Audiodescrição: A Importância e o Futuro da Acessibilidade
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Nesta quarta-feira (07/05) no auditório da ESPM-Rio, aconteceu a palestra No Escuro da Tela: A Falta que a Audiodescrição (AD) faz no Audiovisual. O evento contou com a participação de Rosemary Lucas, jornalista e especialista em acessibilidade no audiovisual, Pedro Leite, engenheiro de software e pesquisador em IA, com foco em processamento de sinais e síntese de voz, e Marcelo Lemmer, músico e produtor que atua como consultor em audiodescrição na Rede Globo de Televisão. A palestra tratou de assuntos voltados à importância da audiodescrição para deficientes visuais, o uso de inteligência artificial no auxílio de produtos audiovisuais e como a utilização desses recursos ajuda a incluir pessoas deficientes.
A audiodescrição é um recurso de acessibilidade que consiste em narrar, de forma objetiva, elementos visuais presentes em produções imagético-sonoras, espetáculos, exposições e outros eventos culturais. Essa narração descreve ações, expressões faciais, cenários, vestuário e outros detalhes essenciais para que pessoas cegas, com baixa visão e autistas possam compreender o conteúdo.
O encontro começou promovendo uma experiência sensorial com o público, onde era necessário ouvir a música “Your Song” do Elton John com os olhos fechados. Depois, todos escutavam a audiodescrição da mesma música e, por fim, o videoclipe era transmitido com as imagens. O objetivo do exercício foi mostrar a importância da audiodescrição para os deficientes visuais e a quantidade de detalhes que seriam perdidos se não existisse essa possibilidade.
Rosemary se mostrou chateada pela falta de visibilidade da audiodescrição, principalmente pelo impacto que tem para quem mais precisa: “A audiodescrição é pouco divulgada e os profissionais quase não são vistos também. Antigamente, quando falávamos em acessibilidade, a gente logo imaginava uma rampa, né? E, quando as pessoas sabem o que é, acreditam que é algo que pode ser substituído ou robotizado”. Para a jornalista, esse recurso precisa ser humanizado, imparcial e, realmente, inclusivo para todos, para assim transmitir da melhor maneira possível o conteúdo.

A jornalista Rosemary explica a importância da audiodescrição durante a palestra. Foto: Taís Vianna
Os primeiros experimentos com a audiodescrição ocorreram nos Estados Unidos, na década de 1970, quando surgiram iniciativas para tornar o conteúdo audiovisual acessível às pessoas com deficiência visual. Em 1972, Gregory Fraser, professor e pesquisador da Universidade Estadual de São Francisco, começou a desenvolver métodos para descrever filmes e programas de TV. A audiodescrição ganhou muita força no teatro e, em 1981, o Arena Stage, em Washington, foi o primeiro a oferecer AD ao vivo.
Nos anos de 1990, o recurso começou a ser incorporado em filmes e programas de TV. A PBS, em 1993, foi a primeira rede de TV a oferecer AD regular em sua programação. Em 2000, a legislação britânica passou a exigir que as emissoras disponibilizassem audiodescrição em uma porcentagem de sua programação. No Brasil, a audiodescrição começou a ser implementada nos anos 2000 e, em 2005, foi realizada a primeira sessão de cinema com AD no país. Nos anos seguintes, a acessibilidade audiovisual ganhou espaço em políticas públicas.

Público presente e engajado em evento “No Escuro da Tela: A Falta que a Audiodescrição faz no Audiovisual”, no auditório da ESPM-Rio. Foto: Júlia Mota
Pedro Leite, contou que, a partir de 2021, quando fazia parte de uma área de pesquisa da Rede Globo, o desafio foi aumentar a escala da AD e encontrar uma forma de potencializar essas vozes. No primeiro momento a ideia foi utilizar a inteligência artificial (IA) para criar uma ferramenta que expandisse as possibilidades da audiodescrição. O engenheiro de software citou que, como ainda não existiam os recursos tecnológicos e a IA não era tão desenvolvida, foi preciso começar do zero.
Após muitas conversas e feedbacks dos consultores, como Marcelo Lemmer, o projeto ficou pronto. A proposta, desde o início, foi criar um produto que não atrapalhasse a fluidez do conteúdo e trouxesse a clareza e a naturalidade da voz humana, diferente dos áudios robóticos de um computador. “Construímos um sistema que faz mixagem automática, ou seja, após a locução estar pronta, seja ela feita por computador, ou por um ser humano, ela já entra no conteúdo de forma automática, sem precisar de alguém para regular os volumes. Isso facilita, agiliza e torna o trabalho mais eficiente “, afirmou Pedro.
O processo que leva apenas alguns segundos foi uma revolução na área e Pedro não escondeu a felicidade de ter participado de um projeto premiado e que impacta e ajuda muitas pessoas. Uma das preocupações iniciais do programa foi com a possibilidade de perder as emoções das locuções originais e humanas. Porém, como insistiu Rosemary, o processo de humanizar as vozes foi impecável e de muita qualidade: “Um dos trechos do meu áudio tinha IA. Nem eu que sou a dona da voz percebi, pode usar e divulgar!” Pedro Leite contou que, depois de muito estudo sobre o tema, eles criaram uma base de dados que era constantemente treinada com várias vozes para aprimorar a dicção e replicar as nuances de uma voz humana.
Quando perguntado se ter vozes, como a da Rosemary, sintetizadas em um sistema computacional, já não seria substituir a atuação das pessoas, Pedro comentou que a ideia nunca foi acabar com a função de ninguém, mas que o formato de trabalhar poderia mudar: “Atualmente não é preciso ir gravar no estúdio para ter todas as locuções. Muda-se a forma de trabalhar, mas a IA não substitui todo o processo. O processo é humanizado. A direção e o controle de qualidade da locução ainda estão nas nossas mãos. Quem vai olhar, trazer a emoção e o ritmo necessário ainda é o dono da voz”. Marcelo ainda complementou: “A IA não vai substituir o ser humano, mas, com certeza, o ser humano que usa a IA, vai substituir aqueles que não usarem”.

Marcelo Lemmer, músico e produtos, comenta sobre as possibilidades de uso da IA para o futuro da audiodescrição. Foto: Taís Vianna
A audiodescrição fortalece a igualdade de direitos entre as pessoas e impacta positivamente a vida de muitos. No dia a dia, são muitas as dificuldades e limitações de acesso para um deficiente visual. A audiodescrição melhora o acesso dessas pessoas à cultura, ao visitar um cinema, teatro, festival, entre outros. Marcelo, que é deficiente visual, finalizou sua fala destacando mais uma vez a importância da AD: “A gente nunca sabe quando vai precisar desses apoios e recursos. É fundamental trabalhar com consultores e profissionais capacitados no processo criativo. A acessibilidade digital, atitudinal, arquitetônica são muito importantes. E, como somos a minoria, cada pessoa que veste a camisa da acessibilidade e briga por isso, nos ajuda a tornar o mundo mais igual”.
Foto de Capa: Taís Vianna
Reportagem: Pedro Henrique Mello
Supervisão: Vinicius Carvalho