acredito que, em toda preparação, os atletas precisam se capacitar em todos os aspectos da vida. A gente também é atleta fora das quadras”.

As 3 medalhas (1 ouro e 2 pratas) de Jonas foram conquistadas nas Olimpíadas do Rio, em 2016, quando já atuava com Felipe Gomes na classe T11, para deficientes visuais quase totais. De acordo com o atleta-guia que não requereu atendimento nas Paralímpiadas de 2024, o Comitê Paralímpico Brasil (CPB) disponibiliza assistência psicológica individualizada com profissionais especializados para aqueles que solicitam e buscam prevenir problemas como ansiedade, estresse e alguns distúrbios.

A performance nas Olimpíadas também foi memorável. Mesmo que o Brasil não tenha superado o recorde de 21 medalhas, conquistadas nas Olimpíadas de Tóquio, os representantes brasileiros lograram 20 pódios, com 3 ouros, 7 pratas e 10 bronzes. 

Adriana Lacerda, psicóloga que atua em vários esportes dentro do Flamengo, destacou a importância da assistência psicológica regular como um diferencial para os atletas performarem o seu máximo e obterem bons resultados nas grandes competições: “Essa preparação é global, principalmente sobre um ‘tripé’ relacionado à preparação física, técnica, tática e psicológica. Focamos, justamente, na preparação do atleta para que ele consiga, na sua competição, performar e atingir o seu objetivo máximo”.

A psicóloga ainda comentou sobre a preparação ligada aos grandes eventos. Segundo ela, são nesses momentos competitivos que o potencial psicológico pode ficar comprometido. Então, não basta o atleta estar preparado física, técnica e taticamente, se a preparação psicológica não for trabalhada em momentos decisivos e de grandes cobranças.

Nos últimos torneios olímpicos e, cada vez mais com o passar do tempo, profissionais do esporte e atletas têm se manifestado publicamente sobre a importância do amparo psicológico tanto para o desempenho esportivo quanto para a vida pessoal.

Casos como os da ginasta Simone Biles, do jogador de futebol Richarlison e, até mesmo do judoca japonês, Tatsuru Saito, que mesmo após conquistar uma medalha de prata em Paris, sentia que não podia retornar para o seu país, mostram como o descuido com a saúde mental pode prejudicar a vida pessoal dos atletas. Além deles, exemplos como os da skatista Rayssa Leal, do técnico de taekwondo paralímpico Rodrigo Ferla, e do nadador Bruno Fratus que, recentemente, vieram à público falar sobre o suporte psicológico, ressaltam a relevância do tópico atualmente. 

A atenção que esse tema tem recebido na mídia já reverbera nos grandes clubes brasileiros. Dos 20 times da série A do Campeonato Brasileiro, apenas 5 não oferecem apoio psicológico para os seus jogadores, são eles: Athletico-PR, Cuiabá, Grêmio, Internacional e Juventude.

Lucas Paz, ex-jogador federado do Olaria, pequeno clube carioca, relembrou que a equipe não disponibilizava suporte psicológico aos atletas e citou o impacto disso na carreira dos jovens que atuam em times de menor expressão: “No Sub-20 acredito que (o apoio psicológico) impacte mais, pois é uma categoria que busca resultados imediatos, por ser a “última chance “ de virar profissional. Os atletas sofrem uma maior pressão por resultados, tanto familiar, quanto do clube”.

O ex-atleta também contou que muitos desistem nessa categoria por não se acharem bons o suficiente e resolvem buscar outras formas de conseguir uma renda fixa: “Em times pequenos, que não asseguram assistência psicológica, vários atletas são forçados a recorrer a família e amigos. No pior dos casos, buscam conforto na bebida, o que pode custar a carreira”. Ele declarou que uma alternativa para os clubes com menos condições financeiras de custear um departamento de atendimento seria a contratação de, pelo menos, um especialista ou coordenador com experiência na área. 

As Olimpíadas de Paris 2024 também comemoraram um marco dessa nova perspectiva dada à saúde mental. O Comitê Olímpico Brasileiro (COB) contou com dez profissionais especializados em psicologia esportiva: quatro psicólogos próprios e seis especialistas. Além deles, a delegação brasileira também recebeu o apoio de um psiquiatra pela primeira vez.

Nos Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2021, com o impacto da pandemia da Covid-19, o Time Brasil tinha apenas quatro psicólogos em sua equipe. Além do investimento histórico do Comitê, esse crescimento é resultado do entendimento da importância da preparação psicológica e a consequente diminuição da resistência dos atletas ao amparo.

Marina de Mattos Dantas, pesquisadora e atual primeira secretária da Associação Brasileira de Psicologia do Esporte (ABRAPESP), projeta mais avanços no acompanhamento de atletas, porém relata ainda haver um caminho a ser percorrido: “Acho que caminhamos para um reconhecimento cada vez mais amplo sobre a importância do trabalho psicológico no esporte. No entanto, precisamos avançar sobre o que seria esse trabalho em si, porque muitos clubes possuem expectativas e visões muito fantasiosas.”

Para a psicóloga, a gestão passa por um trabalho coletivo dentro do ambiente esportivo e nos efeitos disso, não somente na vida dos atletas, mas na vida das outras pessoas que trabalham junto a eles, para que metas e propósitos sejam alcançados. Marina visualiza que, no futuro, esse acompanhamento psicológico precisa ir além do esporte, focando também nos objetivos pessoais dos esportistas. Com esses avanços e o envolvimento mais participativo desses profissionais nos clubes brasileiros, a saúde mental pode, finalmente, ser vista pela sociedade com a importância necessária.

Reportagem: Alexandre Hid, Caio Tostes e Pedro Henrique Mello

Supervisão: Duda Reis

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