A resistência contra os Autos de execução
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A viatura entra na comunidade e logo um intenso tiroteio começa a ser ouvido. Troca de tiros entre traficantes e policiais militares são comuns no dia a dia das favelas do Rio de Janeiro. Os autos de resistência, mortes realizadas por policiais alegando legítima defesa, também já se tornaram comuns nas favelas. Homens negros matando jovens negros, a tragédia carioca com resultados na violência. Neste cenário, o CineClube da ESPM exibiu o documentário “Autos de Resistência”, com direção de Natasha Nery e Lula Carvalho. Ele exibe a história de personagens que lidam com esses crimes e conta um pouco mais sobre os homicídios cometido pela Polícia Civil ou Militar.
Nos últimos 20 anos, o estado do Rio de Janeiro registrou 16.000 autos de resistência. Atualmente, 98% dos casos são arquivados sem serem investigados. Os 2% solucionados dificilmente vão a júri popular, já que os policiais possuem, em geral, um tribunal próprio. A impunidade é motivo de revolta para os moradores das comunidades, como Ana Paula Oliveira, de 42 anos, mãe de Johnata de Oliveira assassinado com um tiro nas costas aos 19 anos de idade por um PM. Ela diz que os alvos são escolhidos e deslegitimados. “Não basta assassinarem os nossos filhos. Eles criminalizam e tentam tirar a dignidade deles”.
O número de mortes por intervenção policial continua crescendo no Estado do Rio de Janeiro. Desde 2016, foram registrados 3494 mortes por ações dessa natureza. Em novembro de 2018, a Secretaria de Segurança passou a chamar as mortes em decorrência de intervenções policiais como “mortes legais”. A mudança gerou revolta entre moradores e ativistas. Eliene, de 43 anos, mãe de Chauan Jambre Cezário, vítima de um tiro no peito por um PM, afirma que a violência nas comunidades tem como alvo os mais pobres. “A violência dentro da favela ou no Rio de Janeiro tem cor e classe social”.
Para Ana Paula Oliveira, a legitimação desses assassinatos aumenta a impunidade. “Tem que haver uma responsabilização de várias outras pessoas, como o próprio governo, que leva uma legitimação desses assassinatos e aumenta a impunidade e os casos”. Ela conclui pedindo uma ação mais contundente do Poder Público. “Acho que já passou do tempo de serem revistas as políticas em prol de uma verdade, que é o que nós mães buscamos”.
Em 2015, foi aberta uma CPI para investigar os autos de resistência. Quatro anos depois, as perguntas que a comissão deixou em aberto continuam sem respostas. O relatório final ainda não foi votado pelos parlamentares. Apesar disso, as mães seguirão na luta pelas vidas dos jovens das comunidades, maiores vítimas dessas execuções: “É uma luta pela vida e, indiscriminadamente, de quem seja essa vida. Então não adianta tentar criminalizar a nossa luta, porque é luta de mãe e ela luta pela vida de todos os filhos”.
Reportagem de Giuliano Cosenza e Patrick Garrido