CARREGANDO

O que você procura

Geral

Musicoterapia: o crescimento do tratamento no país

Compartilhar

Há 14 anos a musicoterapia era reconhecida no Catálogo Brasileiro de Ocupações como uma profissão. Porém mesmo depois desse tempo ela continua sem regulamentação. “A musicoterapia já deveria estar regulamentada há muito tempo. No entanto, tratam-se de trâmites difíceis de serem enfrentados e de um trabalho além de tudo político”, afirma Lia Rejane Barcellos, musicoterapeuta formada na primeira turma do Conservatório Brasileiro de Música e atual coordenadora da pós graduação em musicoterapia da instituição. Ela explica que com uma grande quantidade de resultados comprovados dentro desse tipo de terapia, a criação de um regulamento deve ser o próximo passo a trilhar.

Com a falta de regulamentação, não há a obrigação da contratação de musicoterapeutas em quadros funcionais da rede pública brasileira. Isso acaba gerando a falta de continuidade nesse serviço dentro de clínicas e hospitais. Exemplo disso são as unidades hospitalares das Forças Armadas, onde há alguns profissionais que ocupam a área médica ou de enfermagem e, como complemento, também possuem em sua qualificação a musicoterapia. Contudo, uma vez que o tempo de contratação destes termine ou que eles escolham aposentar-se, não são abertos concursos para que profissionais com esse conhecimento adicional específico sejam contratados.

 

Alunos de musicoterapia da UFRJ cantando o mantra hindu Shiva Shivaya no ritmo Ijexá

Apesar da questão regulamentar, a musicoterapia é uma área que vem aos poucos crescendo no país. Em 1972 foi aberta a primeira turma dessa graduação no Brasil, no Conservatório Brasileiro de Música. Entretanto, só em 2019 a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma das mais prestigiadas no Estado, abriu sua primeira classe deste curso. Com 20 alunos aprovados e 58 na lista de espera, a instituição deseja exercer influência no cenário musicoterapêutico estadual e até mesmo nacional. “A diferença em relação aos outros cursos de graduação nas demais públicas é que o nosso faz parte da área da saúde, os outros estão vinculados aos centros de letras e artes ou a área de música especificamente dita. Por isso, o nosso curso tem uma carga horária de  pelo menos 600 horas a mais do que os das outras faculdades”, comenta Beatriz Salles, vice coordenadora da musicoterapia na UFRJ.

Não foi fácil encontrar um consenso para que a graduação em musicoterapia da UFRJ nascesse. Desde 2011, há debates que buscam encontrar um equilíbrio entre todas as áreas da universidade incluídas no curso. “Em um primeiro momento, a Escola de Música não achou que fosse dar conta de assumir mais uma responsabilidade”, conta Beatriz. Ela explica que um dos maiores impasses foi em razão do Teste de Habilidades Específicas, que não é exigido para os futuros musicoterapeutas mas é requerido para instrumentistas e musicistas: “Foi complicado achar um denominador comum entre aquilo que eles entendem que é a música necessária para você ser músico licenciado ou instrumentista bacharel, e a música que vai ser utilizada na nossa clínica”. A vice coordenadora explica que além de envolver a Escola de Música, essa formação vem de uma convergência entre o Centro de Letras e Artes e o Centro de Ciências da Saúde, em conjunto com o Instituto de Psiquiatria, a Maternidade Escola, a Terapia Ocupacional e o Departamento de Arte Corporal.

A expectativa é de que o interesse por parte dos estudantes continue a crescer, e que com o tempo possam até ser abertas duas turmas ao ano. Uma das principais características da musicoterapia é a interdisciplinaridade. Ela lida com diversas áreas do saber, relacionadas aos processos de saúde, doença, cura e reabilitação. Por isso tem chamado também a atenção de alunos que já estavam matriculados em outras graduações para se aproximarem desses conhecimentos. Este é o caso de Marcello Cascino, estudante de psicologia da UFRJ de 21 anos que decidiu realizar algumas matérias de musicoterapia neste período. “Acabei me interessando por esse campo a partir de um projeto de extensão da psicologia que se chama Cancioneiros do IPUB. Ele é basicamente uma banda composta por pacientes psiquiátricos, com diagnósticos variados. Comecei a fazer essa extensão e gostei muito do ofício do musicoterapeuta”.

 

Projeto Cancioneiros do IPUB.//Foto: Cancioneiros do IPUB

O desenvolvimento da musicoterapia no Brasil caminha apoiado na psicologia. Marcello conta que foi só com a Reforma Psiquiátrica que terapias humanizadas ganharam mais atenção: “Acho que é muito recente o aparecimento dessa abordagem, basicamente foi com Nise da Silveira que aconteceu a instituição de terapias mais humanas como tratamento”. O pouco tempo desta reforma contribui para que essa terapia seja enxergada como algo ainda bastante novo.

Há apenas dois anos essa ocupação entrou na lista do Ministério da Saúde como Prática Complementar do Sistema Único de Saúde. Dentre as outras práticas listadas, ela é a única que possui curso de graduação além da especialização. A estudante de musicoterapia da UFRJ Rebeca Diogo, de 21 anos, acredita que não há falta de reconhecimento em relação a este cargo, mas sim um desconhecimento por parte da população. “Por isso que os salários são baixos e as vagas são poucas. O governo ainda está se adaptando a essa profissão”.

No entanto, mesmo com a dificuldade nos incentivos governamentais, há alunos que buscam seus próprios meios de expandir os conhecimentos em relação à profissão. Robson Ferreira, de 46 anos, é um deles. Ele estuda no Conservatório Brasileiro de Música desde 2015 e encontrou na musicoterapia uma maneira diferente de ver o Transtorno do Espectro Autista, no qual seu filho está inserido. “Quando eu começo a pesquisar sobre a musicoterapia e ver no que ela podia ajudar o meu filho, eu venho buscar essa ajuda e acabo me deparando com uma proposta de fazer um trabalho maior”. Logo depois de ingressar na graduação, Robson encontrou a oportunidade de aplicar a musicoterapia em 210 alunos do Centro de Ações Integradas Castorina Faria Lima. No mesmo ano, ele aluga um espaço em Nova Iguaçu onde hoje oferece esse serviço para bebês e crianças. “Meu projeto busca fazer tudo aquilo o que o meu filho precisava desde o começo”, explica.

 

Robson Ferreira e seu filho, Pedro Lucas.// Foto: Arquivo Pessoal

 

Diante do cenário geral, uma das principais questões que ainda precisa ser desmistificada em relação à musicoterapia é a do valor curativo mágico da música. “Quando uma família busca esse tratamento é porque já passou por muita coisa e acaba chegando ao consultório com uma expectativa de que a música só faz bem”, diz Martha Negreiros, musicoterapeuta da Maternidade Escola. As pessoas possuem o senso comum de que a música sempre trará resultados positivos, quando na realidade, se mal aplicada, ela pode ser prejudicial, ajudando a gerar até a regressão de alguns casos. “Há a espera de um resultado instantâneo, mas na realidade é como qualquer outro tipo de terapia, há um processo, com diferentes tipos de durações”.

Reportagem: Bárbara Beatriz Camello

 

Tags: