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“E agora, Miguel?”

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  • reportagem de Alexia Chlamtac e Renata Ribeiro

O futuro nebuloso do Ensino Superior no Brasil

Entretido com seus inúmeros bonecos de dinossauros, o pequeno Miguel brincava em frente à televisão quando, de repente, veio a notícia: O Museu Nacional estava sendo totalmente consumido pelo fogo. Tula, a mãe do menino, não conseguia acreditar naquilo. Ela fechou os olhos e se viu ainda criança correndo pelos corredores do Museu. Foi ali, admirando a residência que havia pertencido à família real, que a professora de 38 anos resolveu cursar História. Mesmo sem entender muito bem o que estava acontecendo, Miguel perguntou: “Mamãe, mamãe, não é lá que moram os dinossauros? Eles morreram? Eu quero estudar sobre eles quando crescer. E agora?”. Tula não soube responder. A inocente pergunta do menino de apenas cinco anos poderia facilmente fazer parte de qualquer debate entre os candidatos à Presidência da República. O incêndio no Museu Nacional, administrado pela UFRJ, foi apenas mais um capítulo do descaso das autoridades com a cultura e a educação brasileiras. Às vésperas das eleições, o futuro do ensino superior é colocado em xeque e pode ser determinante para a escolha do eleitor.

Criado em 1818, o Museu Nacional abrigava parte da memória do país e também era referência em pesquisa científica. A mais antiga instituição do Brasil contava com um acervo científico, bibliográfico e documental de mais de 20 milhões de itens, o quinto maior e mais importante do mundo. Desde 1946, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) é responsável pela administração e pelos repasses financeiros ao Museu.  Em nota divulgada em seu site, a UFRJ afirma que “sofreu significativa redução orçamentária nos últimos quatro anos. É falaciosa e extremamente absurda qualquer versão que insinue aumento de recursos, quando são visíveis os cortes na ciência e educação, denunciados pela comunidade científica.” A universidade ainda disponibilizou os valores repassados desde 2014, afirmando que só recebeu R$ 388 milhões em 2017. O comunicado da universidade é uma resposta à declaração do ministro-chefe da Casa Civil Eliseu Padilha. Dois dias após o incêndio, ele afirmou que houve um aumento na verba destinada à UFRJ entre 2012 e 2017. De acordo com Padilha, a instituição de ensino recebeu um total de R$ 3 bilhões no ano passado e apenas R$ 373 mil foram destinados ao Museu.

Em meio a esse jogo de empurra entre o governo federal e a UFRJ, a estudante de geologia da própria instituição, Thaís Mattos, não sabe como vai conseguir terminar sua monografia. “Eu estou prestes a me formar e vinha usando parte desse acervo para meu trabalho de conclusão de curso. Esse incêndio é a cara do Brasil. De todo o abandono que vivemos em todas as áreas. O que pensar de um país que não cuida de sua história? Jamais cuidará de sua educação, de sua ética”, afirmou a jovem de 25 anos.

A revolta de Thaís parece ter explicação. Em 2016, a gestão de Michel Temer aprovou a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) do teto de gastos públicos com o objetivo de limitar o crescimento das despesas do governo e superar a crise econômica e financeira do país. Especialistas em contas públicas alegam que os setores de educação e saúde seriam os mais prejudicados, já que essa medida, prevista até 2036, prevê congelamento dos investimentos nas duas áreas. “Se derem mais dinheiro para uma esfera, vai faltar para outra”, afirma o professor de economia da Estácio de Sá, Breno Medeiros. Para o ano de 2018, o orçamento inicial do Ministério da Educação (MEC) era de R$ 108 bilhões. Em 2019, o MEC espera receber esse mesmo valor corrigido pela inflação, totalizando cerca de R$ 121 bilhões. Essa quantia garante que o orçamento do Ministério não sofra redução por conta da lei do teto de gastos e, em tese, asseguraria os investimentos em bolsas de estudos e verbas para as universidades. Porém, com a troca de comando no Planalto e o cenário eleitoral tumultuado, estudantes estão receosos sobre seu futuro.

O Conselho Superior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) admitiu que quase 200 mil bolsistas da Capes podem perder suas bolsas de auxílio à pesquisa científica caso realmente haja cortes de orçamento para o próximo ano. Formado em Odontologia e cursando mestrado em Ortodontia na UFF desde 2017, o estudante Eduardo Prado, de 36 anos, teme ser prejudicado. “A universidade exige dedicação exclusiva. Passei por um critério de avaliação bastante rigoroso. Foram noites em claro me debruçando sobre os livros para escrever meu artigo e, posteriormente, meu projeto de pesquisa. Não há como esperar a economia se recuperar e retomar do ponto onde parei depois de algum tempo. Se realmente houver o corte da Capes, minha pesquisa científica será totalmente perdida. Serão anos de dedicação jogados no ralo”.

