Três meses após a intervenção, cariocas não se sentem seguros no Centro do Rio
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Em uma pesquisa realizada pela equipe do Portal de Jornalismo da ESPM Rio com 100 pessoas que frequentam diariamente o Centro da cidade, 68 responderam que não se sentem seguras no local. Os medos mais comuns envolvem furtos e assaltos. Mesmo depois da implantação do projeto Centro Presente, em dezembro de 2015, e da intervenção federal em vigor desde 16 de fevereiro deste ano, a sensação de insegurança ainda permanece nos que transitam pela região.
Desde o início da intervenção, o debate sobre a participação das forças armadas na segurança se tornou ainda mais presente na agenda pública. Apesar de não ser a primeira vez que isso ocorre, as opiniões se dividem sobre o decreto de Michel Temer de nomear o general do exército Walter Souza Braga Netto como interventor. O cargo permite que ele fique responsável pela gestão dos órgãos de segurança do Rio: as polícias civil e militar, bombeiros e administração penitenciária.
Segundo a contadora Lizete Carvalho, que trabalha na região da Lapa, hoje ela se sente menos segura do que há 17 anos, quando começou a trabalhar nesta área. Lizete ainda conta que, para chegar ao trabalho, evita usar transporte público e, quando possível, pede que o marido a deixe no local. “Tenho medo de qualquer tipo de violência, principalmente de assaltos”, relata. Para ela, a região precisa de mais policiamento.
A intervenção
A medida entrou em vigor após um decreto assinado pelo presidente no dia 16 de março. Posteriormente, foi aprovada no Senado em 20 de fevereiro. A intervenção na segurança do estado do Rio de Janeiro determina que a segurança pública fique sob responsabilidade de um interventor militar até 31 de dezembro deste ano. No Senado, foram 55 votos favoráveis, 13 contrários e uma abstenção e, na Câmara, 340 votos a favor, 72 contrários e uma abstenção.
No dia 20 de março, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão, que tem como função “zelar pelo efetivo respeito dos poderes públicos e dos serviços de relevância pública aos direitos assegurados na Constituição, promovendo as medidas necessárias à sua garantia”, divulgou uma nota sobre a intervenção federal no Rio de Janeiro. Afirma-se no texto que “o decreto ressente-se de vícios que, se não sanados, podem representar graves violações à ordem constitucional e, sobretudo, aos direitos humanos”. Os argumentos da Procuradoria são: o prazo da intervenção; o fato de que o interventor não está sujeito às normas estaduais, apenas às federais; a natureza civil da intervenção; os mandados de busca, apreensão e captura coletivos.
Repercussão
Para o jornalista Mário Magalhães, que atualmente escreve para o site The Intercept Brasil, é fundamental conhecer a história do Brasil do século 20 para entender a situação pela qual o Rio de Janeiro passa. Ele acredita que o discurso (da intervenção federal em vigor) reedita o da Operação Rio, de 1994.
Esta operação, deflagrada no fim de 1994, durante a gestão de Itamar Franco, foi um convênio entre o governo federal, estadual e o Comando Militar do Leste (cuja atuação se dá em Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro). Na época, a taxa de homicídios era de 64,8 a cada 100 mil habitantes, de acordo com dados do Instituto de Segurança Pública. Em coluna publicada no dia 21 de fevereiro, Mário relata que a justificativa da época para a operação foi “a situação da criminalidade no Estado, com a atuação de grupos delinquentes, estruturados em torno de tráfico local de drogas e fortemente armados”.
Além disso, há outra semelhança entre as duas operações: ambas foram realizadas em anos eleitorais. Em 1994, assim como será neste ano, os brasileiros votaram para os governos federal e estadual. “O propósito principal da intervenção é eleitoral”, afirma Mário. Ele explica que, embora haja estados mais violentos, “o Rio de Janeiro tem mais visibilidade”. De acordo com dados do 11º Anuário de Segurança Pública, realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública referentes a 2016, o Rio ocupa a 10º posição no ranking de estados mais violentos do país, ficando atrás da Bahia e de Sergipe, por exemplo.
A crise na segurança
Para o professor da Escola de Ciência Política da Unirio, Guilherme Simões Reis, a origem do problema de segurança no Rio é complexa. “Temos um estado muito populoso, com áreas degradadas e serviços públicos ruins, com grandes desigualdades de renda, com uma polícia situada entre as que mais matam e também imersa em muitos escândalos envolvendo corrupção, milícia e tráfico de armas e drogas”, afirma. Por conta disso, o cientista político coloca que a solução deve mudar a oferta de mão-de-obra para os grupos de atividades criminosas, envolvendo o investimento nas condições de trabalho dos policiais e na presença de policiamento ostensivo em toda a cidade. “Tem que melhorar a condição de vida das pessoas, especialmente nas periferias, com aumento dos empregos, das atividades culturais, reforma urbana e drástica melhoria dos serviços públicos”, finaliza.
Reportagem: Caio Garritano, Cecilia Santos, Isabelle Rodrigues e Karoline Kina
Pesquisa: Equipe do Portal de Jornalismo ESPM-RJ