A interferência da Constituição de 1988 na história dos povos indígenas
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Responsável por garantir direitos fundamentais à sociedade, a Constituição Federal de 1988 busca preservar a ordem democrática recém-instaurada. Com intuito de assegurar direitos ao cidadão brasileiro, o símbolo da redemocratização do país permite o acesso à saúde, educação, trabalho e moradia. Dessa forma, a carta magna consta entre seus artigos o reconhecimento dessa organização social, bem como o respeito por sua cultura para certificar os direitos dos povos indígenas.
Em vista da importância da demarcação de terras para a preservação identitária de indígenas, é competência não só da Constituição de 1988, mas também da Fundação Nacional do Índio (Funai) proteger os espaços que os nativos tradicionalmente ocupam. Por meio do estabelecimento de limites físicos entre territórios, é possível controlar de modo estatal essas áreas vulneráveis e os conflitos por sua posse.
Entretanto, a tese jurídica criada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), há mais de dez anos, retoma a discussão nas últimas semanas. Marcada por uma constância de debates e controvérsias, a legislação da PL 490/2007 ou Marco Temporal, refere-se a uma ação que pretende estabelecer a delimitação de terras indígenas de acordo com a data da promulgação da carta constitucional. Essa medida implica que, caso um povo nativo não estivesse presente na localidade em questão do período mencionado, existe a necessidade da apresentação de evidências judiciais de uma disputa em andamento ou de um conflito ocorrendo no momento em que o regulamento foi divulgado.
Os povos originários estão distribuídos em grupos por quase toda expansão nacional, distinguindo-se entre si a partir de cada cultura, línguas e modos de viver. Em virtude dos confrontos entre colonizadores e os nativos, que marcaram sua chegada em terras brasileiras, o quadro histórico da ocupação e do controle foi estabelecido de forma imediata graças a um comportamento incomum. A resistência contra a invasão estrangeira foi fundamental para preservar sua identidade e região, no contexto atual, esses povos desempenham um papel essencial na defesa do meio ambiente e na luta pela preservação de seus direitos territoriais e culturais.
Os argumentos contra a tese jurídica se baseiam no princípio da desvalorização de toda violência e marginalização documentada que esses indivíduos passaram. Um fator importante que a legislação desconsidera é a disputa por terras já pacificadas, uma vez que o intuito de expulsar povos indígenas de determinados locais não os direciona para novos locais inabitados, mas sim sua distribuição entre outras comunidades que já pertenciam ali. Além disso, a presença dos nativos nas regiões florestadas está diretamente ligada à preservação ambiental, pois a contribuição contra o desmatamento, gerado pelo avanço de agricultores, auxilia no equilíbrio ecossistêmico.
A remarcação da área ambiental e nos direitos dos povos indígenas, com a lei, refletem a mudança de um relato já sentido no cenário do Brasil. Logo, Xainã Pitaguary, membro da aldeia Monguba no Ceará e coordenador do núcleo de estudos afro-brasileiros e indígenas da UFSM critica a norma por ser uma deformação na história. O jovem indígena enxerga o processo como uma alteração da narrativa vivenciada por seus ancestrais, uma vez que o invasor é visto como proprietário da terra e o indígena como aquele que invade esta.
Por isso, na mesma medida que ocorreu a expulsão violenta dessas comunidades anteriormente, ao delimitar áreas de populações que já habitavam espaços antes da chegada de europeus no Brasil, a narração colonial se repete. “É uma reforma histórica que investe a lógica do que já existe e todos sabem, em que os habitantes originários seriam os indígenas e quem chegou invadindo esse território foram os colonizadores” – afirma Xainã.
É necessário lembrar que um procedimento jurídico, responsável por impactar todo o setor localizado nessas zonas indígenas ou nas áreas limítrofes, sofre constante pressão de ambos lados por uma resposta imediata. Encontrar um equilíbrio entre as necessidades e demandas desses diferentes grupos é um desafio complexo para o sistema jurídico, mas fundamental.
O Procurador do Espírito Santo, Paulo Marschall, destaca que o meio jurídico acadêmico está em debate sobre a norma legal que orienta a demarcação de terras indígenas. Para ele, é essencial considerar critérios que equilibrem não apenas os direitos desses indivíduos, mas também outros princípios e garantias constitucionais. Com isso, buscam-se soluções que visem promover a justiça, a sustentabilidade e a harmonia entre todos os envolvidos nesse processo complexo.
A segurança jurídica e econômica, assegurada pelos investimentos que serão feitos nas áreas afetadas pelo marco temporal, são requisitadas pelos apoiadores da lei que defendem o direito à propriedade privada. Agricultores e outros ruralistas acreditam que o processo é considerado uma aplicação do princípio da legalidade. Segundo eles, os direitos devem ser exercidos de acordo com as leis em vigor na época em que foram adquiridos, ou seja, conforme a avaliação do Congresso e não por atribuições feitas pela Funai.
Nesse sentido, a posse tradicional não deve ser confundida com posse imemorial, tornando-se necessária a comprovação de ocupação da área na data de publicação oficial da Constituição ou a apresentação de evidências que comprovem a retirada de indígenas em decorrência de conflitos pela posse.
O requerimento para uma regulação que evite a expansão limitada a cerca de áreas já incorporadas ao mercado imobiliário do país está sendo sinalizada. Para Amaro Neto, jornalista e Deputado Federal, a teoria que defende os limites das terras a um processo permanente de recuperação de posse naturalmente abre oportunidade para conflitos de toda a ordem. “Com a definição de um marco temporal em lei, a subjetividade em que o assunto é tratado acabaria, buscando proteger a garantia constitucional ao direito de propriedade” – declara Amaro.
O julgamento que trata da legalidade da PL 490 voltou a ser suspenso pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no dia 7 de junho. Ocasionada por um pedido de vista do ministro André Mendonça, a suspensão deverá pelas regras internas ter prazo máximo de até noventa dias.
Reportagem: Joana Braga
Supervisão: Heitor Leite