Nova Iguaçu: como a equipe da Baixada Fluminense desafiou o atual futebol brasileiro
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O time do Nova Iguaçu foi a grande surpresa do Campeonato Carioca de 2024 após chegar, pela primeira vez em sua história, à decisão do torneio. A “Laranja Mecânica” mostrou regularidade ao longo da competição e desbancou grandes do Rio, como Botafogo e Vasco. Apesar da equipe não ter conquistado o título ao fim do campeonato, depois de perder para o Flamengo por 4 a 0 no agregado de dois jogos, o time recebeu alguns destaques. São eles: colocar dois jogadores na seleção do Carioca, ter a revelação do campeonato e o melhor técnico, mostrando o resultado de um processo diário de trabalho e valorização.
O Nova Iguaçu foi fundado em 1 de abril de 1990. A princípio, o objetivo do projeto era fazer do futebol uma opção de vida, em especial para as crianças. O propósito cresceu e, pouco tempo depois, o clube de futebol profissional foi criado.
Nos primeiros anos, o time teve grande ascensão no futebol carioca graças a uma boa estrutura para uma equipe em seus primórdios. Entretanto, foi complicado para o time se manter no cenário brasileiro e dificuldades surgiram a partir dos anos 2000, com três rebaixamentos desde sua estreia na primeira divisão estadual em 2006. Desde então, a equipe teve pouco relevância no cenário carioca, conquistando apenas duas Copa Rio (2008 e 2012), uma Série B do Campeonato Carioca (2016) e um Quadrangular Extra da Taça Guanabara (2017).
Na temporada atual, as coisas parecem ter mudado. O Nova Iguaçu permaneceu entre os quatro primeiros colocados, do início ao fim do Carioca, e se classificou em segundo lugar para a disputa das semifinais do torneio. O time avançou à final do Carioca depois de encarar por duas vezes o Vasco em um Maracanã lotado de cruz-maltinos. A equipe se tornou o primeiro clube de menos expressão do Rio, desde o Madureira em 2006, a disputar a decisão do campeonato estadual carioca.
A história do Nova Iguaçu também se confunde com a do seu treinador, Carlos Vitor, membro da equipe da baixada fluminense há 32 anos. Antes de se tornar técnico do time, Carlos foi atleta do clube por seis temporadas. Após sua aposentadoria, em 1999, reingressou à agremiação como técnico do Sub-13 e passou por todas as categorias de base até assumir o comando do time profissional em 2021. Depois de dois anos sem resultados expressivos, Carlos foi capaz de implantar sua visão de jogo e transmitir à comissão técnica sua preocupação pela formação ética dos atletas.
Durante a Cerimônia de Encerramento do Campeonato Carioca 2024, que premia os destaques do torneio, Carlos comentou sobre essa questão e citou o gesto do técnico do Flamengo, Tite, de entregar sua medalha de campeão ao comandante do Nova Iguaçu. “Vai além do futebol, né? Eu prezo muito o ser humano. É um grande prazer sentir que tenho igualdade com Tite em relação a isso. A medalha que recebi ontem foi algo faraônico! O que o professor Tite fez foi algo histórico”. O treinador da “Laranja Mecânica” ainda afirmou que o respeito e a confiança são passos fundamentais para alcançar seus objetivos.
Todos os destaques do elenco na disputa do carioca chegaram ao clube entre o final do ano passado e o começo de 2024. Bill e Carlinhos, que fazem parte da seleção do torneio, por exemplo, ilustram o período dessas contratações. Bill chegou do Dnipro da Ucrânia por empréstimo no dia 19 de janeiro. Já o atacante Carlinhos veio do Camburiú de Santa Catarina no dia 2 de novembro de 2023. Ambos em baixa até o momento de suas transferências, viram no Nova Iguaçu uma oportunidade de reerguer suas carreiras.
O presidente do Nova Iguaçu, Jânio Moraes, falou sobre o trabalho da equipe e o desafio de encarar grandes adversários. “A gente sabe que não é fácil enfrentar essas duas equipes (Flamengo e Vasco) no Maracanã. Toda semana ficava preocupado, mas agora estou muito feliz e honrado. Ninguém chega em qualquer lugar sem dedicação, sem planejamento, sem responsabilidade e o Nova Iguaçu está dando essa demonstração”.
A única preocupação do presidente é o fato de estarem “desmanchando” o elenco atual do time. Jogadores, como o atacante Carlinhos e o goleiro Fabrício, estão de saída do clube. Não é a primeira vez que times de menor expressão surgem de maneira repentina e conquistam um grande sucesso momentâneo, mas pouco tempo depois, são forçados a lidar com a perda de seus atletas. Como seria possível manter esse nível de performance mesmo com o assédio aos seus jogadores por parte dos clubes de maior visibilidade e melhores economicamente?
A pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas Sobre Esporte e Sociedade (NEPESS) pela Universidade Federal Fluminense (UFF), Leda Costa, analisou essa realidade vivida por vários clubes de menor investimento e buscou encontrar explicações para esse ciclo vicioso. “Isso é algo muito comum na história do futebol brasileiro. Porém, à medida que o futebol se torna mais mercadorizado e inserido na lógica de, quem tem dinheiro ganha mais competitividade e possibilidade de ter os melhores jogadores, cada vez mais é difícil quebrar esse ciclo tão antigo e fazer o que o Nova Iguaçu fez”.
Leda também acredita que vai demorar muito tempo até que clubes de menor porte adquiram competitividade financeira para competir com clubes maiores. “Hoje em dia, isso já tem feito a diferença, o futebol está deixando de ser ‘aquela caixinha de surpresa’ que já foi e acaba virando a ‘lei do mais forte’, mais forte financeiramente”.
Leda enxerga que, para quebrar esse ciclo, seria preciso refazer a estrutura do futebol brasileiro. Para a pesquisadora, esse espaço é fundamentado na questão da competitividade e do poderio econômico, com federações que deixam diversos times sem apoio institucional, político e financeiro. “Seria necessário um projeto, a longo prazo, de rearranjo no futebol, em uma perspectiva de um futebol mais democrático, em que houvesse uma partilha financeira menos predatória e mais igualitária, não permitindo esses abismos e hegemonias que acontecem”. Ela completa que esse projeto precisaria considerar não apenas a questão da sobrevivência dos clubes, mas também a de manutenção, de possibilidade de crescimento, de autogestão e auto sustentação.
Após esse início de temporada, o Nova Iguaçu espera manter esse rendimento ao longo do ano em busca do acesso à terceira divisão nacional. A torcida do clube da baixada está otimista e esperançosa com o restante de 2024. O torcedor do Nova Iguaçu, Gustavo Valentim, falou sobre suas expectativas a respeito da próxima parte da temporada. “Apesar de estarem perdendo alguns jogadores, eu acho que é possível subir pela organização do clube”.
Reportagem: Alexandre Hid, Pedro Henrique Mello e Taís Vianna
Supervisão: Davi Rosenail e Joana Braga