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Joana Gabriela, poeta de resistência em ascensão

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Joana Gabriela é uma mulher negra e periférica que, através da poesia, conta sua história pelas vielas e praças do Rio de Janeiro. “Escrevo abordando problemas sociais, eu somente boto no papel o que vivo no meu dia a dia, desde que me conheço como gente”. Em setembro de 2003, uma grande chuva caiu sobre o Rio de janeiro. Ela tinha seis anos e perdeu o irmão e o padrasto para um deslizamento de terra que aconteceu naquela noite, no morro do Preventório. Joana teve traumatismo craniano e machucados pelas costas e barriga.

Logo depois do ocorrido, Joana e a mãe, as únicas sobreviventes da família, ficaram desamparadas. “Tive que amadurecer cedo”, disse Joana ao contar que aos seis anos já catava latas na rua junto à mãe. Elas lutavam para ter o que comer e onde morar.

Joana Gabriela em Praça da República. Foto: Rogério Fontes

Quando começou a escrever, aos 13 anos, já tinha um propósito “Comecei como poeta com a vontade de querer batalhar pela igualdade entre homens e mulheres. Sempre quis ser livre e respeitada”. E hoje, com 21, proclama suas poesias combativas, contestando o machismo, a homofobia e o racismo na sociedade, “Ser voz pra quem não tem, é o que eu quero com a poesia”.

Suas letras carregam o peso da desigualdade social. Joana traz em seu olhar o desejo por transformação e em sua voz a vontade de contar a história daqueles que por muito tempo se silenciaram. Ela possui diversos projetos em andamento, como o lançamento de sua primeira música, que contará a história de um relacionamento lésbico entre mulheres negras. Assim como um projeto cultural que levará o esporte, dança, música e lazer para crianças das favelas fluminenses.

Em maio de 2018, uma mulher de 22 anos foi estuprada às margens da Baía de Guanabara, o que ocasionou o ato “Chega de Estupros” em Niterói. Joana compareceu ao evento e lá conheceu Samantha Su, uma das organizadoras. Samantha, aos seus 25 anos, passou a acompanhar a evolução de Joana, marcando presença em suas apresentações em batalhas de poesias e saraus. “Ela tem um flow muito solto, uma levada muito braba que vai encadeando uma ideia na outra. Ela tem uma expressão corporal muito grande”.

https://youtu.be/LhDFymvApt4

Em uma intervenção poética, realizada na policlínica Vital Brasil, em Niterói, Joana conheceu Paula Latgé, uma psicóloga de 42 anos. Paula comentou que apesar de muito nova, Joana é uma artista completa. “Ela faz de sua arte instrumento de transformação social, uma arte viva e engajada”. Também afirmou que a presença de Joana é incomparável. “Ouvir e vê-la é uma experiência que desloca o mundo de lugar. De seu cotidiano faz poesia, e de sua poesia seu caminho de vida”. Além de ser reconhecida pelos frequentadores de rodas de rima e de projetos sociais em Niterói, Joana se tornou conhecida nacionalmente.

Há um ano, postou um vídeo expondo sua poesia “Barbie verdadeira” sobre a luta contra os padrões estéticos. Seu trabalho foi visto por 4,3 milhões de pessoas e com a repercussão do vídeo ganhou 26 mil seguidores no Facebook. Fora o reconhecimento que teve nas redes sociais, Joana vem acumulando vitórias nas batalhas de poesias do Rio de Janeiro. Ainda em 2018, se tornou a primeira vencedora do SLAM Praça Preta, em Niterói, e representou a cidade no Campeonato Estadual de Poesias Faladas, conseguindo se qualificar até as semifinais.

Além dos títulos conquistados, ela trabalha como voluntária no projeto Ocupa Praça, onde realiza oficinas de poesias para crianças em situação de rua. Ela sempre quis dar voz às minorias e acredita que sua palavra pode contestar as desigualdades. “Poesia faz a gente ver que tem direito à educação e à cultura”. Sua paixão pelo que faz é nítida, porém Joana afirma ser muito difícil sobreviver com sua arte. “Ser poeta, viver de arte, ser rapper não é fácil”.

A melhor amiga de Joana, Nathalia D’lira, de 22 anos, também é poeta e comenta as dificuldades da carreira. “A sociedade, às vezes, nos vê como ninguém”. Ser valorizado e pago pelo trabalho se tornou uma luta frequente enfrentada pelas amigas. “A valorização é uma das maiores dificuldades, do artista viver e pagar suas dívidas”. Joana, por sua vez, tem crescido no cenário das batalhas de poesia e, frequentemente, é convidada para eventos. Contudo, nem sempre possui o dinheiro para o transporte. “Nem sempre dá para colar por falta de grana”, desabafou.

Joana batalhou muito ao longo de seus 21 anos. “Sou uma mulher pobre, preta e em ascensão, só vão me parar quando eu morrer”.  Afirmou que, para mulheres como ela, o reconhecimento que já tem é enorme. “A Joana de alguns anos atrás jamais imaginaria ser quem eu sou hoje, não acabou, e eu já cheguei onde jamais imaginei”.