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Mulheres no céu

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O brasileiro Santos Dumont pilotou o 14-Bis, primeira aeronave mais pesada que o ar, pela primeira vez em 1906. Quase duas décadas depois, em março de 1922, a paulista Thereza de Marzo, realizou seu primeiro voo e se tornou a primeira mulher brasileira habilitada pela banca do Aeroclube Brasil. Em 2017, o número de licenças de piloto comercial de avião habilitados para homens foi de 20.416, enquanto para mulheres apenas 740, o que representa apenas 3,6%, segundo os últimos dados divulgados pela Agência Nacional de Aviação Civil, a ANAC. Com a proximidade do centenário das mulheres no céu, o Portal de Jornalismo da ESPM foi a campo buscar entender quem são algumas destas pilotos, porque escolheram a profissão, como são suas rotinas e quais suas motivações.

Para Patricia Ramanauskas, piloto de avião desde os 16 anos, a aviação surgiu naturalmente em sua vida, por ser uma paixão compartilhada com seu pai. “Meu pai é piloto agrícola. Nasci no meio da fazenda, dentro do hangar, em meio à manutenção de aeronaves e também junto à acrobacia aérea, esporte também exercido por ele. Sempre tive o desejo de pilotar, tirar meu brevet (documento que dá permissão para pilotar aviões), e fazer acrobacias aéreas, porém o desejo de seguir com isso como profissão foi surgindo aos poucos, conforme a necessidade de dar sequência à carreira. Meu pai sempre me apoiou na aviação, mas sempre me orientou para o lado da aviação comercial, visto que ele sabia das dificuldades da aviação agrícola, pelo contato com agrotóxicos principalmente.”

Patricia Ramanauskas. Arquivo pessoal.

Em alguns casos a aviação não é primeira opção na vida do estudante, por ser um universo pouco explorado e apresentado pelas escolas no ensino médio e, principalmente, no último ano, momento em que os alunos estão decidindo que carreira seguir. Helena Lacerda fez publicidade e propaganda e atuou na área de Marketing, mas não sabia se era realmente isso que queria fazer. “Eu comecei a estagiar na indústria farmacêutica, fiquei dois anos e mudei para um programa de trainee em uma indústria de alimentos. Até então a carreira tava caminhando. Depois eu mudei para uma empresa que era realmente focada em marketing e falei “se nesse lugar não bater meu coração, eu vou tentar outra coisa.”

Helena Lacerda. Arquivo pessoal.

O interesse pela aviação veio após Helena assistir uma palestra de incentivo à novos pilotos no Aeroclube de São Paulo, mas apenas depois de alguns anos, a paixão pela aviação fez com que ela abandonasse sua carreira em marketing e seguisse o objetivo de se tornar piloto de avião. “Na minha infância eu sempre gostei muito de aeroporto. Era um martírio para as pessoas chegarem tão cedo para um voo, mas pra mim era muito prazeroso, eu gostava do ambiente, gostava de ver gente de todo lado, de ver a multiculturalidade. Me interessava muito por esse cenário. Então acho que isso contribuiu muito mais do que pela parte técnica. Meu interesse foi mais pela rotina, pelo estilo de profissão, pelo ambiente. Depois que comecei a estudar aviação, acabei me apaixonando pela máquina. E aí uniu o útil ao agradável.”

Para Lise Capelletto, enxergar mulheres dentro das cabines de comando foi muito importante para o começo da sua carreira na aviação. “Como eu não tinha ninguém na família, eu não sabia qual era o caminho, quais iam ser minhas dificuldades e se ia ser muito difícil pelo fato de ser mulher ou não. Graças à Deus eu tive exemplos muito bons de pessoas batalhadoras, que me mostraram o caminho e que me fizeram enxergar que não ia ter problema nenhum, que era muito legal e me fizeram admirar elas. Eu tento passar isso pra quem tá entrando agora, pra quem tá se formando. E eu acho que é isso que faz a gente ter cada vez mais mulheres, uma ajudando a outra e isso é muito importante. Tomara que um dia sejamos um número igual.

Lise Capelletto. Arquivo pessoal.

Paloma Michalski nunca sonhou em ser piloto de avião, considerava longe de sua realidade por não ter ninguém da família na aviação. Fez o curso de comissária, mas ao observar os pilotos em sua rotina começou a se interessar e percebeu que seu perfil se encaixava mais com a aviação. “Como eu ficava muito tempo em aeroporto, eu comecei a observar e achar legal. No início eu comecei a fazer por fazer, eu não sabia como funcionava, mas depois de um tempo eu percebi que o meu perfil era mais voltado para piloto do que comissária.”

Paloma Michalski. Arquivo pessoal.

Patricia se considera privilegiada por não ter vivenciado nenhuma atitude machista durante sua formação. No ambiente profissional, ela passou pela mesma seleção e recebe o mesmo salário, mas a piloto ainda escuta alguns comentários preconceituosos. “Já tiveram casos de machismo, não com meus colegas de trabalho, mecânicos ou com a tripulação, mas sim com passageiros. Comentários bem chatos, vindo inclusive de mulheres. Então ainda tem um pouco de machismo.” Apesar disso, Patricia acredita que a inserção feminina no mercado aumentará cada vez mais. “Acho que naturalmente as mulheres estão sendo inseridas na aviação. Pela questão cultural e pela falta de acesso, é difícil ver mulheres, mas se inserir no ambiente de trabalho já é bem possível, bem acessível.” 

Apesar dos comentários machistas, das dificuldades para ingressar no mercado de trabalho da aviação, um dos mais concorridos independente do gênero, e das longas horas de dedicação que a carreira exige em terra e nos céus, Helena, Lise, Paloma e Patricia acreditam em um futuro promissor para as mulheres que desejam ingressar na aviação. Patrícia comenta que “Quanto mais tem mulher, mais as outras meninas olham para as mulheres pilotos e acham legal. Quando você tem uma inspiração, as coisas ficam bem mais acessíveis. Você tem um exemplo, corre atrás, se inspira.”. Paloma concorda e ressalta “Eu acredito que a mulher tem buscado muito e a tendência é aumentar cada vez mais.” Na opinião de Lise “Estamos crescendo e temos mais presença em todas as áreas. Eu acho que o preconceito que a gente sabe que existe tende a diminuir. E com isso a gente tem mais espaço, mais liberdade, mais incentivo.” E Helena conclui “Eu vejo senhoras se sentindo representadas quando veem uma menina na cabine. Talvez elas não tiveram oportunidade de seguir alguma coisa que elas gostariam. E me deixa mais feliz ainda ver que as crianças que que entram na cabine, ficam surpresas com a quantidade de botões que tem e não com o fato de ser uma mulher que vai pilotar o avião e isso é lindo de se ver.”

Reportagem de Isabelle Xavier

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