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Esquenta da Abraji debate os desafios do Jornalismo Investigativo sobre crime e Judiciário

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Foto: Kaylane Pedroso

Na sexta-feira (04/04), a ESPM-Rio recebeu o evento de aquecimento para o 20° Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji), que ocorrerá de 10 a 13 de julho em São Paulo. No período da manhã, foram realizadas oficinas sobre a ferramenta Cruzagrafos, a Lei de Acesso à Informação e o Jusbrasil e uso de dados jurídicos. Durante a tarde, ocorreram duas mesas de discussão abordando diferentes temas.

O primeiro assunto, mediado pela professora da instituição e diretora executiva da organização de direitos humanos Justiça Global, Glaucia Marinho, teve o enfoque voltado para as tramas e os donos do crime. A conversa contou com a participação dos jornalistas Bruno Paes Manso e Vera Araújo.

Bruno Paes Manso é pesquisador e autor dos livros “A Fé e o Fuzil – crime e religião no Brasil do século XXI” e “A guerra: a ascensão do PCC e o mundo do crime no Brasil”. O jornalista contou sobre as experiências adquiridas ao escrever suas obras literárias e como, após dedicar anos narrando histórias de crime em São Paulo, ele decidiu vir trabalhar no Rio de Janeiro durante o início do mandato de Jair Bolsonaro. Bruno começou a tratar da realidade coberta no jornalismo diário, mas relatou que tentava entender a cidade de uma maneira diferente do que era produzido no dia a dia, com seu olhar paulistano sobre a capital carioca.

O autor publicou o livro “A República das Milícias – dos esquadrões da morte à era Bolsonaro” sobre o surgimento das milícias a partir da história do crime no Rio, analisando peças soltas de uma narrativa e produzindo um jornalismo que aponta os desafios políticos, a formação da violência e como é possível superá-la. Segundo ele, o jornalismo é um processo investigativo de olhar para dentro, pensar, transformar as histórias em palavras e amadurecer os problemas.

Bruno disse que possui limites para cobrir certas pautas e que é necessário analisar as suas próprias questões pessoais diante de assuntos sensíveis: “Quando se torna um ponto de interrogação para você, como se fosse uma charada que você quer saber mais, eu acho que vale seguir em frente. Quando os seus medos jogam com aquilo, você fala “ah, se fosse meu filho, minha mãe”… Eu tento manter essa distância para não me envolver pessoalmente.”.

A jornalista investigativa do O Globo e advogada Vera Araújo, no início de sua fala, reforçou a ideia de que o olhar de Bruno foi essencial para analisar os detalhes que, diversas vezes, podem passar batidos na correria do jornal diário. Ela diz que as situações de violência da cidade não podem se tornar normais e que os profissionais não devem ficar insensíveis diante dessa realidade, uma vez que a política de segurança deve incluir a população, e não somente as armas. Segundo Vera, o papel primordial do jornalista que cobre a área de segurança pública é não criar estereótipos, pelo contrário. “Nosso cuidado ao escrever a matéria é mostrar que está atrapalhando todo mundo, não importa a cor, não importa a classe social.” reafirma a advogada.

Glaucia Marinho, Vera Araújo e Bruno Paes Manso durante a primeira mesa do Esquenta. Foto: Letícia Capela

Glaucia Marinho, Vera Araújo e Bruno Paes Manso durante a primeira mesa do Esquenta. Foto: Letícia Capela

“A gente apura muito e tem que apurar, é imprescindível. Se você escrever um texto e não tiver informação, fica um texto vazio e você tem que passar emoção. Eu costumo muito ir ao local, gastar sola de sapato, porque só no telefone você não sente, não vê, não tem o olho no olho, isso é muito importante, captar a emoção.” enfatizou Vera sobre efetuar apurações com qualidade. Ela relatou que sempre teve o sonho de escrever um livro e que diante do aprofundamento das apurações realizadas no caso Marielle, foi possível que seu trabalho, realizado junto ao seu colega de profissão Chico Otávio, fosse lançado – a obra literária se chama “Mataram Marielle: Como o assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes escancarou o submundo do crime carioca”.

Já próximo ao fim da final da mesa, Vera ressaltou a importância de conversas como a de sexta para os futuros jornalistas que estavam presentes no auditório da faculdade: “Se hoje estão querendo saber quem mandou matar Marielle, que, segundo a Polícia Federal, são os irmãos Brazão, eu tenho orgulho de dizer, a imprensa contribui muito. Vocês vão contribuir também. E, daqui a pouco, eu e o Bruno, a gente está saindo fora. Vocês são o futuro, vocês têm que se mirar na gente, sim. Saber das nossas conversas, saber do estudo, esse tipo de trabalho que a gente está fazendo aqui.”

A segunda mesa de conversas, com o tema voltado para o novo protagonismo do Judiciário e os desafios da cobertura, foi mediada pela jornalista e diretora da Abraji Juliana Dal Piva e recebeu os jornalistas Carolina Brígido e José Marques. Carolina começou a conversa ressaltando as diferentes dinâmicas entre o jornalismo de crime e o de Judiciário, uma vez que o criminal foca muito nos acontecimentos, personagens e encontra-se próximo ao fato – e o judiciário é de gabinete, de andamentos processuais e mais frio por estar distante do que se assiste no noticiário.

A colunista do PlatôBR comentou sobre a mudança nos padrões da cobertura a partir, principalmente, de dois marcos temporais – em 2002, com a criação da TV Justiça e quando surgiu o inquérito do mensalão, escândalo que, junto do canal televisivo, trouxe mais protagonismo a essa esfera jornalística. Mais jornalistas passaram a tentar entender e o Judiciário brasileiro iniciou a tentativa de ser mais inteligível ao público que o acompanha e passa a acompanhar.

O jornalista da Folha de S. Paulo descreveu que independente das situações, quem cobre esse viés jornalístico tem que estar o tempo todo atento, ouvindo os envolvidos, procurando todos eles, além de analisar os documentos dos casos. “Essa cobertura, apesar de ser fria, como a Carol está dizendo, e um pouco de cobertura de gabinete, é também o tempo inteiro intensa. Você trabalha muito pesadamente, durante muito tempo, em assuntos extremamente diferentes um do outro, envolvendo personagens políticos que são completamente diferentes.”, comentou José Marques.

Participantes da mesa "O novo protagonismo do Judiciário e os desafios da cobertura" interagem entre si e com o público. Foto: Kaylane Pedroso

Participantes da mesa “O novo protagonismo do Judiciário e os desafios da cobertura” interagem entre si e com o público. Foto: Kaylane Pedroso

Brígido, ao mencionar possíveis desafios de cobertura, sublinhou o que considera como um dos maiores e diários desafios dentro do Judiciário: “Pegar os termos rocambolescos e traduzir para o português, sem deixar que fique errado. Porque não pode estar juridicamente errado e não pode ser ininteligível para quem fala português.”. Ela disse que o leitor do jornal, muitas vezes, só quer entender o que está acontecendo sem necessariamente aprender como usar cada um daqueles termos. É válido lembrar que, como evidenciado por Carolina em sua fala na abertura da mesa, as notícias do Judiciário de forma mais massiva são recentes e é necessário parar para refletir sobre quem consome essas informações.

Ao ser questionada sobre como foi promover diálogos e analisar as denúncias para publicar seus livros, a mediadora Juliana Dal Piva citou o processo de produção de suas reportagens: “Em muitas das minhas matérias investigativas, que é uma outra vertente que você pode fazer dentro do judiciário, nem tudo é investigação. Muito também é bastidor, é dia a dia, é julgamento público, não é necessariamente uma investigação. É você ler a documentação e a outra parte é você promover diálogos.”.

Segundo José, cultivar as fontes é uma das tarefas primordiais para quem quer cobrir jornalismo político ou judiciário. “No jornalismo do dia a dia, você consegue entrar e começar a fazer, aprender técnicas, a ler documentos, mas cultivar fontes é efetivamente o trabalho mais prolongado e duradouro que você tem que fazer no jornalismo. É sentar para bater papo, às vezes para não conseguir nada, às vezes só pra te olhar para saber quem você é.”, disse.

Reportagem: Júlia Mota

Supervisão: Vinicius Carvalho

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