 

O Professor Adjunto do Departamento de Ensino de Ciências e Biologia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Diogo Mayrinck, concorda com Eduardo e acrescenta: “Com o corte não só os bolsistas serão prejudicados, mas toda a Universidade. Perderemos todo o apoio científico, de sustento e de fomento dos nossos laboratórios. Não haverá sequer insumo para dar continuidade às pesquisas em andamento. Isso significa uma perda irreparável no processo de produção científica e fará a ciência brasileira retroagir em anos”. Diogo também afirma que o atual cenário é desolador e não acredita que haja uma melhora a curto prazo, porque não existem candidatos com propostas concretas de investimento no Ensino Superior e nem imbuídos da ideia de restaurar o Ministério da Ciência e Tecnologia (hoje vinculado ao Ministério das Comunicações). “Li a plataforma de todos os candidatos. Todos eles têm o mesmo discurso de priorizar o Ensino Básico e parecem relegar o Ensino Superior. Eu creio que não deva se cortar ou redistribuir verbas, deva-se aumentar nas duas esferas”.

Dos 13 candidatos à Presidência, Marina Silva, do Rede, e Guilherme Boulos, do PSOL, apresentam propostas para recriar o Ministério de Ciência e Tecnologia. No entanto, apenas Marina anunciou planos para recuperar orçamentos de agências de fomento à pesquisa a nível nacional, como o Capes e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Quanto às propostas na área de Educação, todos têm suas plataformas baseadas na valorização do Ensino Básico e pouco falam sobre a retomada do investimento no Ensino Superior.

Esse cenário já apontava indícios de ruir desde julho de 2016, quando o governo federal, em meio à crise econômica, anunciou o fim do programa Ciência sem Fronteiras para os alunos de graduação das universidades públicas brasileiras. A engenheira florestal Mariana Oliveira, de 29 anos, era estudante da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) quando tomou conhecimento do programa, em 2013, e lembra com saudosismo dos anos em que estudou na University of West Hungary, em Sopron, na Hungria. “A experiência foi única. Pude conviver com pessoas de diversos países e tive a oportunidade de conhecer diferentes culturas. Apesar da pouca oferta de matérias, as que fiz acrescentaram na minha formação como profissional. Fiquei triste quando acabaram com o programa, muitos não terão a mesma oportunidade que tive. O programa teve suas falhas, mas muita gente soube aproveitar”.

Desde a sua criação, em 2011, o programa enfrentou várias críticas pela falta de acompanhamento aos estudantes. Para o professor da UERJ, o projeto foi uma medida populista do governo e funcionava de uma forma muito desregulada. “Esse tipo de programa sempre existiu, como as Bolsas Erasmus e o Doutorado Sanduíche. O Ciência sem Fronteiras foi uma espécie de junção dos programas anteriores. Uma grande quantidade de alunos foi enviada para o exterior sem condições de estar lá. Eles não tinham obrigação e nem responsabilidades. Tanto que o apelido do programa virou Viajando sem Fronteiras. Eu sempre fui contra, porque não era baseado numa meritocracia. Enviar o aluno para o exterior exige um nível”.

A também engenheira florestal Lorena Carvalho, de 29 anos, é uma das que souberam aproveitar o programa. Em 2013, ela foi para os Estados Unidos ainda como aluna da graduação e em 2015 voltou para cursar uma pós-graduação em urbanismo, focando em floresta urbana e justiça ambiental, na Portland State University, em Oregon. Uma das últimas remanescentes do programa, a estudante confessa que o medo de não renovarem a bolsa existe e que a visão de gestão política em relação à educação precisa ser mudada no Brasil. “Os projetos criados são interessantes, mas não há uma continuidade. Independente do candidato que vencer as próximas eleições, deve haver um acompanhamento dos programas implementados no Brasil, porque, geralmente, quando muda o governo, o programa acaba. E isso é extremamente prejudicial para os estudantes”.

Com previsões nebulosas para os próximos anos, Lorena continuará tendo incertezas sobre seu futuro. E, assim como ela, o pequeno Miguel ficará sem respostas. O incêndio no Museu Nacional deixou órfão não só o menino apaixonado por dinossauros, mas também milhares de estudantes que por ali passavam. Enquanto tenta explicar o inexplicável para seu filho, a professora Tula se vê exausta na esperança de um futuro melhor para Miguel e seus alunos. Farta de tantas medidas paliativas, ela faz um alerta aos próximos governantes: “Saliva não apaga incêndio!”.

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