Candidatos que se autodeclaram brancos têm quase 4 vezes mais chances de se eleger do que os candidatos negros
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Números analisados da base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre as eleições de 2022 mostram que 6,97% dos candidatos autodeclarados brancos conseguiram se eleger para deputado federal. Com relação aos candidatos autodeclarados negros, apenas 1,8% que disputavam o pleito se elegeram.
Dos 10.630 candidatos à deputado federal nesta última eleição, 5.329 se autodeclaravam brancos e 1.486 se autodeclaravam negros. Deste total, conseguiram se eleger 370 brancos e 27 negros para representar a população no Congresso Nacional. Ou seja, os parlamentares brancos representam mais de 70% da câmara.
Com 27 eleitos, os deputados federais negros atingiram o maior número de representantes da história: um crescimento de 8,94% em relação à eleição de 2018, segundo dados do TSE. Porém, quando relacionamos esse número ao total de vagas da câmara (513), vemos que os negros só ocupam cerca de 5% do congresso, o que potencializa um déficit de representatividade na casa legislativa.
Na eleição de 2018, economistas do Insper (Instituto de Ensino e Pesquisa) revelaram um estudo onde candidatos a deputados federais brancos tinham o dobro de chance de se elegerem em relação a candidatos negros. Passados 4 anos, vemos este resultado potencializar. Nesta eleição candidatos brancos possuem quase o quádruplo de chance para se eleger em relação a negros.
Sobre o pleito deste ano, a cientista política Stephannie Lopes enxerga um padrão no parlamento brasileiro. “A Câmara dos Deputados continua a ser composta, principalmente, por homens, brancos, casados e com ensino superior. Existe um avanço de representatividade, mas longe de ser o ideal”.
O racismo estrutural na política e a tentativa por paridade racial no sistema
Em agosto de 2020 o TSE decidiu pela divisão proporcional dos recursos de financiamento de campanhas e do tempo de propaganda eleitoral no rádio e na TV entre brancos e negros. Já no início de outubro do mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou a validação da “cota eleitoral racial” para as eleições de 2022. Na época da decisão, o ministro Luís Roberto Barroso afirmou: “Estamos ao lado dos que combatem o racismo, ao lado dos que querem escrever a história do Brasil com tintas de todas as cores”.
A JOTA fez um levantamento onde quase 30% dos deputados estaduais e distritais que concorreram à reeleição como pardos em 2022, se declaravam brancos em 2018. Isto se dá após uma série de medidas dos poderes judiciários, que vislumbram mudanças na regra eleitoral para candidatos negros.
Em 2014, quando começou a autodeclaração de raça, o percentual de candidatos negros foi de 44,24% e em 2018, foi 46,5%. Este ano, chegou a 49,49% – número que supera a quantidade de candidatos que se declararam brancos. Apesar de nesta eleição ter tido um crescimento na candidatura de pessoas pretas, ainda é possível ver um grande déficit na representação política, visto que 5% da câmara é composto por parlamentares negros.
Essa falta de diversidade no Congresso Nacional influencia na decisão de pautas fundamentais que podem ser negligenciadas para uma parcela da população. “Além disso, escancara o racismo, que é um impedidor do acesso das pessoas negras em espaços de poder”, pondera Glaucia Marinho, coordenadora da ONG Justiça Global.
Em quase uma década de eleições para o Congresso Nacional é possível entender que a composição da câmara dos deputados, na questão da representatividade racial, permanece praticamente a mesma. O gráfico também expõe que deputados pardos, pretos, amarelos e indígenas somados não alcançam nem a metade do número de candidatos eleitos brancos no congresso.
A cientista política Stephannie Lopes elenca alguns motivos que explicam a baixa representatividade negra na política. “A falta de fiscalização do TSE, o acesso a verba de campanha, a estrutura de apoio dos partidos e as candidaturas laranjas contribuem para que as chances [de melhora do resultado de candidatos negros] sejam ampliadas”.
Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2018, mostram que 56% da população brasileira é negra. Entretanto, esses indivíduos encontram-se sub-representados no parlamento brasileiro. Ou seja, mais da metade da população brasileira é negra e os espaços de poder são dominados por brancos.
Mesmo sendo um dos países mais miscigenados do mundo, o Brasil não retrata essa diversidade em nenhuma de suas instituições. Não só negros, mas amarelos, indígenas e pardos também sofrem com a baixa representatividade em espaços de poder. “É preciso entender que a diversidade é um valor democrático”, finalizou Gláucia.
Nesta eleição 50,27% dos candidatos se autodeclararam negros – um aumento de 8,64% entre as candidaturas negras em relação há quatro anos. Embora tenha sido uma eleição com esta grande participação, somente 32,12% destes candidatos foram eleitos.
“No parlamento, existe apenas uma parte da população representada”, diz a parlamentar Tainá de Paula (PT)
Na avaliação da vereadora Tainá de Paula (PT), a diferença de poder econômico entre os candidatos brancos e negros é o que mais contribui para a disparidade nos números dos candidatos eleitos. Em entrevista, a vereadora foi taxativa quando perguntada sobre uma possível solução para haver paridade no sistema político brasileiro: “o único jeito é mudar a regra eleitoral”.
Com a adoção e ampliação da igualdade eleitoral, é possível que o aumento de recursos aumente a visibilidade de negros, amarelos, pardos e povos indígenas na busca pela equidade na política brasileira, entendendo que a diversidade é um valor da democracia.
Reportagem: Filipe Fernandes e Leonardo Marchetti
Supervisão: Clara Glitz
Imagens: Flourish